É muito comum, tanto na cidade como no campo, as pessoas acreditarem que
a existência de plantas espontâneas, “mato” ou “inços” na horta, pomar ou
lavoura é sinal de desleixo por parte do produtor. Esta ideia, desenvolvida na agricultura
“moderna”, especialmente com o surgimento dos herbicidas, é baseada no fato de
que o “mato” compete com os cultivos por água, nutrientes e luz. As plantas espontâneas, é bem verdade, competem com as espécies cultivadas por luz,
água e nutrientes, especialmente nos primeiros 30 dias após a implantação dos cultivos, dai a
importância de retirar-se estas plantas ainda pequenas, mas somente na linha de
cultivo (faixa de 20 cm aproximadamente), com a enxada ou implementos adaptados
ou, ainda manualmente. A
competição por água e nutrientes de que são acusadas as plantas espontâneas é
uma preocupação para o hemisfério norte, onde a estação de crescimento é fria,
única e curta. Nas condições do Brasil, onde predomina o clima tropical e
subtropical, a competição do “mato” com os cultivos é menos problemática do que
a falta de cobertura do solo. As plantas espontâneas não merecem ser chamadas
de “daninhas” e, por isso, devem ser consideradas como uma reação da natureza à
falta de cobertura do solo. O uso do termo “plantas daninhas” não é apropriado
para a agricultura orgânica, pois leva em conta apenas seus efeitos negativos
sobre a produção, ignorando os efeitos positivos. Após o período
crítico (aproximadamente 30 dias), as plantas espontâneas nas entrelinhas dos
cultivos com espaçamentos maiores (Figura 1), são consideradas "plantas amigas" devido
à uma série de benefícios que serão enumerados a seguir.
Cobertura do
solo
As plantas espontâneas ajudam a cobrir o solo, reduzindo a erosão e o
aquecimento superficial, nossos principais problemas, contribuindo para
melhorar a disponibilidade de água e a absorção de nutrientes pelas raízes. No Brasil a cada hectare cultivado perde-se, em média, 25
toneladas/ha/ano (1 cm de camada superficial). A cobertura do
solo é capaz de reduzir as perdas de solo provocadas pela erosão em mais de 90%
em relação ao preparo convencional. Esse benefício vai além das propriedades
agrícolas e evita uma série de problemas; a água da chuva, especialmente no
verão quando são frequentes e intensas, escorre para fora das lavouras em menor
quantidade e é mais limpa, o que reduz a poluição e o assoreamento dos rios. Ao impedir o carregamento de terra e nutrientes
para fora da lavoura (erosão), as plantas espontâneas formam uma barreira que
protege o solo do impacto das gotas de chuva, facilita a infiltração da água,
reduz o escoamento superficial e diminui a evaporação da umidade, melhorando a
capacidade do solo de armazenar água. Em relação ao sistema convencional (solo
no limpo sem cobertura), a perda de água é pelo menos 70% menor, reduzindo os
impactos que os períodos de estiagem causam às plantas, além de permitir melhor
germinação e emergência mais uniforme das sementes dos cultivos. Com mais água no solo, o período para o
plantio das culturas aumenta; é possível fazer a semeadura de 6 a 12 dias após
uma chuva, enquanto no sistema convencional (solo sem cobertura) o prazo é de 3
a 6 dias. Portanto, o agricultor tem
mais flexibilidade para implantar a lavoura na época mais propícia ou ampliar o
período de plantio e, com isso, cultivar uma área maior. Além da conservação da umidade do solo, pesquisas
também revelam que a temperatura do solo descoberto alcança até 9ºC a mais
quando comparado ao solo coberto e, que ao atingir 32ºC, as plantas param de
absorver nutrientes. Por ocasião das estiagens, as plantas espontâneas fecham
os estômatos para reduzir a sua própria perda de umidade e com isto também economizam
a do solo, mantendo-o coberto e protegido da insolação.
Figura 1. Transplante
de mudas (repolho, couve-flor e brócolis) no inverno, na Epagri/Estação Experimental de Urussanga,
em área com plantas espontâneas (“mato”) nas entrelinhas
Melhoria das
características física, química e biológica do solo
Embora
os adubos verdes, consorciados ou não com os cultivos, seja a melhor
alternativa para melhorar o solo, as plantas espontâneas (“mato”) também
contribuem para aumentar a densidade e a diversidade radicular, favorecendo a reciclagem de nutrientes e melhorando
as características físicas, químicas e biológicas do solo e, ainda servindo
como fonte de biomassa. As culturas encontram um ambiente muito mais favorável
para se desenvolver, quando são implantadas (plantio direto ou cultivo mínimo)
em áreas com cobertura vegetal. Os resíduos vegetais são capazes de aumentar a
quantidade de matéria orgânica no solo em cerca de 500 kg por hectare a cada
ano. Esse material se decompõe lentamente, melhorando o processo de reciclagem
dos nutrientes e mantendo alto o nível de atividade biológica do solo. No longo
prazo, a fertilidade aumenta. As plantas
espontâneas ajudam também na
descompactação do solo, contribuindo para
adubação verde e reciclam os nutrientes, em função da grande diversidade
radicular (tamanho e forma). Além disso, a cobertura do solo é fundamental para a vida
deste solo, especialmente as minhocas (consideradas o “arado” do solo), uma vez
que elas não gostam de luz e ainda precisam de uma maior oferta de matéria
orgânica através desta cobertura para alimentá-las.
Diversificação e
equilíbrio ecológico
A monocultura, ou seja, o cultivo de apenas uma espécie numa área, é um
dos maiores problemas da agricultura “moderna”, pois não existindo
diversificação de espécies, as pragas e doenças ocorrem de forma mais intensa,
por ser a única espécie presente no local, tornando o sistema de produção mais
instável e mais sujeito às adversidades. O equilíbrio ecológico não pode ser
mantido com as monoculturas. Daí a
importância dos consórcios de culturas e até a manutenção de faixas ou refúgios
com “mato” e até consórcios dos cultivos com plantas espontâneas que podem
servir para atrair insetos predadores e
até como alimento preferencial das pragas das culturas e também como abrigo e
alimento de inimigos naturais dos insetos-pragas. Portanto, no sistema de produção orgânico é fundamental
buscar-se em primeiro lugar uma maior diversificação da paisagem geral com
espécies de interesse comercial ou não, de forma a restabelecer a cadeia
alimentar entre todos os seres vivos, desde microrganismos até animais maiores
e pássaros, pois somente assim se obterá sistemas de produção mais estáveis,
garantindo o lucro dos produtores, mesmo em condições climáticas adversas.
Indicadoras de problemas
no solo
As plantas espontâneas são espécies adaptadas ao seu ambiente, por isso
são consideradas indicadoras das condições químicas ou físicas do solo, podendo
indicar também o manejo que está sendo praticado. Ou seja, ao mesmo tempo que
indica um problema, também ajuda a solucioná-lo. A seguir, alguns exemplos de
plantas espontâneas indicadoras de problemas no solo:
• Picão e urtiga – excesso de
matéria orgânica e carência de cobre
(Cu)
• Carqueja,
guanxuma, língua-de-vaca, maria mole e tanchagem – solo
compactado
• Samambaia – solo
ácido com alto teor de alumínio
• Barba-de-bode
e capim-amargoso – solo com baixa fertilidade
• Capim marmelada ou papuã – solo muito
arado e gradeado, com deficiência de zinco
• Nabo – solo com
deficiência de boro e manganês
• Capim-arroz - solo rico em alumínio
• Tiririca ou junça – solo ácido, com carência de
magnésio
• Caraguatá e
barba-de-bode – é frequente em solos onde se praticam queimadas
• Azedinha - solo
argiloso, ácido, carência de cálcio e molibdênio
• Capim-caninha
ou capim-colorado – solos temporariamente encharcados, periodicamente
queimados e com deficiência de fósforo
• Capim-amoroso ou
carrapicho – solos de baixa fertilidade, compactado e pobre em cálcio.
O uso de vegetação espontânea, a grande
maioria, pode ser utilizada como planta de cobertura. Normalmente há
predominância de gramíneas, especialmente no verão e folhas largas no inverno.
Entretanto, é importante observar que algumas plantas espontâneas são muito problemáticas
e podem dominar a área (ex.: grama-seda, trapoeraba, tiririca, losna, entre
outras), competindo por água e nutrientes durante o ciclo da cultura principal e, dessa forma prejudicando seriamente a
lavoura. Para estas espécies mais agressivas, deve-se ter um cuidado especial,
no sentido de não multiplicá-las cada vez mais. Especialmente para a tiririca,
o manejo é muito importante no sentido de não favorecer a multiplicação,
procurando abafá-las e controlar com
outras espécies (ex.: adubos verdes) com efeito alelopático. Para maiores
informações sobre o manejo da tiririca, recomenda-se ver a matéria postada
neste blog “Manejo da tiririca no
sistema orgânico de produção de
hortaliças“, em 15/03/2013.
Também é importante ressaltar que algumas
plantas espontâneas são indicadoras de solo fértil, tais como a beldroega (Portulaca oleracea).
Manejo das plantas espontâneas
Quando uma planta se torna agressiva,
chamada de “invasora” ou “inço” e domina uma área, o problema não está na
planta, mas no solo e/ou no ambiente que o envolve. As medidas de controle
devem considerar o grau de interferência sobre as plantas espontâneas e destas
sobre os cultivos, antes e depois do manejo.
Havendo necessidade de manejo, as plantas espontâneas não devem ser
totalmente eliminadas. A intervenção deverá ser no sentido de auxiliar a
natureza para que este processo ocorra ao longo do tempo, para que a população
de plantas mais “agressivas” seja reduzida a níveis toleráveis, cedendo espaço
para as mais “comportadas” e de mais fácil manejo. Dependendo do cultivo, é
possível permitir o crescimento das plantas espontâneas. Em certos casos,
amassar o “mato” pode ser mais vantajoso do que roçar e roçar mais vantajoso do
que capinar. Este manejo pode ser feito da seguinte maneira:
• Práticas de
prevenção: evitar a multiplicação; uso de sementes e mudas
isentas de plantas espontâneas; em áreas muito inçadas preparar o solo com
antecedência para permitir a emergência e eliminação de plantas espontâneas;
utilizar composto orgânico ao invés de esterco de gado (fonte de sementes de
plantas espontâneas); controle manual; rotação e consorciação de culturas;
• Plantas de
cobertura (adubos verdes) em rotação, sucessão ou consorciadas com os
cultivos e com efeitos alelopáticos:
mucuna (abafamento), feijão de porco
(tiririca), aveia e nabo forrageiro (papuã), ervilhaca e outras;
• Roçada das
plantas espontâneas: elas podem conviver com os cultivos, especialmente
de maior espaçamento entre as linhas, após o período crítico de competição, principalmente
por luz, nos 30 dias após o plantio. Quando necessário, recomenda-se a roçada
nas entrelinhas. No caso de espécies de espaçamento curto como a cenoura,
cultivada em canteiros, recomenda-se
entre os canteiros, ou até nas proximidades, a manutenção de faixas de
plantas espontâneas, roçando-as quando necessário;
• O uso de
papel é uma ótima opção para os cultivos de espaçamento menor entre plantas
(canteiros) tais como cenoura e mudas de cebola, com o objetivo de atrasar a emergência das plantas
espontâneas: Ver como
proceder através da matéria “Uso do papel em canteiros de mudas de cebola”
postada em 13/01/2013;
• Cobertura
vegetal viva (Figuras 2 e 3) ou morta (Figuras 4 e 5), utilizando o cultivo mínimo ou
plantio direto – reduz a incidência de plantas espontâneas impedindo a
germinação ou abafando-as.
Figura 2.
Cultivo de repolho em cobertura de adubos verdes (aveia)
Figura 3.
Cultivo mínimo de tomate em cobertura de aveia + ervilhaca + nabo forrageiro
Figura 4. Cultivo de couve-flor em cobertura morta de palha de arroz
Figura
5. Cultivo de repolho em cobertura morta de palha de milho
Capina química (uso de herbicidas), solução encontrada pela
agricultura “moderna” para o controle do “mato”
Na agricultura convencional, o
"mato" ou "inços" são chamados de "plantas
daninhas" pois leva-se em conta somente os efeitos negativos sobre a
produção. Em uma conceituação ampla, planta daninha "é toda e qualquer
planta que ocorre onde não é desejada". Em termos agrícolas, planta “daninha”
pode ser conceituada como "toda e qualquer planta que germine
espontaneamente em áreas de interesse humano e que, de alguma forma, interfere
prejudicialmente em suas atividades agropecuárias". A solução encontrada
pela agricultura "moderna" são os inúmeros herbicidas que acabam
contaminando as fontes de água e, o que é pior, contaminando as pessoas,
especialmente quando o uso for nas cidades. Felizmente, em Santa Catarina, esta
prática é proibida por lei. Precisamos
estar atentos e denunciar para a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância
Sanitária em seu município, esta prática irregular, especialmente realizado por algumas prefeituras.
Lei que proíbe a capina química nas cidades em
Santa Catarina
A lei nº 14.734 que
proíbe a capina química em áreas de faixa de domínio
de ferrovias, rodovias, vias públicas, ruas, praças, passeios, calçadas,
avenidas, terrenos baldios, margem de arroios e valas em todo o território de
Santa Catarina, foi sancionada pelo governador Luiz Henrique da Silveira em
17/06/2009. A lei nº 15.117 de 19/01/2010 alterou
a redação, incluindo o parágrafo único: "a proibição
contida na lei 14.734 não se aplica em áreas rurais e nas capinas amadoras em
imóveis particulares devidamente protegidos do acesso público".
Capina química nas cidades: Por que proibir?
Devido a ausência de segurança toxicológica, desde
2003, a Anvisa não permite a aplicação de herbicidas em ambientes urbanos, pois
não tem como proibir o trânsito de pessoas, por pelo menos 24 horas após a
aplicação; todos os produtos registrados para uso agrícola, possuem, como
regra, um período de reentrada mínimo de 24 horas, ou seja, após a aplicação do
produto, a área deve ser isolada e sinalizada e, no caso de necessidade de
entrada no local durante este intervalo, o uso de equipamentos de proteção
individual é obrigatório. Em ambientes urbanos, o isolamento de uma área por 24
horas é impraticável, isto é, não tem como assegurar que a população,
especialmente as crianças, analfabetos e deficientes visuais, sejam avisados e
impedidos de entrar na área, principalmente logo após aplicação, quando ainda
está molhado, o que aumenta muito o risco de intoxicação.
A capina química
com herbicidas nas cidades (Figura 6)
expõe a população ao risco de intoxicação, além de contaminar os animais, os
vegetais, o solo e as fontes de água. Além disso, estudos recentes, mostram que
o herbicida glifosato (roundup), um dos mais
utilizados, é suspeito de provocar malformações em bebês, desregulação
endócrina e mutagenicidade; na Argentina (Chaco), na última década, quando o
uso deste herbicida aumentou drasticamente, relatório informa que quadruplicou os nascimentos de bebês com
malformações. Outra pesquisa com embriões de anfíbios, mostrou
que concentrações. 5.000 vezes menor do que o produto comercial, provocou
deformações nestes. Mas o que é ainda
pior, é que o uso deste herbicida aumentou mais de 600%, passando de 39.515
toneladas em 2000, para 299.965 toneladas em 2009.
Figura 6. Por força de lei esta cena não
pode ser mais vista nas cidades de Santa Catarina e, o que é pior, sem nenhum
equipamento de proteção ao aplicador.
São vários os fatores para proibir a capina química nas cidades,
uma questão muito importante para resguardar a saúde pública. Dentre estes,
destacam-se:
. É praticamente inviável interditar praças e
ruas da circulação de um grande número de pessoas durante e após a aplicação do
agrotóxico;
. Os solos agrícolas são permeáveis o que
diminui o acúmulo e o escoamento superficial do produto aplicado, diferente das
cidades que favorecem o acúmulo e a formação poças com elevadas concentrações
de herbicida (ruas pavimentadas) e, por isso aumentando o risco de exposição de
adultos, crianças e animais domésticos.. As crianças, são mais sujeitas as intoxicações pois quanto
menor o peso menor a dose de veneno necessária para intoxicar.
Para orientar municípios de todo país sobre os
perigos do uso de herbicidas nas cidades, a Anvisa publicou a seguinte nota
técnica em 15/01/2010: "os herbicidas são produtos essencialmente
perigosos e sua utilização, mesmo no meio rural, deve ser feita sob condições
de intenso controle, não apenas por ocasião da aplicação, mas também com o
isolamento da área na qual foi aplicado" . Na mesma nota, acrescenta: "fica
evidenciado que não seria possível aplicar medidas que garantam condições
ideais de segurança para o uso de agrotóxicos em ambiente urbano".