Autor: Andre
Luiz Gonçalves PhD Student - Natural Resources (Fulbright-OAS Ecology
Initiative Fellow) 610, Bradfield Hall - Cornell University 14850 Ithaca, NY –
USA alg47@cornell.edu
Documento
preparado para o I Seminário Estadual e IV Seminário Regional de
Reflorestamento e Recuperação Ambiental, 27 e 28 de abril de 2002, Ijuí – RS
I.
Introdução
Ao longo da história a
humanidade vem manipulando os diversos sistemas naturais para a obtenção de alimentos e de
outras necessidades materiais (Smith 1995). Tal intervenção deliberada vem
alterando e redesenhando o meio ambiente, num permanente processo de reconhecimento
e uso dos potenciais da natureza (Seeland 1997). Entretanto, o atual modelo de
desenvolvimento e, sobretudo, o padrão agrícola largamente adotado nos últimos
cinqüenta anos, tem contribuído para um cenário de degradação ambiental. A
agricultura, que em última instância, é a manipulação humana do fluxo de energia
para a obtenção de alimentos e de outros produtos de interesse humano
(Gliessman 1998), tornou-se sinônimo de destruição e de poluição. Face a esse
contexto de destruição da natureza e de verdadeira ameaça à vida do planeta, alguns
questionamentos fazem-se urgentes: como a necessidade de preservar o meio ambiente
pode ser compatível com a provisão de bens materiais para uma crescente população?
Como manter os sistemas naturais e garantir a reprodução social de diversas comunidades
rurais? Que tipo de sistemas agrícolas pode combinar conservação da biosfera e
uso sustentável dos bens naturais? Parte dessas respostas podem ser alcançadas
através de uma profunda revisão do atual modelo tecnológico em que a ciência
agronômica está assentada. Modelo este que, através de uma crescente
artificialização dos processos naturais, vem distanciando cada vez mais a agricultura
dos padrões estruturais e funcionais da natureza.
Neste sentido, o presente
documento tem o objetivo de mostrar como a visão sistêmica ou, mais
precisamente, uma abordagem ampla e integral da agricultura foi preterida em
função de um modelo reduzido e analítico, baseado na tentativa de controle e
“organização” das diversas variáveis que compõem um agro-ecossistema. Um
exemplo prático, de diversas famílias de agricultores do litoral nordeste do
Rio Grande Sul que têm adotado uma proposta de manejo sistêmico dos recursos
naturais – a Agrofloresta, é apresentado.
II.
Agricultura ou floresta?
Homem e
natureza
Desde os primórdios da
agricultura, com a domesticação das primeiras plantas e animais há mais de
10.000 anos, o homem vem “cultivando” árvores e outras diversas espécies vegetais
e animais em íntima integração. Na verdade, o que a humanidade desenvolveu ao longo
da sua história evolutiva foi a capacidade de transformar e assimilar
culturalmente a natureza. O sucesso biológico da nossa espécie pode ser
parcialmente explicado pela nossa habilidade de influenciar, manipular e mudar
completamente os ambientes naturais (Ellen et al. 1996). Nesses milhares de
anos, a espécie humana e a natureza co-evoluíram através de diversas
interações.
A percepção contemporânea,
principalmente do mundo ocidental, sobre meio ambiente é de que este constitui
uma entidade completamente separada e desarticulada da civilização. A noção de
um mundo rigidamente segregado entre “homem” e “natureza” é senso comum (Seeland
1997). Contudo, diversas sociedades tradicionais, ao redor do mundo, não partilham
desta mesma visão dicotômica que separa o homem e o meio natural. Para estes grupos,
os seres humanos e a natureza nas suas mais diversas expressões – material, cultural
e religiosa, constituem-se um único todo. Esta visão integral reflete-se nos
diversos métodos e processos de apropriação da natureza, desenvolvidos no transcorrer
do tempo. Um exemplo concreto dessa interação expressa-se nos recentes estudos
que mostram que grande parte da floresta amazônica é de origem antropogênica
(Moran 1996).
Os modelos de
desenvolvimento da agricultura1
Confrontando com este
paradigma de convivência com a natureza, a agricultura moderna caracteriza-se pelo
distanciamento dos padrões de funcionamento dos ecossistemas originais através
_____________________________
1 Tradução e
adaptação do capítulo 17 – “Agro-Forests: Incorporating a Forest Vision in Agroforestry”,
Genevieve Michon e Hubert De Foresta in Agroforestry in Sustainable
Agricultural Systems, Edited by Louise E. Buck, James P. Lassoie and Erick C.
M. Fernandes, Lewis Publishers – Boca Raton, Florida 1999, 416 pp.
do
intenso controle humano. Estas duas perspectivas – confrontação e convivência,
estão intrinsecamente relacionadas com os dois principais modelos de desenvolvimento
da agricultura propostos por alguns etnobotânicos. Estes dois modelos são baseados
fundamentalmente nas diferenças de padrão entre “manipulação de plantas” –neste
trabalho referido como “cultivo de campos”, e “desenhos de ecossistemas para cultivo”
– aqui denominado de “agrofloresta”.
O “cultivo de campos”
No primeiro modelo, a
“agricultura” manifesta-se no seu sentido mais restrito – o cultivo de campos, e está
intrinsecamente relacionado com um sistema desenvolvido para a cultura de grãos.
Este sistema é calcado numa evidente distinção entre a atividade agrícola
praticada e o ecossistema original, através de uma extrema simplificação dos
padrões estruturais e funcionais do ambiente e da adaptação de plantas
silvestres através do processo de domesticação.
Ele expressa claramente
uma perspectiva de confrontação e está baseado numa forte intervenção e
controle humano. A artificialização culmina com o intensivo uso de insumosquímicos e mecânicos,
associados a um alto consumo energético, objetivando a maximização das
colheitas e a superação dos limites impostos pelo distanciamento do padrão
original.
O modelo de grãos
reflete-se na mentalidade produtivista em que baseia-se o desenvolvimento da
agricultura moderna. Como esta forma de exploração agrícola alcançou grandes
resultados no aumento da produção de alimentos existe a tendência a ser considerado
como a única forma eficiente de agricultura. Apesar de ter sido inicialmente desenvolvido
para culturas anuais, o modelo de grãos influenciou profundamente a horticultura
e a silvicultura nos trópicos: plantações de floresta e plantações agrícolas de
árvores da floresta tropical como acácia, eucalipto, seringueira ou cacau,
replicam o modelo biológico e as opções técnicas de um campo de milho. Este
modelo é fundamentalmente focado numa perspectiva de planta, portanto, ele é
analítico.
A “agrofloresta”
O segundo modelo
relaciona-se prioritariamente com o cultivo de árvores. É geralmente referido
como “agrofloresta”, o cultivo da “floresta”. Esse modo de agricultura preserva
a complexidade do ecossistema original, tentando replicar suas estruturas para
acomodar as exigências da planta cultivada. Desta forma, o modelo de
agrofloresta reflete a abordagem de convivência.
Diversidade é a palavra
chave, variando os tipos de plantas – ervas, tubérculos perenes,árvores e
lianas, visando replicar, em termos de estrutura e arquitetura, os ecossistemas
naturais. Esta diversidade manifesta-se também na funcionalidade, desde os
aspectos produtivos – alimento e diversos materiais provenientes das plantas –
até a referências de caráter social. Mesmo os sistemas agroflorestais modernos,
tendo incorporado diversas espécies exóticas ao ecossistema original, mantêm os
padrões básicos de diversidade e complexidade.
A agrofloresta, planejada
para uma produção de múltiplos usos e também para otimizar os riscos econômicos
e ecológicos, não é compatível com a estrita exigência de produtividade à curto
prazo da agricultura moderna. Este último modelo baseia-se necessariamente no ecossistema
original, portanto, ele é sistêmico.
A diferenciação entre
esses dois modelos, divergentes e antagônicos, é essencial para que se
compreenda o atual contexto da agricultura dita moderna e, em última análise,
melhor entender as opções tecnológicas priorizadas e desenvolvidas ao longo dos
anos.
O primeiro modelo
caracterizado é tecnicamente complexo porém biologicamente homogêneo e, em
termos de estrutura, excessivamente simplificado. Como ele está baseado num
distanciamento do ecossistema original o seu equilíbrio depende de um
conhecimento complexo e específico, além de insumos externos, forte intervenção
e controle humano. Um exemplo desse modelo são as monoculturas de soja, milho,
trigo, as grandes plantações de frutas cítricas, maçãs e os atuais sistemas de
reflorestamento.O segundo modelo, é biologicamente diversificado e
estruturalmente complexo porém é tecnicamente simples e o seu manejo assenta-se
em um conhecimento genérico, sem demasiado controle externo, fundamentado no
desenvolvimento livre dos processos funcionais ocorrentes na vegetação natural
de uma floresta. Este modelo pode ser exemplificado pelos inúmeros sistemas
agrícolas de sociedades tradicionais desenvolvidos em diversas partes do mundo.
Tabela 1: Diferenças de estrutura e funcionamento entre os modelos "cultivo de campo" e
"agrofloresta".
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"cultivo de campo" "agrofloresta"
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Interações tróficas Simples e linear Complexa
Diversidade de espécies Baixa Alta
Diversidade genética Baixa Alta
Ciclos de nutrientes Aberto Tendência a fechado
Estabilidade Baixa Alta
Controle humano Dependente Menos dependente
Insumos externos Dependente Menos dependente
Permanência temporal Curta Longa
Ciclo plantio-cultivo-colheita Estático Dinâmico
Conhecimento Específico Genérico
Abordagem Analítica Sintética
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III. Agrofloresta: novo
rótulo para uma antiga prática
Conforme referido
anteriormente, diversas sociedades e civilizações, em praticamente todas as
partes do mundo, desenvolveram ao longo do tempo métodos e sistemas de
apropriação da natureza. Tais métodos, em sua grande maioria, eram compatíveis
com as necessidades de produção material e de manutenção e preservação do
ambiente natural no qual eram praticados.
Na Europa, até a Idade
Média, era costume geral um sistema de plantio de árvores durante e após o
cultivo das plantas de interesse agrícola (Nair 1993). Na América tropical,
diversas sociedades simulavam as condições de floresta para a obtenção dos
benefícios desse ecossistema. Nas Filipinas, os Hanunóo praticavam um sistema
de agricultura itinerante –ao derrubar as florestas para implantar sistemas
agrícolas eles deixavam propositadamente algumas árvores que, no fim da estação
de crescimento do arroz, prevenia as lavouras contra a excessiva exposição ao
sol (Nair 1993). Na África os Yoruba cultivavam inhame, milho, abóbora e feijão
sob a sombra de algumas árvores espalhadas nas lavouras (Nair 1993). No Brasil,
os índios Kaiapó por exemplo, desenvolveram um sofisticado sistema de manejo da
floresta amazônica.
Nos últimos anos, face aos
incontestáveis problemas causados pelo atual modelo agrícola e de uma
reavaliação das políticas de desenvolvimento promovidas por agências como o
Banco Mundial e a FAO, os
sistemas agroflorestais começaram a ser valorizados como alternativas de uso e
manejo dos recursos naturais.
Agrofloresta: algumas
definições
O Centro Internacional de
Pesquisa em Agrofloresta (International Centre for Research in Agroforestry –
ICRAF), um órgão de pesquisa mantido pelo CGIAR (Consultive Group on International
Agricultural Research) define agrofloresta como “um sistema dinâmico e de manejo
dos recursos naturais que, através da integração de árvores nas unidades de produção
agrícola, diversifica e mantêm a produção visando um crescente benefício socioeconômico
e ambiental para os agricultores” (ICRAF 1999).
Nair (1993) conceituou
agrofloresta como “ o cultivo proposital ou a deliberada retenção de árvores
com lavouras e/ou animais, em combinações interativas para a produção múlipla ou
benefícios da mesma unidade de manejo”.
Apesar de tais sistemas
serem apresentados como uma verdadeira solução para a agricultura moderna, a
forma como eles vêm sendo propostos e difundidos pelas instituições de pesquisa
e agencias de desenvolvimento e extensão é, em geral, muito conservadora e convencional.
A mesma perspectiva de controlar a natureza, rejeitando os processos naturais e
estruturas do ecossistema original.
Scoones e Thompson (1994)
citando Lori-Ann Thrupp, observa: “agrofloresta, uma prática presente desde o início da
agricultura, tem sido modificada e redesenhada por cientistas e transmitidas de volta para
os agricultores através de sistemas de extensão. O redesenho tem ocorrido de
tal forma que os próprios extensionistas e pesquisadores são normalmente incapazes
de reconhecer as práticas tradicionais de agrofloresta quando elas não possuem
as mesmas características das práticas recomendadas”.
De acordo com Rocheleau
(1998) “existe uma vasta discrepância entre a ambiciosa promessa dos novos
programas de pesquisa e desenvolvimento em agrofloresta e a pobreza de
processos sociais e resultados em diversas das iniciativas experimentais. Muito
da discrepância é em função da visão convencional da agrofloresta como uma
abstração tecnológica fora do tempo e do lugar e as conseqüentes tentativas de
desenvolver novas técnicas em um vácuo ecológico e social”.
Os Sistemas Agroflorestais,
ao invés de reproduzir o mesmo paradigma da agricultura convencional, deve
representar uma nova e radical mudança nas formas de utilização dos
bens da natureza e
retornar a uma lógica original de convivência.
IV. Sistemas
Agroflorestais Regenerativos
A partir da perspectiva de
se desenhar sistemas de produção agrícola que se aproximem ao máximo do
ecossistema original Vivan (1998) propôs os Sistemas Agroflorestais Regenerativos
que, segundo ele, “busca regenerar um consórcio de espécies que estabeleça uma
dinâmica de formas, ciclagem de nutrientes e equilíbrio dinâmico análogos à vegetação
original do ecossistema onde será implantado”. Assim, os elementos para tais sistemas
devem seguir os seguintes conceitos e princípios básicos:
· Padrão Natural
Os sistemas agrícolas
sustentáveis deve considerar, tanto quanto possível, os padrões básicos da
vegetação original. De acordo com Gliesmann (1998), “a chave para sustentabilidade
é achar um sistema que modele a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas naturais
e que ainda colha sobras para o uso humano”. Mollison (1988) propondo alguns
princípios para o desenho de sistemas de permacultura observou que se deve “trabalhar com a
natureza ao invés de ir contra os elementos naturais, forças, essões, processos
e evoluções, de tal forma que assistimos ao invés de impedir o desenvolvimento natural”.
Fukuoka (1978) propôs “cultivar de forma tão simples quanto possível dentro e em
cooperação com o meio ambiente natural”.
Neste sentido, uma das
regras fundamentais para desenhar sistemas ambientalmente sustentáveis é
facilitar os processos naturais. Michon e De Foresta (1997) referindo-se a sistemas
agroflorestais observam que “no modelo de agrofloresta, artificialização
refere-se à reconstituição induzida de um ecossistema verdadeiramente parecido
com a floresta, que estimule os princípios básicos da sucessão natural de
espécies e permita as espécies selecionadas de se
estabelecerem, crescerem e reproduzirem no seu habitat original”.
· Otimizar ao invés de
Maximizar
Nos últimos 50 anos a
força motriz no desenvolvimento agrícola foi a maximização da produção através
do uso de insumos externos. A perspectiva era de possuir o aumento de produtividade para
garantir a segurança alimentar e aliviar a pobreza. As consequências desse
paradigma de maximização são bem reconhecidas: severo dano ambiental e outros efeitos negativos. É
imperativo que novos modelos de agricultura combinem sustentabilidade de longo
termo e produção de alimentos.
· Sucessão vegetal
A constante e progressiva
modificação da composição de espécies é uma característica fundamental nos
sistemas naturais. O permanente processo em direção à complexidade é o caminho
para a teia da vida. A sucessão vegetal ou mais propriamente a sucessão
florestal é caracterizada pela mudança seqüencial na relativa estrutura e tipo
e abundância de espécies dominantes (Burton et al. 1998). Esse processo é um
importante instrumento para se desenhar sistemas agroflorestais, enquanto que o
conhecimento desse padrão permite o cultivo seqüencial de plantas de interesse
econômico.
· Reciclagem de nutrientes
Um dos padrões básicos das
florestas tropicais é a manutenção dos nutrientes em sua biomassa. No geral, os
solos tropicais são pobres e portanto, a ciclagem dos nutrientes desempenham um
papel fundamental no funcionamento de todo o sistema. De acordo com Nair (1993)
sistemas agroflorestais e outros sistemas baseados em árvores são normalmente creditados
como mais eficientes na ciclagem de nutrientes (e por sua vez, com grande potencial
para a melhoria da fertilidade dos solos) do que outros sistemas por causa da presença
de madeiras perenes no sistema e de seus efeitos benéficos para o solo.
Manejo dos Sistemas
Agroflorestais Regenerativos (SARs)
O princípio fundamental
para intervenções técnicas é o manejo da sucessão natural de espécies em
direção ao clímax dinâmico. O processo baseia-se na introdução e cultivo de espécies anuais e perenes,
de forma seqüencial, permitindo o enriquecimento e regeneração do ecossistema
original. Após a recomposição da vegetação original – clímax dinâmico, a idéia
é cultivar um sistema misto de plantas e espécies nativas de ervas, arbustos e
árvores imitando o padrão natural. Michon e De Foresta (1997) colocam que nesse
processo natural de enriquecimento o homem apenas seleciona entre as diversas
opções fornecidas pelos processos ecológicos, selecionando e/ou introduzindo
árvores e protegendo o seu desenvolvimento.
O manejo é feito através
de uma periódica renovação do sistema – a vegetação é podada seletivamente de forma a
facilitar a ciclagem de nutrientes e de favorecer as culturas de interesse
humano. Tais processos ocorrem freqüentemente na natureza por distúrbios como fogo,
vendaval ou enchentes. Todos os sistemas têm ciclos de crescimento, estabelecimento,
senescência e morte. Nesta perspectiva, a concepção de morte não existe, mas
somente o processo de transferência de energia, num padrão cíclico (Vivan
1998).
Nesta proposta
regenerativa, a quantidade e diversidade da biomassa permite uma constante reciclagem
e renovação do sistema. Esse método alternativo difere da abordagem convencional
onde a vegetação original é substituída unicamente por espécies de interesse econômico.
Neste último sistema a poda e capina não são seletivas e o sistema é estático como
um todo. Os sistemas convencionais de agrofloresta em geral dependem de insumos
externos como fertilizantes e pesticidas. Além disso, tais sistemas têm um
padrão de plantio-cultivo-colheita sem a perspectiva cíclica e demandando alto
investimento de trabalho e capital (Vivan 1998).
Os Sistemas Agroflorestais
Regenerativos ao contemplarem aspectos sociais, conômicos e ambientais e,
principalmente, incorporando o sentido mais amplo da agricultura de convivência
do homem com a natureza, podem significar a harmonia entre a preservação da biosfera
e as necessidades materiais da população do planeta. Neste sentido, algumas famílias de pequenos agricultores do litoral
norte do Rio Grande do Sul vêm mudando os padrões tecnológicos de produção, implantando
os referidos SARs.
V. Um exemplo prático:
Agrofloresta na Região de Torres – RS
A área que chamamos
genericamente de “Região de Torres” compreende os municípios de Torres, Três
Cachoeiras, Morrinhos do Sul, Mampituba e Dom Pedro de Alcântara, que compõem a micro-região
homogênea 310-Litoral Setentrional do Rio Grande do Sul. Esta micro-região, apesar de
estar constituída por unidades político-administrativas diferentes, é composta
por um agro-ecossistema com características de solo, clima, relações
econômicas, estrutura social e história similares.
Os municípios que compõem
esta Região pertenciam originariamente a Torres e, através de um processo de
emancipação iniciado em 1990, tornaram-se unidades políticoadministrativas independentes.
Em função desta restruturação, o setor primário aumentou a sua importância
relativa na economia desses novos municípios. Em algumas localidades como Dom
Pedro de Alcântara, Mampituba e Morrinhos do Sul a agricultura responde por aproximadamente
90% da economia municipal e a maioria da população está diretamente envolvida
neste setor.
A estrutura fundiária da
região é baseada em pequenas propriedades rurais - o tamanho médio é de cinco
hectares por unidade de produção, e a mão-de-obra é tipicamente familiar.
Há dois sistemas básicos
de produção, dividindo as áreas de morro e as de várzea. Nas encostas
declivosas o cultivo predominante é a banana, enquanto as áreas de várzea são utilizadas para o cultivo
de arroz irrigado. Nas áreas planas, são cultivados a mandioca, olerícolas,
fumo e cana-de-açúcar, com processamento local da farinha de mandioca, polvilho,
açúcar mascavo e aguardente.
A banana representa o
cultivo mais expressivo em quantidade de área e volume de produção na Região. A
maioria das famílias na área rural têm sua subsistência baseada nesta
atividade. As áreas cultivadas são as partes mais declivosas das propriedades,
onde existe um microclima apropriado a esta cultura.
Os bananais são geralmente
implantados e manejados seguindo um padrão tecnológico completamente inadequado
ao ecossistema. O plantio é feito através do sistema de roça e queima, o solo é
mantido permanentemente limpo com o uso de herbicidas e a aplicação de fungicidas
para o controle de doenças é cada vez mais comum. Este sistema de cultivo tem proporcionado
diversas conseqüências negativas como erosão, perda da fertilidade natural dos
solos, aumento da incidência de pragas e doenças, diminuição da biodiversidade
local e contaminação dos mananciais d’água.
À problemática enfrentada
no plano tecnológico se somam os problemas enfrentados na comercialização da
produção, já que a falta de condições no escoamento favorece a atuação do
intermediário, que se apropria de parte da renda gerada pelo produtor. O
comércio de banana tem, a nível local, apenas a Cooperativa e intermediários
como compradores, o que representa, normalmente, um baixo preço pago ao
produtor.
A inadequação tecnológica
e a falta de escoamento da produção tem provocado a degradação das áreas que
ainda têm cobertura arbórea, bem como a migração e a venda de lotes, já que é
freqüente o processo de descapitalização dos produtores e a área fundiária de suas
propriedades não permitem a reprodução econômica de seus membros.
As Associações de
Agricultores Ecologistas (AAEs)
O Centro Ecológico Ipê (CE
Ipê) é uma Organização Não Governamental (ONG) que estruturou-se para
desenvolver sistemas de produção sustentáveis e de fácil apropriação por unidades
familiares agrícolas, baseando-se na Agricultura Ecológica, ou seja, no manejo ecológico
dos recursos naturais para produção agrícola.
No final dos anos oitenta
e início dos noventa o CE, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), começou a
trabalhar com agricultores familiares da Região de Torres. Como esta região está
localizada numa área de Mata Atlântica, os sistemas agroflorestais regenerativos
devem ser considerados como o padrão para intervenções técnicas, visando melhorar
o manejo das plantações de banana.
Inicialmente, através de
cursos, visitas e experimentos de campo, algumas tecnologias e propostas de
manejo promovidas foram gradualmente adotadas, representando uma melhoria em
termos de produtividade, qualidade de fruto e nas condições ambientais como um
todo. Nesta região tropical dentro do Rio Grande do Sul, diversos sistemas agroflorestais
foram implantados e hoje a maioria dos agricultores que recebem assessoria do
Centro adotam, em certos níveis, essas práticas de manejo.
Ao mesmo tempo em que as
questões tecnológicas eram abordadas, dentro de uma perspectiva de se
contemplar todo o processo produtivo, outros aspectos como organização social e
comercialização também foram trabalhados. Neste contexto diversas Associações de
Agricultores Ecologistas (AAEs) foram estruturadas, congregando mais de cem
famílias distribuídas pelas diversas comunidades rurais dos seis municípios que
compõem a Região.
A construção de um mercado
de produtos orgânicos é um outro aspecto muito importante no sentido de viabilizar
esta proposta ecológica. Hoje, apenas para mencionar a banana,mais de 30
toneladas deste produto é vendido mensalmente em Caxias do Sul e Porto alegre.
Hoje, baseados no exemplo
desses agricultores, diversas instituições que historicamente trabalharam na
Região para promover as tecnologias da “revolução verde” como o Sindicato do
Trabalhadores Rurais e o serviço público de extensão rural – EMATER, estão voltados
para uma abordagem mais ecológica.
Essas famílias de
agricultores estão demonstrando na prática que é possível tornar viável e compatível
produção agrícola, conservação da natureza e, principalmente, uma vida digna baseada
na atividade primária.
VI. Conclusão
A questão não deve ser
qual estratégia expressa a maior conquista na transformação e direcionamento
dos processos ecológicos para beneficiar a humanidade, mas qual deles apresenta
ser o mais adaptado para as presentes restrições sócio-econômicas e ambientais.
O modelo do campo aberto
provou o seu sucesso para desenvolvimento imediato mas as suas conseqüências a longo
prazo são óbvias. A reversão para modelos menos produtivos porém mais
sustentáveis é necessária. O paradigma agroflorestal direciona para a integração
entre agricultura e floresta. Ele alcança esta amálgama entre a perspectiva de longo
prazo da floresta, e os imperativos de produção à curto prazo dos sistemas
agrícolas (Michon e De Foresta 1999) .
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