Mito : O sistema de produção orgânico é caro e mais trabalhoso que o cultivo convencional
Apesar da agricultura orgânica só ter vantagens em relação ao sistema de produção convencional (uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos e outras práticas), foram criados alguns mitos. A seguir comentaremos sobre os mitos e verdades sobre a agricultura orgânica e agricultura convencional ou "moderna".
Este mito foi criado e divulgado pelo mundo por interesses de inúmeras empresas, visando a venda de fertilizantes químicos e agrotóxicos aos produtores. É muito comum os vendedores empurrarem aos produtores insumos, muitas vezes, sem necessidade, tornando-os dependentes destes que são caros, pois a grande maioria são importados e, o que é pior, aumentando o custo de produção e contaminando o meio ambiente. Trabalho de pesquisa realizado pela Epagri em todo o Estado de Santa Catarina e em outros estados tem comprovado que este mito criado não é verdadeiro. Pelo contrário, os resultados de pesquisa obtidos evidenciaram que o cultivo orgânico de hortaliças é mais barato e menos trabalhoso e, o que é melhor, torna o produtor menos dependente de insumos, pois pode prepará-los na própria propriedade e, o mais importante, sem riscos ao produtor, consumidor e meio ambiente e, ainda proporcionando maior lucro devido ao valor agregado dos alimentos orgânicos.
Resultados de pesquisa
Ainda nos dias atuais, grande número de pessoas ligadas à agricultura sustentam a idéia de que não é possível produzir alimentos sem o uso de adubos químicos solúveis e agrotóxicos. A literatura existente, embora ainda escassa, tem mostrado que a crença de que a agricultura orgânica é cara e mais exigente em mão-de-obra não é verdadeira. A Epagri, por meio das Estações Experimentais em todo o Estado de Santa Catarina, tem contribuído com trabalhos de pesquisa visando a produção de hortaliças no sistema orgânico com resultados promissores. A Estação Experimental de Urussanga, SC, a partir de 2000, concentrou esforços em pesquisas com base agroecológica em hortaliças, especialmente no cultivo de batata e,posteriormente, nas culturas de cebola, tomate, repolho, couve-flor, brócolis, cenoura, alface, beterraba, batata-doce e feijão-de-vagem, com o objetivo de verificar a viabilidade técnica e econômica do cultivo orgânico. A seguir, serão apresentados os resultados de destaque obtidos na batata, cebola e tomate, as hortaliças mais exigentes em adubação e mais sensíveis às pragas e doenças e, por isso, as espécies que apresentam maior custo de produção com insumos.
Obs.: o custo de produção com adubação e tratamentos fitossanitários nos cultivos da batata, tomate e cebola foram calculados com base nos preços destes insumos no final de 2008.
Cultivo de Batata
Custo dos insumos: no cultivo convencional, em um sistema de produção relativamente tecnificado, são realizadas, normalmente, 12 a 15 pulverizações, incluindo fungicidas de contato e sistêmicos, além de inseticidas, quando necessário, com um custo aproximado de R$1.050,00/ha, enquanto no sistema orgânico 10 pulverizações com calda bordalesa (0,5%) para o manejo de doenças foliares e três aplicações com óleo vegetal de nim (0,5%) para o manejo de insetos, totalizando em torno de R$ 600,00/ha, normalmente, são suficientes durante o ciclo da cultura. Em relação à adubação, o custo no sistema orgânico é de cerca de 250,00/ha no caso de o produtor adquirir o esterco de aves, ao passo que no cultivo convencional alcança R$ 1.180,00/ha. Portanto, o custo de produção dos insumos (adubos e tratamentos fitossanitários), que pode representar até 25% do custo total da batata, é cerca de apenas uma terça parte no sistema orgânico, quando comparado ao convencional.
Figura 1.
Cultivo orgânico de batata em propriedade de agricultor, em Treze de Maio, SC.
Exigência em mão-de-obra: não observou-se diferenças significativas quanto à exigência de mão-de-obra nos dois sistemas de produção. É importante, tanto no sistema de produção orgânico como no convencional, escolher áreas pouco inçadas para evitar o aumento no número de capinas. Normalmente, uma capina por ocasião da amontoa, é suficiente para o bom desenvolvimento da cultura. Em áreas muito inçadas recomenda-se a rotação de culturas com espécies de alta produção de massa verde tais como as leguminosas no verão e as gramíneas no inverno. A rotação e, especialmente, a consorciação de culturas com culturas como milho e mucuna é uma ótima opção para áreas muito inçadas (Figura 2).
Figura 2. Consórcio milho x mucuna: ótima opção para rotação e consorciação por possuírem resistência às pragas e doenças, grande capacidade de melhorar a fertilidade e cobrir rapidamente o solo, inibindo a presença de plantas espontâneas, fixando o nitrogênio do ar e reciclando nutrientes do solo devido ao sistema radicular profundo.
Cultivo de Tomate
Custo dos insumos: o cultivo de tomate a céu aberto, devido à maior susceptibilidade a doenças e pragas, tem sido apontado como o maior desafio no sistema de produção orgânico. A doença da parte aérea denominada requeima (Phytophthora infestans) pode arrasar uma lavoura em poucos dias, caso não seja tratada com produtos eficientes. Normalmente, no sistema convencional de produção de tomate, são recomendadas em torno de 15 pulverizações para o controle de doenças foliares e de insetos-pragas (broca-pequena, traça e vaquinha), totalizando o custo de cerca de R$ 1.360,00/ha. Por outro lado, o custo no cultivo orgânico com tratamentos fitossanitários para o manejo das doenças
foliares com calda bordalesa (0,5%) e de insetos com dipel e óleo de nim (0,5%) pode alcançar R$ 1.000,00/ha. Em relação à adubação, o custo no sistema convencional e orgânico alcançou R$ 3.000,00 e R$ 1.100,00/ ha, respectivamente. Portanto, os gastos com insumos (adubos e tratamentos fitossanitários) no cultivo orgânico representam a metade em relação ao sistema convencional.
Exigência em mão-de-obra: a exemplo da batata, também no cultivo de tomate, não há exigências diferentes de mão-de-obra entre os dois sistemas de produção. No entanto, em relação à implantação da lavoura, no sistema de produção orgânico a exigência pode ser menor, pois não há o preparo do solo e as capinas são feitas apenas na linha de plantio. Recomenda-se o cultivo mínimo das mudas de tomate sobre adubos verdes de inverno (Figura 3), mantendo-se apenas a linha de plantio no limpo e as entrelinhas, quando necessário, roçadas. Mantendo-se uma cobertura no solo, não há infestação de plantas espontâneas, evita-se a erosão do solo, os nutrientes são menos lixiviados (a fertilidade é mais duradoura) e, ainda há o melhoramento das condições físicas, químicas e biológicas do solo e um acréscimo no teor de matéria orgânica no solo.
Figura 3. Cultivo mínimo de tomate no final do inverno sobre adubos verdes (aveia + ervilhaca) semeados no outono.
Cultivo de Cebola
Custo dos insumos: a cultura da cebola, a exemplo da batata e do tomate, também é uma das mais exigentes em insumos (adubos e tratamentos fitossanitários). As doenças da parte aérea (sapeco e mancha-púrpura) e o tripes (inseto-praga) são os que mais limitam a produção de cebola, em especial o cultivo orgânico. Ao se analisar o custo com insumos, verifica-se, a exemplo das culturas da batata e do tomate, menor gasto no cultivo orgânico. No sistema de produção convencional foram utilizadas em torno de 15 pulverizações para o controle de doenças foliares associadas com três aplicações de inseticidas para o controle de tripes, totalizando em torno de R$ 760,00/ha, enquanto no orgânico foram necessárias em torno de 10 pulverizações com calda bordalesa (0,5%) para o manejo de doenças e duas pulverizações com óleo de nim (0,5 %) para o manejo de tripes, totalizando R$ 540,00/ha. Em relação à adubação no sistema convencional o custo chegou a R$ 900,00/ha, enquanto no orgânico alcançou R$750,00/ ha. Portanto, o custo dos insumos (adubos e tratamentos fitossanitários) no cultivo orgânico é de 30% a menos em relação ao sistema convencional.
Figura 4.
Cultivo orgânico de cebola
Exigência em mão-de-obra: tendo em vista que no cultivo orgânico de cebola é proibido o uso de herbicidas, é muito importante escolher áreas pouco inçadas para evitar o aumento no número de capinas. Em áreas muito inçadas recomenda-se a rotação de culturas com espécies de alta produção de massa verde tais como as leguminosas no verão e as gramíneas no inverno. A rotação e consorciação de culturas com culturas como milho e mucuna é uma ótima opção para áreas muito inçadas. O cultivo mínimo de cebola sobre áreas semeadas com adubos verdes de inverno tais como a aveia (Figura 5), ervilhaca
e adubos de verão como a mucuna ou até mesmo o consórcio milho x mucuna (Figura 2), também são ótimas opções, pois além de inibirem as plantas espontâneas, reduzindo o número de capinas, melhoram a vida e fertilidade do solo e, ainda diminui a erosão e mantém a umidade do solo.
Figura 5.
Cultivo mínimo de hortaliças sobre cobertura de aveia
Manejo de doenças e pragas
Mesmo no cultivo orgânico podem ocorrer desequilíbrios temporários que aumentam a população de insetos-pragas ou patógenos nocivos em níveis incontroláveis. Esses fatores podem ser chuvas ou secas excessivas, mudas ou sementes de baixa qualidade, tratamentos com agrotóxicos agressivos nas propriedades vizinhas, uso de cultivares não adaptadas, solos degradados e adubações desequilibradas. Recomenda-se no cultivo orgânico que o homem deve intervir o menos possível no meio ambiente para não provocar o desequilíbrio do sistema. Por isso, os produtos alternativos recomendados ou tolerados no cultivo orgânico, mesmo que a grande maioria não cause riscos ao homem ou ao ambiente, somente devem ser utilizados quando realmente necessários. Neste caso, deve-se recorrer às caldas protetoras (Figura 6), aos preparados de plantas e outros produtos alternativos recomendados ou tolerados no cultivo orgânico, visando ao manejo de doenças e pragas em hortaliças.
Obs.: A utilização de alguns dos preparados, bem como outros produtos alternativos, é baseada em trabalhos de pesquisa em determinadas condições edafoclimáticas, outros são resultados de experiências de técnicos e agricultores. Por isso, recomenda-se sempre que o agricultor teste o produto alternativo em pequena área de cultivo e observe os resultados.
Calda bordalesa:
A calda possui baixo impacto ambiental sobre o homem e os animais. O cobre presente na calda bordalesa é pouco tóxico para a maioria dos pássaros, abelhas e mamíferos, porém é tóxico para peixes. A aplicação de caldas não tem o objetivo de erradicar os insetos e os microrganismos nocivos, mas proteger as plantas e ativar o seu mecanismo de resistência. Essas caldas podem ser preparadas na propriedade, reduzindo significativamente o custo de produção. A calda bordalesa é o resultado da mistura simples de sulfato de cobre e cal virgem diluídos em água. É recomendada como fungicida para manejo preventivo de doenças fúngicas e bacterianas e também pode atuar como repelente de muitos insetos.
Obs.: As doenças de hortaliças geralmente ocorrem em condições de alta umidade do ar. Portanto, quando as condições do ambiente forem favoráveis às doenças, devem-se fazer aplicações semanais. Caso contrário, pulverizar a cada quinzena ou a cada mês. Embora a calda bordalesa seja tolerada no cultivo orgânico, é muito importante respeitar o prazo de carência, pois é um fungicida; após a última aplicação, fazer a colheita dos produtos somente depois de 7 dias.
Vantagens:• Forma camada protetora contra doenças e pragas;• Possui alta resistência à lavagem pelas águas de irrigação ou chuvas;• Aumenta a resistência da planta à insolação;• Promove a resistência da planta e dos frutos; • Melhora a conservação e a regularidade de maturação e aumenta o teor de açúcares;• Tem baixo impacto ambiental sobre o homem e os animais domésticos;• É um dos fungicidas mais baratos e eficientes (Figura 7).
Figura 6.
Preparo da calda bordalesa na Estação Experimental de Urussanga
(para ver, passo a passo, como preparar e os principais cuidados para obter a calda bordalesa, consultar matéria antiga já postada neste blog em 06 de janeiro de 2011)
Figura 7.
Tratamento fitossanitário do tomateiro na Estação Experimental de Urussanga:
sem calda (à esquerda) e com calda (à direita)
Efeito do composto orgânico na fertilidade do solo
O uso de composto no cultivo orgânico de hortaliças na Estação Experimental de Urussanga (Figura 8), durante o período de 2002 a 2007, melhorou consideravelmente a fertilidade do solo, quando comparado ao sistema convencional (uso de adubos químicos), conforme análise do solo realizada anualmente. Na média dos três últimos anos (2005,2006 e 2007), os valores do pH (índice SMP), pH (água), P, K, matéria orgânica, Ca e Mg encontrados no solo, sob cultivo orgânico, foram superiores aos obtidos no cultivo convencional. Pelos resultados obtidos, o pH no cultivo orgânico manteve-se estável na média dos últimos três anos, ao contrário do sistema convencional, que necessitou novamente em 2007 de correção da acidez do solo (a primeira calagem foi efetuada em 2001). O uso de compostagem no cultivo orgânico (matéria orgânica estabiliza) explica esses resultados.
Figura 8.
Composto orgânico produzido na Estação Experimental de Urussanga
Um composto de qualidade satisfatória deve conter:
1,0% de Nitrogênio; 0,6% de Fósforo e 0,8%de Potássio. O composto orgânico obtido na Estação Experimental de Urussanga (Capim elefante anão + cama de aviário) alcançou até:
2,9% de Nitrogênio; 3,2% de Fósforo e 2,6% de Potássio. Obs.: a matéria mais antiga postada neste blog em 29 de dezembro de 2010 mostra, passo a passo, como fazer o composto orgânico e os principais cuidados para obter um adubo natural de ótima qualidade.
Conclusões gerais
O cultivo orgânico é uma boa opção de renda aos produtores, pois além de agregar maior valor aos produtos através do sistema de produção, reduz o custo de produção com insumos que podem ser preparados na propriedade, proporcionando maior autonomia do produtor, que não fica dependente de insumos importados cada vez mais caros. É importante destacar que no período de 12 meses (junho/2007 a maio/2008), os fertilizantes e os agrotóxicos que o Brasil importa, em sua grande maioria (cerca de 70%) tiveram um aumento de 120% e 70%, respectivamente.
Convém destacar, ainda, que, havendo na propriedade a integração da agricultura com pecuária, o custo do adubo no sistema orgânico é ainda mais barato e, o mais importante, ainda melhora as condições físicas, químicas e biológicas do solo, tornando a fertilidade mais duradoura.Essa vantagem, ao longo dos anos, poderá ser ainda maior, pois no cultivo orgânico a fertilidade do solo é mais duradoura em relação ao convencional.
Ao se comparar o uso da mão de obra nos sistemas de produção, observa-se que, para as culturas estudadas, praticamente não há diferenças significativas quando são aplicadas todas as técnicas recomendadas. Atualmente existe uma resistência por parte dos agricultores em utilizar composto orgânico devido ao maior uso de mão-de-obra no preparo e aplicação quando comparado à adubação química. No entanto, os resultados obtidos na Estação Experimental de Urussanga têm mostrado que a quantidade necessária de composto utilizado no cultivo orgânico é maior apenas no início. Posteriormente, seu uso é cada vez menor por causa da maior estabilidade do composto e menor lixiviação quando comparado ao sistema convencional, além de melhorar a vida do solo e manter por mais tempo a fertilidade em relação a macro e micronutrientes. Além disso, o uso do composto orgânico corrige naturalmente a acidez do solo, ao passo que no sistema convencional, periodicamente, poderá haver necessidade de aplicação de calcário demandando mão-de-obra e recursos financeiros. Caso o composto orgânico seja aplicado em quantidade excessiva, sem análise do solo e do composto, poderá haver também salinização do solo e contaminação do meio ambiente. No entanto, convém ressaltar que, mesmo utilizando o composto orgânico,este deve ser aplicado com base na análise do solo, pois tanto a falta como o excesso podem desequilibrar o solo e as plantas, favorecendo a ocorrência de doenças e pragas e afetando a qualidade das hortaliças.
Obs.: na próxima matéria abordaremos sobre outro mito criado sobre a agricultura orgânica de que produz menos e, além disso, proporciona produtos de baixa qualidade e aparência, comparado ao sistema convencional ou "moderno".