Fonte: Rev. Ceres, Viçosa, v. 61,
Suplemento, p. 829-837, nov/dez, 2014 ; http://dx.doi.org/10.1590/0034-737X201461000008
Autores:
.Maria
Aparecida Nogueira Sediyama - Engenheira-Agrônoma, Doutora. EPAMIG Zona da Mata,
36570-000, Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Email: mariasediyama@gmail.com
.Izabel
Cristina dos Santos - Engenheira-Agrônoma,
Doutora. EPAMIG Sul de Minas, 36301-360, São João del-Rei, Minas Gerais,
Brasil. Email: csantos@epamig.br
.Paulo
César de Lima - Engenheiro-Agrônomo, Doutor. EPAMIG Zona da Mata, 36570-000,
Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Email: plima@gmail.com
RESUMO
Cultivo de hortaliças no
sistema orgânico
As
hortaliças são os alimentos que mais se destacam, em artigos científicos e em
jornais, quando se trata de contaminação com agrotóxicos. Isso tem levado ao
aumento na demanda por produtos orgânicos por parte dos consumidores. Há,
então, a necessidade de se desenvolverem tecnologias que viabilizem esses sistemas,
atendendo ao consumidor e melhorando a renda dos agricultores, geralmente de
base familiar. A produção de hortaliças em sistema orgânico requer tecnologias
que respeitem os processos ecológicos, que promovam o aumento da matéria
orgânica do solo e que sejam poupadoras de energia. Neste artigo, são
discutidas algumas dessas tecnologias e resultados de pesquisas, com foco em
produção de mudas, manejo e adubação do solo, adubação verde, rotação de
culturas, consórcio de hortaliças, manejo de plantas espontâneas e manejo de
pragas e doenças, que são práticas aprovadas pelas normas para produção
orgânica e seguem os princípios agroecológicos, que contribuem para a maior
eficiência energética dos sistemas produtivos e, em conjunto, para o necessário
desenvolvimento do setor de produção de hortaliças orgânicas com base
científica.
Palavras-chave: Agroecologia, olericultura,
agricultura orgânica, segurança alimentar.
ABSTRACT
Growing
vegetables in the organic system
Growing
vegetables in the organic system Vegetables and agrochemical contamination is
the most outstanding food topic addressed by scientific journals and popular
scientific articles. This increasingly available information has led to an
increase in consumers demand for organic products and, consequently, for the
development of technologies that make organic production viable to meet this
demand and raise the income of producers, mostly family farmers The production
of organic vegetables requires technologies that foster ecological processes, promote
the increase of organic matter in the soil and energy-saving practices. The
objective of this work was to present and discuss some of these technologies
and research results, focusing on seedling production, soil fertilization and
management, green fertilization, crop rotation, vegetable consortium, weed,
pest and disease management. Such practices are approved by organic production
norms and follow agroecological principles, contributing to a greater energetic
efficiency of the productive systems, which collectively provide the necessary
development of a scientifically-based vegetable production sector.
Key words: agroecology, vegetable farming,
organic agriculture, food safety.
INTRODUÇÃO
A produção de hortaliças em sistema orgânico é
uma atividade em crescimento no mundo, em decorrência da necessidade de se
proteger a saúde dos produtores e consumidores e de preservar o ambiente,
dentre outras. Esse sistema de produção é usado, especialmente, por
agricultores familiares, por sua adequação às características das pequenas
propriedades com gestão familiar, pela diversidade de produtos cultivados em
uma mesma área, pela menor dependência de recursos externos, com maior absorção
de mão de obra familiar e menor necessidade de capital. Embora seja um setor em
expansão, a produção de hortaliças orgânicas está sujeita a riscos. Além
daqueles inerentes à agricultura convencional, tem-se: baixa escala de
produção; maior uso de mão de obra; uso de embalagens adequadas para a
certificação; custos com a certificação, que oneram o produto final, o que
também representa um risco de mercado, segundo Lima (2005). Para hortaliças,
produtos altamente perecíveis, o produtor deve adotar estratégias minimizadoras
dos riscos, como programação da produção e previsão de mercado. Neste sentido,
produzir diversas hortaliças é uma boa estratégia para reduzir os riscos. Na
produção de hortaliças, algumas práticas são essenciais para condução das
hortas e a produção de insumos destinados ao sistema orgânico. Dentre elas, a
produção de mudas, de fertilizantes orgânicos, de biofertilizantes, de
vermicompostos e de adubos verdes. Além de tecnologias para manejo de pragas,
doenças e de plantas espontâneas, rotação e consorciação de olerícolas
contribuem para a melhoria da produção orgânica. Neste artigo, são discutidas
algumas dessas tecnologias e apresentados alguns resultados de pesquisas, que,
em conjunto, contribuem para o necessário desenvolvimento do setor de produção
de hortaliças orgânicas com base científica.
MANEJO E ADUBAÇÃO DO
SOLO
As
práticas de manejo do solo são as principais alterações nos agroecossistemas.
Nessa concepção, o ambiente físico-químico tem sido apontado como o principal
regulador da produção das lavouras, tanto pelas modificações físicas causadas
pelo preparo e manejo do solo e, ou, pela irrigação, quanto pelas modificações
químicas, com a adição de nutrientes por meio dos fertilizantes. Principalmente
a partir da década de 90, é que o conceito de manejo biológico do solo se
fortaleceu com o reconhecimento do papel regulatório das populações de
organismos e de suas atividades sobre a fertilidade do solo. Nesse aspecto,
deve ser dada ênfase às práticas de manejo que incrementam ou potencializam as
atividades biológicas do solo (Lima et al., 2011). A adubação sob o paradigma
orgânico pressupõe que a fertilidade do solo deve ser mantida ou melhorada,
utilizando-se recursos naturais e das atividades biológicas. Na medida do
possível, devem-se utilizar recursos locais, bem como subprodutos orgânicos que
proporcionem o fornecimento de nutrientes, de forma ampla e diversificada,
devendo priorizar a ciclagem de nutrientes por meio de restos culturais,
compostos e resíduos orgânicos e adubações verdes com leguminosas ou plantas
espontâneas (Lima et al., 2011). Para tanto, há necessidade da realização de
análises dos componentes da ciclagem de nutrientes e dos materiais a serem
empregados, para se determinar a composição química de cada um deles e o
potencial fertilizante. Também são fundamentais as análises periódicas do solo,
para avaliação da sua fertilidade, visando à adoção de boas práticas de manejo,
incluindo-se a correção da acidez e a adubação adequada, sem excessos, para
evitar a toxidez de nutrientes e o acúmulo de metais pesados no solo.
Considerando-se que grande parte das hortaliças é consumida in natura, é
importante conhecer a qualidade sanitária dos estercos de animais. Neste
sentido, a fermentação da matéria orgânica presente nos estercos e a
compostagem com outros resíduos orgânicos são de extrema importância, antes que
sejam aplicados ao solo, o que reduz as chances de contaminação por
microorganismos patogênicos, além de melhorar a qualidade do esterco e a
disponibilidade de nutrientes para as culturas (Sediyama et al., 2000). Muitas
vezes, o uso ou descarte de resíduos agrícolas e agroindustriais orgânicos são
feitos sem tratamento, o que pode causar danos ao ambiente e às plantas, como
no caso de estercos de animais. A compostagem é a melhor estratégia para o uso
desses resíduos, pois facilita o manejo do esterco, reduz o volume dos resíduos
e a perda de nitrogênio. Um composto bem feito apresenta matéria orgânica
transformada em húmus e atua, no solo, melhorando sua estrutura e dando a ele
condições de armazenar maior quantidade de água, de ar e de nutrientes, que
alimentarão as plantas (Lucon & Chaves, 2004). A compostagem é o processo
aeróbico controlado da decomposição microbiana da matéria orgânica. O nome do
produto obtido, “composto orgânico” (Corg) vem justamente da mistura dos
materiais para sua fabricação, que é um processo simples e de baixo custo,
especialmente nas regiões onde haja abundância desses resíduos. Para
incrementar a produção em sistema orgânico, há necessidade de aumentar a
produção de compostos de qualidade, pois o composto orgânico é o principal
fertilizante usado nesse sistema de cultivo de hortaliças. Os materiais
empregados na compostagem determinam a composição final do Corg. Assim,
recomenda-se a avaliação de diferentes materiais quanto à sua composição
química, para avaliar o valor fertilizante e a resposta na produção e na
qualidade do alimento produzido. Sediyama et al. (2011) avaliaram os Corgs das
misturas descritas a seguir: 1) Bagaço de cana-de-açúcar (BCA) + casca de café
(CC) + esterco bovino (EB); 2) BCA + CC + dejeto suíno na forma sólida (DSS);
3) BCA + CC + EB + DSS; 4) BCA + EB + DSS; 5) BCA + pseudocaule de bananeira
(PB) + DSS e 6) PB + CC + EB. O tempo de compostagem de 98 dias foi adequado
para a maturação dos Corgs, a ausência de aquecimento no interior das pilhas, a
relação C:N abaixo de 10:1, o aumento de pH e de nutrientes. O composto ‘5’
apresentou maiores teores de fósforo, cálcio, magnésio, enxofre, zinco, cobre e
sódio, enquanto o composto ‘2’ apresentou maior teor de nitrogênio. O composto
‘5’ teve bom aquecimento e maior concentração de nutrientes, sendo o mais
promissor para a produção de fertilizante orgânico, considerando-se a grande
disponibilidade desses resíduos na Zona da Mata de Minas Gerais. A compostagem
foi eficiente para reduzir a população de coliformes fecais para contagens
inferiores a 102 UFC/ g, em todos os compostos orgânicos produzidos. No cultivo
de cebola (CNPH 6400) em sistema orgânico, Vidigal et al. (2010) avaliaram o
uso de cinco doses de Corg à base de dejeto sólido de suíno (0; 10; 20; 30 e 60
t ha-1), aplicadas uma semana antes do transplantio das mudas para os
canteiros. A colheita ocorreu 168 dias após a semeadura e a produtividade
máxima de bulbos comercializáveis foi de 60,3 t ha-1, estimada, com a aplicação
de 43,4 t ha-1 do Corg. Houve redução do teor de sólidos solúveis (Brix) dos
bulbos com o aumento das doses, alcançando-se o mínimo de 9,77, estimado, com a
aplicação de 50 t ha-1 do Corg. Os resultados permitiram concluir que a
aplicação de 43 t ha-1 do Corg é suficiente para a obtenção de bulbos com ótima
qualidade e produtividade. A adição dos adubos orgânicos ao solo proporcionou
melhorias nas condições físicas e químicas, aumentando os teores de macro e
micronutrientes e propiciando maiores produtividades.
PRODUÇÂO DE MUDAS
A
produção de mudas é uma das etapas mais importantes da produção de hortaliças,
pois a qualidade da muda determina o desempenho produtivo das plantas. Esta
etapa é altamente dependente de insumos, especialmente de semente e de
substrato para a germinação, o enraizamento e o crescimento das mudas. Algumas
empresas já produzem substratos apropriados; entretanto, a maioria dos
substratos comerciais não é recomendada para sistemas orgânicos, pois, além do
alto custo, eles não são registrados e, portanto, não permitidos pelas
entidades certificadoras, em função da presença de componentes antiecológicos e
de adubos sintéticos de alta solubilidade (Santos et al., 2010). Diversos
trabalhos têm apontado substratos alternativos eficientes, que utilizam materiais
de diversas origens: animal (estercos e húmus de minhoca) (Santos et al.,
2010), vegetal (casca de arroz carbonizada ou natural, tortas, bagaços,
serragem, fibra ou pó da casca de coco) (Silva et al. 2010; Lüdke et al., 2008)
e mineral (vermiculita, perlita, areia). Esses materiais podem ser usados de
forma simples, ou combinados para promover condições favoráveis ao crescimento
e ao desenvolvimento das plantas, com custo acessível. Uma medida adequada para
diminuir o custo e facilitar a produção dos substratos é utilizar material
existente na propriedade ou na região, de reconhecida qualidade e adequação à
produção orgânica (isento de minerais ou outras substâncias em concentração
fitotóxica, bem como de fitopatógenos, de pragas e de sementes ou estruturas de
plantas indesejáveis). Santos et al. (2010) avaliaram substratos constituídos
de vermicomposto (originado de esterco bovino) ou de sua mistura com
vermiculita, para a produção de mudas de pimentão em bandejas de poliestireno
expandido. No geral, o substrato comercial produziu mudas mais vigorosas; mas
os substratos com 100% de vermicomposto e 75% de vermicomposto + 25% de
vermiculita produziram mudas com o mesmo índice SPAD e diâmetro de colo, para
os dois híbridos de pimentão (‘Etna’ e ‘Tiberius’). Concluiu-se que o
vermicomposto bovino pode ser utilizado como substrato na produção de mudas de
pimentão, com mistura de até 25% de vermiculita, principalmente, pelo menor
custo, em relação ao do substrato comercial. Antes de usar os substratos produzidos
com resíduos orgânicos, obtidos nas propriedades agrícolas, é importante
submetê-los ao processo de solarização, tratamento que se baseia no aquecimento
do substrato por meio da energia solar, para a sua desinfecção e inativação de
estruturas e sementes de plantas espontâneas, a menos que tenha sido produzido
por processo adequado de compostagem dos materiais orgânicos.
ADUBAÇÃO VERDE
A adubação verde tem sido utilizada como
alternativa prática e eficaz para o fornecimento de nutrientes e a adição de matéria
orgânica ao solo, diretamente, na área de cultivo. Dentre as plantas empregadas
como adubos verdes destacam-se as leguminosas, que produzem grande quantidade
de biomassa e são capazes de se associar às bactérias que transformam o
nitrogênio do ar em compostos nitrogenados, tornando esse nutriente disponível
para as espécies de interesse comercial. Outras espécies vegetais também podem
trazer vantagens ao sistema, sendo muito importante a escolha das espécies de
adubos verdes mais adequadas para cada tipo de clima, solo e sistema de manejo
das plantas cultivadas (Santos et al., 2013). Quando utilizados no esquema de
rotação de culturas, os adubos verdes são plantados na área, antes da cultura
principal, e cortados por ocasião da floração; a biomassa pode ser deixada
sobre o solo e, neste caso, a decomposição é mais lenta, mas pode-se contar com
os efeitos da cobertura do solo, como a conservação da umidade, a menor
variação da temperatura, a proteção contra erosão, o efeito supressor e, ou,
alelopático sobre várias plantas espontâneas. Se a biomassa for incorporada ao
solo, ocorrerá a sua decomposição pela ação dos organismos e os nutrientes
serão mineralizados mais rapidamente. Para o cultivo do adubo verde em
consórcio com hortaliças, deve-se observar o porte das plantas e a época de
plantio do adubo verde, em relação ao da cultura, para que não haja competição
(Santos et al., 2013). Geralmente é dito que os adubos verdes são úteis no
controle de nematoides, por serem desfavoráveis, ou pouco adequados, à
reprodução desses organismos, mas pesquisas evidenciam que pode haver variação
na susceptibilidade dos adubos verdes, dependendo da espécie de nematoide e de
sua população no local. Inomoto et al. (2006) avaliaram a reação dos adubos
verdes guandu cv. ‘Fava Larga’ e guandu anão cv. ‘Iapar 43’ – ambos Cajanus
cajan; mucuna preta e mucuna cinza - ambas Mucuna pruriens; Crotalaria
breviflora e C. spectabilis a Meloidogyne javanica e Pratylenchus brachyurus.
Com guandu anão, mucuna preta, Crotalaria breviflora e Crotalaria spectabilis,
a população de M. javanica diminuiu, enquanto, com guandu (‘Fava Larga’) e
mucuna cinza, o nematoide multiplicou-se. Os adubos verdes guandu anão,
Crotalaria breviflora e Crotalaria spectabilis foram os mais resistentes a P. brachyurus,
enquanto, com os outros adubos verdes, a população desse nematoide aumentou.
Assim, as três últimas espécies seriam as mais indicadas quando há infestação
pelas duas espécies de nematoides citadas. Quando se trata de culturas de ciclo
curto, como as olerícolas, nem todo o nitrogênio do adubo verde é aproveitado
num único ciclo de cultivo; parte do nitrogênio não aproveitado no mesmo ciclo
vai para a matéria orgânica do solo e parte fica no material vegetal ainda em
decomposição, até que o adubo verde decomponha-se completamente. Esse
nitrogênio residual deve ser considerado e pode ser aproveitado por culturas
subsequentes, em um sistema de sucessão (Diniz, 2011). Para as culturas de
alface americana e de repolho, três leguminosas foram avaliadas como adubos
verdes, na complementação da adubação com composto orgânico (Fontanétti et al.,
2006). A crotalária (C. juncea) apresentou maior produção de matéria seca e
maiores acúmulos dos nutrientes N, P, K, Mg, B, Mn e Zn, em relação aos do
feijão-de-porco (Canavalia ensiformis) e da mucuna preta (Mucuna aterrima) e,
portanto, maior potencial para aporte de nutrientes. A adubação verde em
complementação ao composto proporcionou produção de alface e repolho com
características adequadas para comercialização. Alves et al. (2004) avaliaram
os efeitos da incorporação de biomassa de guandu (Cajanus cajan), proveniente
de sua poda, na fertilidade do solo e na produtividade de beterraba, cenoura e
feijão-de-vagem sob cultivo orgânico. As produtividades das plantas não foram
afetadas pelos tratamentos. Mas, quando se incorporou a biomassa de guandu,
verificou-se que o balanço de nitrogênio do sistema foi positivo e houve
aumento significativo da absorção de fósforo pelas hortaliças. O sistema de
cultivo em aleias de guandu pode representar uma prática vantajosa para os
produtores orgânicos, por contribuir na manutenção da fertilidade do solo.
Diniz (2011) avaliou doses de 0, 3, 6, 9 t ha-1 de adubo verde, em base de
massa seca, na produção de brócolis, com adição de 12 t ha-1 de composto
orgânico e dois tratamentos testemunhas: 100% da recomendação de nitrogênio na
forma mineral e testemunha absoluta, sem adubação. O adubo verde foi aplicado
no dia do transplantio do brócolis, sendo que, no primeiro experimento, foi utilizada
a mucuna cinza e, no segundo, a crotalária (C. juncea). A aplicação do adubo
verde favoreceu o crescimento do brócolis, à medida que se aumentou a dose. O
tempo geral necessário para a decomposição de 50% da massa, nas doses 3, 6 e 9
t ha-1, foi de 50, 102 e 119 dias e, para a liberação da quantidade total do
nitrogênio, foi de 9, 24 e 32 dias, respectivamente.
ROTAÇÃO DE CULTURAS
A
rotação de culturas é essencial para a condução das hortas, uma vez que as
hortaliças estão entre as espécies mais atacadas por um grande número de pragas
e doenças, sendo, portanto, o grupo de plantas com mais problemas
fitossanitários. Esta prática consiste em evitar o plantio sucessivo de uma
mesma cultura, na mesma área, ao longo do tempo, assim como plantas da mesma
família. Desta forma evita-se a reprodução e o acúmulo de organismos (insetos,
fungos, bactérias) que causam danos às culturas, facilitando o seu controle. Se
uma hortaliça recobre pouco o solo, deve ser substituída por uma que produza
bom sombreamento, visando a interromper o ciclo reprodutivo das espécies
espontâneas mais frequentes. É importante alternar culturas de sistema
radicular superficial com aquelas de sistema radicular profundo, para melhor
aproveitamento da adubação residual, assim como cultura que produza pouca
biomassa com outra que produza muita, para favorecer a reposição da matéria
orgânica do solo (Souza & Resende, 2003; Amaro et al., 2007; Santos &
Carvalho, 2013). De acordo com Souza & Resende (2003) e Amaro et al.
(2007), para se implantar um bom esquema de rotação é importante a divisão da
horta em talhões e faixas de plantio, para facilitar o planejamento do sistema,
alternando diferentes espécies vegetais no mesmo local, de acordo com os
princípios básicos. Na EPAGRI, o efeito da rotação de culturas nos cultivos
orgânico e convencional de cebola (cv. Empasc 352 ‘Bola Precoce’) foi avaliado
por três anos. A batata-doce foi plantada em novembro e a aveia foi semeada em
abril, em sucessão à cebola. O sistema com rotação produziu 17,4 e 33,3% a
mais, em relação ao monocultivo nos sistemas convencional e orgânico,
respectivamente. Ao se compararem os sistemas de produção, verificou-se ligeira
vantagem do cultivo convencional (19,2 t ha-1) em relação ao orgânico (17,2 t
ha-1) quanto ao rendimento comercial de bulbos (Silva & Peruch, 2014).
Juntamente com a adubação verde, a rotação de culturas é uma das práticas mais
importantes e efetivas na redução da população de nematoides em áreas de
cultivo. Em cenoura, a rotação com culturas que não hospedam o
nematoide-das-galhas (Meloidogyne sp.) contribui para a morte desses organismos
por inanição (Pinheiro et al., 2010).
CONSÓRCIO DE HORTALIÇAS
O consórcio de hortaliças é um importante
componente dos sistemas agrícolas sustentáveis e consiste no desenho de
combinações espaciais e temporais, de duas ou mais culturas, na mesma área. O
arranjo das culturas no espaço pode ser feito em fileiras alternadas, em
faixas, em mosaico, de forma mista (sem arranjo definido), uma servindo de
bordadura para a outra, ou uma servindo de cultura de cobertura do solo para a
outra. O resultado dessa interação é o aumento da produtividade por unidade de
área cultivada, da estabilidade econômica e biológica do agroecossistema, da
eficiência de uso dos recursos disponíveis (solo, água, luz, nutrientes), da
eficiência de uso da mão de obra, bem como a redução da infestação com plantas
espontâneas, pragas e doenças. Além disso, a consorciação contribui para a
estabilidade da atividade rural, assegurando colheitas escalonadas e
possibilitando renda adicional para o produtor (Altieri et al., 2003; Santos
& Carvalho, 2013). O sistema consorciado é empregado, sobretudo, nas
pequenas propriedades, procurando-se dessa forma, aproveitar ao máximo as áreas
disponíveis, os insumos e a mão de obra utilizada em capinas, adubações,
aplicações de insumos e outros tratos culturais, além de possibilitar maior
diversificação da dieta e aumento da rentabilidade por unidade de área
cultivada (Montezano & Peil, 2006). A medida mais utilizada para avaliar a
eficiência biológica de sistemas consorciados, em relação aos monocultivos, é o
uso eficiente da terra (UET), expresso pelo índice de equivalência de área
(IEA). Esse índice quantifica a área necessária para que as produções dos
monocultivos se igualem às atingidas pelas mesmas culturas em associação, sendo
considerado um método prático e bastante útil. O consórcio será vantajoso
quando o IEA for superior a 1,0 e, quando inferior, o consórcio será
prejudicial à produção, resultado avaliado pela produtividade (Gliessman, 2009;
Lira, 2013). Várias pesquisas comprovaram a vantagem do consórcio entre
hortaliças. No consórcio de coentro (cv. Verdão, Supéria, Português, Asteca e
Santo) e alface (cv. Tainá e Babá de Verão) em sistema agroecológico, Oliveira
et al. (2005) verificaram interação entre os cultivares de alface e os de
coentro, na altura de plantas, no número de molhos/m2 e no
rendimento estimado de massa verde do coentro, com o cv. ‘Português’
registrando o melhor desempenho produtivo, quando combinado com ambos os
cultivares de alface. O desempenho produtivo da alface ‘Babá de Verão’ foi
superior ao da ‘Tainá’. Em todos os sistemas consorciados verificou-se
eficiência agroeconômica, porém os maiores valores foram registrados nos
consórcios entre ‘Tainá’ e ‘Asteca’, e ‘Babá de Verão’ e ‘Português’. Costa et
al. (2007) avaliaram o consórcio de alface (crespa, lisa e americana) e rúcula,
em diferentes épocas de semeadura da última (0, 7 e 14 dias após transplante da
alface), em relação ao de seus cultivos solteiros. Os valores de matéria fresca
e seca de alface não foram afetados pelo consórcio e a matéria seca da rúcula
foi reduzida nas semeaduras mais tardias. De acordo com o índice UET, os
cultivos consorciados foram superiores aos cultivos solteiros entre 5 e 93%. A
viabilidade econômica do cultivo consorciado de pimentão, repolho, alface,
rabanete e rúcula foi avaliada por Rezende et al. (2005). Os autores concluíram
que os custos operacionais totais dos cultivos consorciados foram inferiores à
soma dos custos das respectivas culturas em monocultivo; considerando-se o
índice UET, a qualidade das hortaliças colhidas e a receita líquida, os
cultivos consorciados de duas ou três hortaliças foram economicamente
vantajosos, em comparação com os monocultivos. Nos sistemas orgânicos, a
consorciação das hortaliças com adubos verdes também é vantajosa, pois cumpre
duas funções, a de proteção física do solo, como cobertura viva, e a de
fertilização, após o corte e decomposição da biomassa. Resultados positivos
foram relatados para o consórcio de pimenta com Pueraria phaseoloides (Santos
et al., 2004a), milho com feijãode-porco (Santos et al., 2004b), quiabo com
crotalária (Ribas et al., 2003), dentre outros.
MANEJO DE PLANTAS ESPONTÂNEAS
O
manejo das plantas espontâneas (PE) é um dos principais gargalos da produção de
hortaliças em sistema orgânico, especialmente por serem culturas de ciclo curto
e, na maioria das vezes, de espaçamento reduzido. Dentre as estratégias de
manejo está a prevenção, que consiste na adoção de práticas que evitem a
entrada dos propágulos das espécies indesejadas no local do plantio. O
impedimento mecânico da emergência das plantas espontâneas, por meio da
cobertura morta (CM), é uma alternativa para o seu manejo; além disso, a CM
protege o solo, reduzindo a erosão. Com a repetição dessa prática, tem-se,
também, maior aporte de matéria orgânica e de nutrientes. O uso da CM no solo é
prática de baixo custo e de fácil execução, pois diferentes resíduos orgânicos
podem ser utilizados, como o capim gordura seco, o capim cortado, a casca de
arroz, o bagaço de cana-de-açúcar triturado, a palha, a serragem e a casca de
café dentre outros (Sediyama et al., 2010). Os benefícios da CM na manutenção
da produtividade foram documentados em diversas hortaliças. Carvalho et al.
(2005) avaliaram o efeito de cinco tipos de materiais de cobertura do solo
(palha de arroz, palha de café, Brachiaria brizantha, serragem, testemunha sem
cobertura morta) sobre a produtividade da alface cv. ‘Regina 2000’ e verificaram
que todos os materiais empregados controlaram a infestação de PE, enquanto na
testemunha, a grande infestação promoveu redução da produtividade. Na cultura
do alho, é muito comum aplicar o capim seco sobre os canteiros, após o plantio,
como verificado nos municípios de Inconfidentes e Ouro Fino, região sul de
Minas Gerais, com o intuito de manter o solo úmido, favorecendo o
desenvolvimento da cultura e maior produtividade dos bulbos, em relação aos do
tratamento sem cobertura (Corrêa et al., 2003). Em cenoura, as vantagens da CM
podem-se estender desde a maximização da germinação das sementes até a
manutenção das condições adequadas de temperatura e umidade do solo,
necessárias ao desenvolvimento ótimo das raízes. Resende et al. (2005) avaliaram
os benefícios da CM de solo com serragem de madeira, casca de arroz, raspa de
madeira e capim seco, no desenvolvimento e produtividade da cenoura, e
constataram que a prática é vantajosa para o cultivo de verão, melhorando as
características hidrotérmicas do solo, reduzindo a incidência de PE,
estimulando o desenvolvimento das plantas e aumentando a produtividade em
relação ao solo descoberto. Entre os tipos de CM utilizados, as coberturas com
casca de arroz e maravalha destacaram-se, em relação ao solo descoberto com
maior produtividade para a cultura. Santos et al. (2012) avaliaram a produção
total e o diâmetro dos bulbos de cebola que receberam três tipos de CM (bambu -
Bambuza sp.; gliricídia - Gliricidia sepium e um tratamento controle - ausência
de cobertura do solo), associados a quatro doses de torta de mamona aplicadas
em cobertura, 22 dias após o transplantio das mudas. De cada cobertura, foi
aplicado o equivalente a 2,0 kg m2 de matéria seca de folhas e
pecíolos resultantes da poda da parte aérea da gliricídia e do processo natural
da renescência do bambu. Também não houve diferença significativa entre os
tratamentos palha bambu e palha de gliricídia apresentar maior conteúdo de
nitrogênio (35,1g kg-1 de N) que a palha de bambu (11,8g kg-1 de N) e maior
velocidade de decomposição. O efeito benéfico da CM na produtividade e na
qualidade da cebola foi, provavelmente, decorrente da manuten- ção de maior
umidade e da redução da amplitude térmica do solo. Entre as práticas de manejo,
a redução do espaçamento entre fileiras pode influenciar positivamente o
controle de PE. Algumas pesquisas evidenciam que espaçamentos menores propiciam
menor interferência das PE nas culturas, como consequência do fechamento mais
rápido do dossel vegetativo (Carvalho & Guzzo, 2008; Dias et al., 2009). Em
beterraba, o adensamento de plantas aumentou a capacidade da cultura de
suprimir as PE, sendo considerado por Carvalho & Guzzo (2008) como
ferramenta eficaz no manejo das PE.
MANEJO DE PRAGAS E DOENÇAS
Em sistemas orgânicos de cultivo, o controle
de pragas e doenças deve ser feito somente quando houver possibilidade de danos
consideráveis à produção. Antes, deve-se procurar o equilíbrio natural do
agroecossistema, por meio de práticas promotoras da biodiversidade, como policultivos,
rotação de culturas, adubação verde, quebra-ventos, uso de plantas
companheiras, bem como buscar a elevação dos teores de matéria orgânica do solo
e a nutrição equilibrada das culturas, além de outros fatores que permitam um
manejo adequado dos sistemas. A diversificação da vegetação, nas áreas de
cultivo, por introdução de plantas fornecedoras de abrigo e de alimento
alternativo para inimigos naturais – prática denominada controle conservativo -
é uma alternativa para diminuir o ataque de pragas, discutida amplamente por
Rosado (2007). Souza (2014) avaliou o controle conservativo de pragas do
pimentão, por meio de sua associação com o manjericão (Ocimum basilicum L.), e
concluiu que o uso do manjericão diminuiu a população de pulgões, sem afetar significativamente
a produção. O monitoramento sistemático de doenças e pragas é que determinará a
necessidade ou não de intervenção, que somente poderá ser feita com produtos
permitidos pela legislação em vigor e aceitos pelas certificadoras. Alguns
métodos alternativos, como a biofumigação e a solarização, estão em
desenvolvimento (Ghini & Bettiol, 2000; Souza & Resende, 2003;
Patrício, 2007). Em Bettiol et al. (2014) encontra-se uma ampla revisão sobre o
controle biológico de doenças de plantas e uma lista dos agentes de
biocontrole, registrados para uso agrícola, no Brasil. De acordo com esses
autores, em abril de 2013 havia 16 biopesticidas registrados para uso na
agricultura orgânica no País. Dentre os produtos naturais, utilizados para o
controle de pragas e doenças em sistema orgânico, destacam-se a urina de vaca,
o leite cru de vaca, os extratos de plantas (Nim - Azadirachta indica, alho e
pimenta), os óleos essenciais e as caldas (Bordalesa, Viçosa e Sulfocálcica).
Há, contudo, a possibilidade de essas caldas e também de os biofertilizantes
usados nas culturas aumentarem a resistência das plantas às pragas, por via do
fornecimento de nutrientes. Além desses produtos, tem-se recomendado o uso de
armadilhas luminosas, armadilhas de cor, armadilhas com feromônios, iscas e
controle mecânico (Souza e Rezende, 2003; Venzon et al., 2010). Notadamente, as
hortaliças estão entre as culturas mais propícias à utilização dessas novas
tecnologias, não apenas porque podem ser afetadas por grande quantidade de
doenças, mas, especialmente, porque são destinadas à alimentação humana, muitas
vezes consumidas in natura, e por apresentarem maior valor agregado, permitindo
a incorporação de eventuais aumentos no custo de produção, que podem acompanhar
a adoção de tecnologias alternativas para o controle de doenças de plantas
(Patrício, 2007). De acordo com Penteado (2001), são considerados defensivos
alternativos e naturais todos os produtos químicos, biológicos, orgânicos ou
naturais, que apresentem as seguintes características: praticamente não tóxicos
(grupo toxicológico IV), de baixa ou nenhuma agressividade ao homem e à
natureza, eficientes no combate aos insetos e micro-organismos nocivos,
desfavoráveis à ocorrência de formas de resistência de pragas e
microorganismos, de custo reduzido, de simplicidade de manejo e aplicação,
disponibilidade do produto ou do material para aquisição. Apesar de haver
grande interesse pelos métodos alternativos de controle, existem poucos
produtos registrados, frente à grande quantidade de produtos naturais e de
agentes biológicos de controle existentes. Diante disso, ocorrem dificuldades
para atender à demanda dos produtores que praticam o sistema de produção
orgânico, especialmente, em condições tropicais como no Brasil.
ENERGIA E SUSTENTABILIDADE
DOS AGROECOSSISTEMAS
O
uso apropriado de energia é parte conceitual para produção em agroecossistemas
orgânicos (López de León & Mendonza Diaz, 1999) e um dos objetivos da Lei
Federal 10.831, de 23 de dezembro de 2003 (Brasil, 2009). O exame da agricultura
pela lente da energia revela uma fonte crítica de insustentabilidade. A
agricultura convencional está usando, hoje, mais energia, para a produção do
alimento, do que a energia que o alimento contém em si, e a maior parte é de
fontes não renováveis, principalmente os combustíveis fósseis (Gliessman,
2009). Os insumos e serviços utilizados na produção vegetal representam custo
energético. Dependendo desses fatores e das produtividades obtidas, a conversão
da produção em energia determinará a eficiência energética do sistema;
entendendo-se como eficiência energética as unidades em kcal ha-1, de energia
produzida ou contida nos alimentos, por kcal ha-1 de energia consumida para
produzi-los. A agricultura orgânica somente atingirá a missão de preservação
ambiental se tiver comprovada sustentabilidade energética (Souza et al., 2008).
Com base nesse preceito, Souza et al. (2008) realizaram pesquisa, avaliando o
balanço e a análise da sustentabilidade energética da produção orgânica de
hortaliças, em comparação com o sistema convencional de produção. Foi
comprovada maior eficiência energética, em favor do cultivo orgânico, para
abóbora, alho, repolho e tomate. Apenas o cultivo convencional de cenoura
apresentou-se mais eficiente que o cultivo orgânico. O balanço energético médio
do sistema orgânico foi 2,78, contra 1,93 do sistema convencional. Algumas
estratégias foram propostas por Gliessman (2009), visando ao uso sustentável da
energia na produção de alimentos. Com relação às hortaliças podem ser listadas as
seguintes: desenhar agroecossistemas nos quais as relações biológicas e
ecológicas supram a maioria dos aportes de nutrientes e de biomassa; usar
sistemas de cultivo mínimo; empregar práticas que reduzam o uso e a perda de
água; usar rotações e associações de culturas apropriadas; aumentar o uso de
estercos; expandir o uso de controle biológico e o manejo integrado de pragas;
potencializar a presença de relações micorrízicas; fazer maior uso de culturas
fixadoras de nitrogênio, de adubos verdes e de pousios; fazer maior uso do
manejo biológico de pragas, por meio de cultivos de cobertura, consórcios,
estímulos aos micro-organismos benéficos etc.; introduzir culturas que sejam
apropriadas ou adaptadas ao ambiente local e incorporar quebra-ventos, cercas vivas
e áreas não produtivas aos sistemas de cultivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação do consumidor brasileiro com a
qualidade nutricional e a inocuidade dos alimentos que consome tem aumentado.
Em muitos artigos científicos e em manchetes de jornais, observam-se relatos de
contaminação de alimentos, em especial de hortaliças, com agrotóxicos, fato que
tem despertado o interesse do consumidor por produtos orgânicos, que têm sido
considerados mais confiáveis com relação a essa problemática. Assim, cabe aos
pesquisadores e técnicos, em parceria com os produtores, a viabilização de
sistemas produtivos que garantam a qualidade desejada pelos consumidores e o
retorno econômico desejado pelos agricultores. As práticas hoje aplicadas
favorecem os sistemas de produção utilizados pelos agricultores de base
familiar, produtores de hortaliças em sistema orgânico. Este artigo descreve as
principais, como o manejo e a adubação do solo, a produção de mudas, a adubação
verde, a rotação e a consorciação de hortaliças, o manejo de plantas
espontâneas, o manejo de pragas e doenças. São práticas aprovadas pelas normas
para produção orgânica, que, além de seguirem os princípios da agroecologia,
contribuem para a maior eficiência energética dos sistemas produtivos.
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