Autor: Sebastião Wilson
Tivelli
Eng. Agr., Dr., PqC da UPD
São Roque do Centro de Insumos Estratégicos e Serviços
Publicação: Pesquisa
& Tecnologia, vol. 10, n. 1, Jan-Jun 2013
Como engenheiro agrônomo,
sou questionado sobre o que “aplicar” naquele vaso de apartamento ou pé de
fruteira de fundo de quintal para controlar uma suposta praga ou
doença. Isto ocorre com
frequência, não respeitando dia, horário ou local. Mal havíamos entrado na
Faculdade, quando numa festinha de aniversário de minha saudosa avó paterna
fomos questionados pela primeira vez por um tio paulistano sobre o que
“aplicar” num vaso de samambaia de metro para controlar umas pintas escuras que
estava aparecendo na parte de baixo das folhas. Até mesmo agricultores
experientes procuram os engenheiros agrônomos para saber o que é melhor
“aplicar” para determinada praga ou doença em suas culturas. E “ai” do
profissional que não tiver na ponta da língua o nome de um agrotóxico para
recomendar.
Infelizmente esse cenário
não é exclusivo da profissão dos engenheiros agrônomos. Isto também ocorre com
médicos veterinários, zootecnistas e outros profissionais da área das ciências
agrárias. Se já não fosse isto o bastante, a maioria das pessoas ao ir até o
consultório de um médico quer sair com uma receita. Que em muitos casos nada
mais é do que a recomendação de um remédio para “tomar” e controlar aquela
dorzinha ou aquele mau que os afligem no cotidiano.
E o que tem isto a ver com
o controle de pragas e doenças no cultivo orgânico? Qual é a moral dessa
estória? Nesse caso, é que há décadas fomos condicionados a “aplicar” algum
agrotóxico ou “tomar” algum remédio para curar os males que nos aflige, estejam
esses males nas plantas, animais ou em nós mesmo. Com o passar do tempo
desaprendemos a buscar a causa dos problemas, trocando essa procura por uma
solução rápida que visa controlar o efeito e nem sempre a causa.
Na agricultura convencional, o pacote
tecnológico desenvolvido com a revolução verde ocorrida nas décadas de 60
e 70 do século passado preconiza uma receita para o cultivo das culturas, no
qual para cada desequilíbrio que provocamos ao cultivar espécies de interesse
econômico há um agrotóxico que pode ser aplicado para mitigar o problema
causado.
Na agricultura orgânica, que alias
fortaleceu-se no Brasil em contraposição à evolução verde, a idéia não é a de
“aplicar” algo para corrigir o desequilíbrio. Esse processo produtivo busca a
manutenção do equilíbrio. Talvez por isto a curiosidade de técnicos e
agricultores para saber como é feito o controle de pragas e doenças na
agricultura orgânica sem “aplicar” nada.
O controle de pragas e
doenças na agricultura orgânica começa com o planejamento holístico da propriedade,
onde se deve “aplicar” os conhecimentos de agroecologia. Neste aspecto, este
controle inicia-se pela escolha da época correta de plantio de cada cultura,
respeitando-se as exigências climáticas da espécie a ser cultivada; passa-se
pela analise de solo das glebas de cultivo, fazendo-se a calagem e a fosfatagem
onde e quando necessário.
O conhecimento das plantas
espontâneas pode e deve ser utilizado, pois existem algumas indicadoras de
alumínio no solo como as samambaias (Pteridium aquilinium), de solos
compactados como a grama seda (Cynodon dactylon) e a guanxuma (Sida sp.)
e as de solo rico em matéria orgânica como os carurus (Amaranthus sp.) e
a beldroega (Portulaca oleracea).
A conservação do solo no
manejo de pragas e doenças também é importante. O controle da erosão reduz a
perda da camada fértil de solo, tanto do ponto de vista químico quanto
biológico.
Não haverá sucesso no
manejo de pragas e doenças se as práticas que aumentem a proporção de matéria
orgânico no solo e a biodiversidade da área não estiverem presentes.
Muitas das práticas
agroecológicas são utilizadas há gerações por agricultores, como os cultivos
consorciados, a adubação orgânica e a cobertura do solo com resíduos vegetais.
Outras aplicações deste
tipo de manejo precisam ser relembradas pelos técnicos da assistência técnica e
extensão rural, uma vez que ainda não foram apropriadas pelos agricultores,
como a rotação de culturas com diversificação da produção, a recuperação e ou
enriquecimento das áreas de preservação permanente, a alternância na capina das
plantas espontâneas e o cultivo de adubos verdes (Figura 1).
Figura 1. Coquetel de adubos verdes
de verão formados por milheto, mamona e crotalária júncea, além de mucuna preta
e girassol, sendo alguns não visíveis nessa imagem. (Foto: Sebastião Wilson
Tivelli, Sítio Catavento, Indaiatuba/SP, dez/2012)
A biodiversidade nas áreas
de cultivo orgânico pode ser buscada com a instalação de quebra-vento (Figura
2). Além de amenizar o impacto das correntes de ar, como o próprio nome indica,
também reduz a perda de água pelas plantas de interesse econômico.
O quebra-vento auxilia no
manejo das pragas e doenças. No caso das doenças bacterianas, quando as folhas
das culturas não são danificadas pelos ventos temos uma incidência menor da
doença simplesmente por haver um número menor de “portas” para a entrada das
bactérias.
Já no caso dos insetos pragas, o quebra-vento
funciona como uma barreira para o seu deslocamento entre as
glebas de uma mesma propriedade e mesmo entre elas. A escolha da espécie
adequada para a construção deste tipo de obstáculo pode aumentar
exponencialmente a eficiência no manejo de pragas. Espécies que produzam flores
servem de alimento e abrigo para os inimigos naturais das pragas.
A cobertura do solo com
resíduos vegetais ou com adubos verdes evitam a erosão e auxiliam na manutenção
da vida macro e microbiana do solo. A cobertura viva do solo pode ser obtida
também com o manejo seletivo das plantas espontâneas, que servirão de abrigo e
fonte de alimento na fase jovem dos inimigos naturais das pragas. Manejados
corretamente, o caruru e a beldroega servirão de alimento para a vaquinha (Diabrotica
speciosa).
Os métodos culturais na
agricultura orgânica incluem o cultivo de determinadas plantas para servir de
alimento para os insetos-praga ou como repelente destes. Um exemplo deste
manejo é o cultivo em hortas da couve chinesa para servir aos insetos
mastigadores (Figura 3) ou o consorcio do tomateiro com coentro, já que esse
condimento funciona como repelente a mosca branca (Bemisia sp.). Para o
controle de nematóides, a rotação de cultura com crotalárias ou mesmo o cultivo
consorciado com esse adubo verde pode ser recomendado.
Figura 2. Cultivo de cenoura
orgânica com quebra-vento de capim elefante. (Foto: Sebastião Wilson Tivelli,
Sítio Catavento, Indaiatuba/SP, dez/2012)
Figura 3. Couve chinesa plantada
como planta atrativa para insetos mastigadores.
(Foto: Sebastião Wilson Tivelli, UPD São
Roque, São Roque/SP, dez/2012)
A disponibilidade de
agentes de controle biológico (Metarhizium anisophiae, Beauveria bassiana, Trichoderma sp., Verticillium
lecanii entre outros), de feromônio e de inimigos naturais (ácaros, nematóides e parasitóides
de cochonilhas, percevejos e pulgões) para liberação massal no campo para o
manejo de pragas e doenças irá crescer exponencialmente no Brasil nos próximos
anos.
Na agricultura orgânica a aplicação de
algum produto no manejo de pragas e doenças é a última ferramenta utilizada.
Neste caso, os produtos utilizados precisam estar na lista positiva do
Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e damos preferência a
aqueles que o agricultor possa produzir na própria área de cultivo. Essa
relação com os nomes destes itens, em vigor em maio de 2013, está publicada na
Instrução Normativa do MAPA de número 46 de 2011 (IN 46/2011).
Em tempo, aquela
primeira consulta que recebemos do tio paulistano na samambaia de metro que
apresentava pintas escuras nas folhas nem praga ou doença era. As pintas são as sementes” da samambaia e, portanto, nada havia a ser aplicado.