Autor:
Luiz Augusto Martins Peruch, engenheiro agrônomo, Dr., pesquisador da
Epagri/Estação Experimental de Urussanga, e-mail: lamperuch@epagri.sc.gov.br
Publicação: O trabalho faz parte
do Boletim Didático nº 88 “Produção
orgânica de hortaliças no litoral sul catarinense” publicado pela Epagri.
Interessados em adquirir a publicação completa e ilustrada com 205 páginas,
devem entrar no site: www.epagri.sc.gov.br
e acessar os link “Publicações” e “Boletim
didático”.
A agricultura “moderna” está baseada no
uso intensivo de insumos. A adoção do sistema de monoculturas, o uso
desequilibrado e altas doses de fertilizantes químicos e os agrotóxicos favoreceram
a ocorrência de epidemias causadas por doenças e pragas em plantas. Para
reduzir as perdas provocadas pelas doenças e pragas, o controle químico através
da aplicação de agrotóxicos foi a principal ferramenta utilizada durante muitos
anos. No entanto, a partir da publicação do livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, em 1962, os cientistas e a
sociedade perceberam a necessidade de buscar alternativas para diminuir a
utilização de agrotóxicos na agricultura.
Os agrotóxicos são apontados como
formulações potencialmente perigosas, pois podem deixar resíduos nos alimentos,
além de contaminar a água, o solo e os agricultores. Os agrotóxicos podem
apresentar uma eficiência reduzida por ser afetados por inúmeros fatores
(condições climáticas, especialmente no momento da aplicação e o local a ser
protegido), além de selecionar populações resistentes de plantas espontâneas,
pragas e microrganismos.
Um exemplo das sérias
consequências à saúde humana do uso crescente e abusivo de agrotóxicos na
agricultura são os casos de intoxicação e mortes registrados no Centro de
Informações Toxicológicas (CIT) situado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, em
Florianópolis, SC. No período de 1986 até 2007, o CIT detectou 9.933 intoxicações
de agricultores e 210 mortes em Santa Catarina (Fonte: Centro de
Informações..., 2008). Segundo os técnicos, esses números representam apenas
uma parte da realidade. Estima-se que para cada notificação oficial ocorram
pelo menos 10 casos que não são registrados. Isso se deve, em parte, pela
dificuldade de diagnosticar corretamente os casos de intoxicação.
As pestes de plantas, causadas pelas
diferentes classes de organismos vivos, devem ser encaradas como parte
integrante de uma plantação. Todavia, cabe ao agricultor reconhecer e manejar
as mais importantes na sua horta a fim de reduzir as perdas. Neste capítulo
serão abordadas questões sobre a natureza das pestes –doenças e pragas de
plantas, sintomas causados por elas, bem como métodos de controle aplicáveis no
cultivo orgânico.
Razões do ataque das pragas e doenças
As hortaliças estão
sujeitas a uma série de doenças e pragas
que causam danos às plantas. Os
microrganismos patogênicos (bactérias, fungos, nematoides e vírus) que
causam doenças, quando encontram condições favoráveis, tornam-se muito ativos e
as plantas, quando em condições desvantajosas, ficam sujeitas a eles. O
olericultor deve procurar proporcionar condições que favoreçam as plantas,
buscando, ao mesmo tempo, desfavorecer as doenças e as pragas. No caso
específico das doenças é importante ter em mente que a ocorrência delas depende
da exigência de um ambiente favorável (clima, solo, sistema de irrigação,
etc.), de uma planta susceptível às doenças, da presença dos microrganismos e, em
alguns casos, de um vetor (transmissor).
Uma das teorias mais
aceitas para explicar, em parte, o ataque de pragas e doenças é a Teoria da
Trofobiose desenvolvida por Francis Chauboussou (Chaboussou, 1987). A teoria
baseia-se na quantidade dos tipos de substâncias presentes nos órgãos das
plantas. Caso estejam presentes mais substâncias simples (aminoácidos), que são
mais desejadas pelos microrganismos patogênicos e pragas, ocorre maior ataque
das pestes. Por outro lado, se existirem substâncias mais complexas
(proteínas), as pestes causarão menos danos. Vários são os fatores relacionados
com o tipo de substância predominante: adubações com nutrientes altamente
solúveis, clima, estádio de desenvolvimento da planta, aplicações de
agrotóxicos e estimuladores de crescimento.
A deficiência ou excesso
de um nutriente influencia significativamente a atividade dos outros elementos
e o metabolismo da planta. Adubações desequilibradas deixam as plantas mais
susceptíveis a pragas e doenças. Excesso de
nitrogênio ou carência de
potássio e cálcio diminuem a
resistência da parede celular, facilitando a penetração dos microrganismos e o
ataque de pragas.
Formas de manejar as doenças e pragas de forma
integrada
O manejo eficiente das
doenças e pragas é baseado em dois princípios fundamentais:
●
É impossível
controlar totalmente as pestes; por isso, o que se recomenda é manejar a
cultura de forma a reduzir ao mínimo os danos causados.
●
O manejo integrado é
um conjunto de medidas que incluem determinadas práticas culturais e, em certos
casos, o controle alternativo (somente aqueles produtos permitidos na
agricultura orgânica) para evitar danos
econômicos às culturas.
No manejo integrado de
pestes, a manipulação das condições ambientais, adubações equilibradas, plantas
resistentes e tratos culturais são alternativas ao controle químico
convencional. A seguir, são discutidas formas de controle para pestes da parte
aérea e do solo que podem ser usadas na agricultura orgânica.
Pragas e doenças radiculares
As doenças e pragas radiculares causadas por microrganismos
patogênicos e insetos-pragas podem ser facilmente reconhecidas pelo fato de
provocar os seguintes sintomas: amarelecimento, murcha, galhas, podridões de
colo, de semente e de raiz, entre outras. Dificilmente são observadas em
cultivos orgânicos de hortaliças, mas, se ocorrerem, podem ser manejadas com as
práticas relacionadas a seguir.
Rotação de culturas:
Esta é considerada
a prática mais antiga no manejo de doenças e de pragas e continua sendo uma das
mais eficientes entre os métodos culturais de controle. Os princípios de
controle envolvido na rotação de culturas são:
redução ou destruição do meio que serve para multiplicação do microrganismos patogênicos; e a melhoria das
condições físicas, químicas e biológicas do solo.
No caso
da horticultura orgânica, este método é normalmente usado e mantém as pestes do
solo sob controle. Contudo, em áreas pequenas se faz somente a rotação de
canteiros em períodos muito curtos, nem sempre dando tempo suficiente para
eliminação das pestes. Nesses casos, deve-se aumentar o período de rotação
plantando gramíneas, como aveia-preta ou milho.
Preparo do solo: Em casos de ataques anteriores e frequentes de doenças e pragas deve-se
adotar o preparo adequado
do solo para instalação da cultura como medida preventiva. Deve-se revolver
muito bem o solo através de uma aração profunda, deixando-o exposto ao sol por
uns dias. Repetir essa operação duas a três vezes e só depois realizar a
gradagem. Essa prática destrói os micróbios por deixá-los expostos à radiação
solar. Essa é uma prática válida para os fungos, bactérias e nematóides que
atacam as hortaliças. Um bom preparo do solo pode reduzir o ataque de pragas,
como a lagarta rosca e paquinhas, em várias hortaliças. Isso se deve ao fato de
que esses insetos fazem ninhos no solo e o seu revolvimento mata a praga e
destrói os seus ovos. Um bom preparo do solo no cultivo da batata e uma amontoa
adequada terra (amontoa) evitam ataques de larvas-alfinete que perfuram os
tubérculos.
Profundidade de plantio: A maior profundidade de plantio das sementes pode afetar
negativamente algumas plantas. Apesar de favorecer o processo de germinação, o
plantio profundo de sementes aumenta a suscetibilidade das plântulas.
Destruição dos restos culturais: Deve-se
sempre, antes de iniciar o preparo do solo, retirar da lavoura os restos do
cultivo anterior (ramos, folhas e frutos) e fazer compostagem com eles para
evitar possíveis focos de doenças, especialmente se foram verificados focos de
plantas murchas ou amarelecidas. Além desse tratamento dos restos culturais,
recomenda-se destruir plantas que apresentam esses sintomas durante o cultivo.
Essa é uma prática válida, especialmente para as espécies das famílias
botânicas das solanáceas, cucurbitáceas e brássicas, que apresentam maior
incidência de doenças e pragas.
Irrigação: Em algumas
situações a irrigação pode ser benéfica para a planta e ruim para o microrganismo patogênico, criando condições
de menor estresse para a primeira e destruindo as estruturas do segundo.
Contudo, quando em excesso, pode beneficiar o
microrganismo patogênico por incentivar alguma de suas fases de
desenvolvimento, sendo maléfica para o hospedeiro. Em lavouras de tomate e
pimentão deve-se evitar regar à tarde para que a superfície do solo esteja
enxuta durante a noite. A água de irrigação, tanto na sementeira como no
plantio definitivo, deve ser de boa qualidade e não contaminada por solo
infestado microrganismos patogênicos ou por restos de culturas doentes.
Ocorrendo doenças bacterianas (murchadeira e canela preta), é recomendável a
suspensão da irrigação e também a retirada das plantas doentes. Muitas vezes, importantes
doenças e pragas parte aérea são beneficiadas pela aspersão. O gotejamento é o
mais favorável no aspecto de manejo de doenças. Para o manejo de pulgões e
trips que atacam várias hortaliças, muitas vezes uma chuva ou mesmo uma
irrigação por aspersão pode reduzir a infestação dessas pragas. Assim, o
produtor deve reconhecer qual problema é
o mais importante para adotar o sistema
de irrigação que trará mais benefícios para o cultivo.
Cobertura
morta e adição de matéria orgânica ao solo: Além
dos efeitos favoráveis em relação à diminuição da erosão, manutenção da umidade
do solo e outros, a cobertura do solo também pode influir na sobrevivência e
disseminação dos microrganismos patogênicos e insetos-pragas. A cobertura do
solo proporciona condições físicas, químicas e biológicas mais equilibradas,
favorecendo o hospedeiro e os microrganismos benéficos do solo, reduzindo,
assim, a incidência das doenças radiculares. Reduções das perdas de umidade,
maior infiltração e absorção de água, menores temperaturas do solo e proteção
contra o efeito do impacto das gotas de chuva são alguns dos outros efeitos
positivos da cobertura de solo. A disseminação dos propágulos de microrganismos
patogênicos também pode ser dificultada quando há cobertura do solo devida à
redução do poder de respingo. Dessa maneira, esporos de fungos e células
bacterianas não são depositados na parte aérea das plantas. A
incorporação de material orgânico fornece energia e nutrientes ao solo,
alterando drasticamente as condições ambientais para o crescimento e a
sobrevivência das plantas e microrganismos. Essa prática também influencia o
desenvolvimento das doenças de plantas, diminuindo ou aumentando a sua
intensidade. Quando ocorre uma redução da doença, normalmente, estão envolvidas
algumas das seguintes alterações: aumento das populações de microrganismos benéficos que influenciam o desenvolvimento
ou sobrevivência dos microrganismos patogênicos , alterações das propriedades
físico-químicas dos solos e produção de substâncias tóxicas.
Na Figura 1 há uma representação de dois solos manejados de forma
convencional e orgânica. O solo manejado organicamente tem mais vida, ou seja,
uma grande quantidade de macro e microrganismos benéficos que impedem ou
limitam o desenvolvimento das pragas e doenças.
Figura 1. Representação
de um solo manejado no sistema convencional (esquerda) e orgânico (direita)
Fonte:
Chaboussou (1995).
Doenças e pragas da parte aérea
As doenças e pragas da
parte aérea são causadas por microrganismos patogênicos e insetos-pragas que
causam os seguintes sintomas: manchas foliares, ferrugens, cancros, mosaicos,
distorções das folhas, perfurações e morte de ramos e galhos.
Destruição dos restos culturais: Com o advento da agricultura moderna,
várias antigas práticas de controle de doenças caíram em desuso em face de
praticidade e economicidade do controle químico. Práticas como a destruição de
restos culturais são raramente executadas em várias culturas. Na cultura da
cebola, por exemplo, a destruição dos restos culturais doentes por meio da
compostagem pode reduzir a queima das pontas em até 50%. O enterrio fora da
lavoura de folhas doentes de repolho, couve-flor e brócolis também contribui
para manejar algumas de suas doenças mais importantes, pois na superfície do
solo os microrganismos patogênicos podem
sobreviver por 2 meses ou mais. Outra opção é fazer a compostagem utilizando os
restos vegetais dessas culturas.
Nutrição equilibrada: A
adubação correta, com base em análise de solo, é fundamental, pois as plantas
bem nutridas possuem maior resistência às doenças. O excesso de nitrogênio
resulta na produção de tecidos jovens e suculentos, atrasando a maturidade da
planta. Por outro lado, plantas mal supridas com esse elemento têm um fraco
crescimento e amadurecimento precoce dos tecidos. Em ambos os casos a planta se
torna mais susceptível ao ataque de doenças. Assim como o nitrogênio, o fósforo
apresenta respostas variadas em relação às suas adubações e à severidade das
doenças. Adubos fosforados solúveis, por
exemplo, reduzem a severidade da sarna da batata, mas podem aumentar as perdas
causadas por viroses em espinafre. Em relação ao potássio, geralmente, tem-se
demonstrado seu efeito benéfico na redução da severidade de inúmeras doenças.
Todavia, o excesso dele causa desequilíbrio nutricional e aumenta a severidade
de outras doenças. O potássio atua diretamente em vários estágios do
relacionamento microrganismos patogênicos
com a planta. O cálcio, por sua
vez, está normalmente relacionado ao controle de doenças. A sarna da batata é
um exemplo de doenças favorecidas por altos níveis de cálcio. Tratamentos no
campo e na pós-colheita com compostos à base de cálcio são utilizados em
diversas culturas por causa dos efeitos favoráveis na fisiologia dos frutos e
na redução das perdas pós-colheita provocadas por doenças.
Densidade de plantas: Geralmente,
quanto maior a densidade de plantas, maior a severidade da doença em virtude da
maior proximidade das plantas, microferimentos causados por ocasião dos tratos
culturais e alterações nas condições climáticas, aumentando a umidade próxima
às folhas. Em plantios mais adensados existe a possibilidade de transmissão do
microrganismos patogênicos devido aos microferimentos causados pelo contato de
partes da planta.
Práticas culturais: Algumas
práticas inadequadas podem favorecer o desenvolvimento de algumas doenças. A
amontoa em pimentão e pepino não deve ser feita para evitar uma das principais
doenças que ocorre na região do colo da planta. As desbrotas e capações
realizadas no tomateiro devem ser feitas a mão, arrancando-se a parte a
eliminar, sem esmagamento, para que a mão não fique contaminada pelo suco da planta, que pode
transportar microrganismos patogênicos
de uma planta para outra.
Época
de plantio: A maior ou menor susceptibilidade das plantas em relação
às doenças pode variar conforme a época de plantio. Em função disso, pode-se
alterar a data de plantio de uma determinada cultura para fugir da época mais
favorável ao desenvolvimento de doenças e pragas, assim como de seus vetores. O
cultivo do tomateiro no outono, por exemplo, é considerado problemático nas
regiões litorâneas de Santa Catarina em razão do ataque de vaquinhas, trips,
vírus do vira-cabeça e da requeima. Já o cultivo de primavera é mais favorável
para o tomateiro devido à menor ocorrência de doenças e pragas.
Material de propagação sadio e cultivares
resistentes: A escolha de um material de
propagação sadio é fundamental para o sucesso de uma cultura. Sendo assim, é
importante, sempre que possível, utilizar cultivares resistentes ou materiais
propagativos livres de pragas e doenças.
A
seguir, são citados alguns exemplos de cultivares resistentes às doenças. O
tomate do tipo cerejinha e do tipo italiano são considerados mais resistentes
às pragas e doenças que os tomates de mesa tipo Santa Cruz e tipo Salada. No
caso do repolho, os híbridos Fuyutoyo e Emblem são considerados resistentes à
doença podridão-negra. O híbrido de couve-flor Júlia F1 é resistente
à alternariose das brássicas. Os
cultivares de batata Epagri 361 Catucha e SCS365 Cota são resistentes à
requeima e à pinta preta. Para prevenir viroses em alface, devem ser plantados
os cultivares Regina, Verônica e Vera. O cultivar de batata-doce Princesa é
resistente ao “mal-do-pé”, enquanto a Brazlândia Roxa é tolerante aos insetos
que causam perfurações nas raízes. O cultivar de vagem Preferido é tolerante à
ferrugem e à antracnose, e o Favorito tolera a ferrugem e o oídio. Por fim, as
cenouras do grupo Brasília são resistentes ao sapeco. A
outra opção, não menos importante, é o plantio de materiais sadios. Os
microrganismos patogênicos são
transmitidos por sementes e outros materiais de propagação. O plantio de ramas
de batata-doce sadias é uma opção para evitar a doença “mal do pé”, por
exemplo. Pulverização de fungicidas e inseticidas: Substâncias
alternativas aos agrotóxicos que são permitidos na agricultura orgânica (calda
bordalesa, calda sulfocálica, biofertilizantes, extratos vegetais e agentes de
controle biológicos) devem ser utilizados somente quando necessário e de forma
criteriosa, evitando-se o uso sistemático na forma de calendário. O inseticida
biológico à base de Bacillus thurigiensis, conhecido
comercialmente como Dipel, pode ser usado para manejar, especialmente, lagartas
e traças que atacam as brássicas, bem como traças e brocas do tomateiro e ainda as brocas das
cucurbitáceas.