Apicultura:
Doce e lucrativo negócio
Reportagem realizada por Cinthia Andruchak Freitas, Jornalista da Epagri, publicada na Revista Agropecuária Catarinense,
v.24, n.2, jul.2011
Além de ser uma importante fonte de renda no campo, a
apicultura é fundamental para a sobrevivência da agricultura
e a preservação ambiental
É num processo da natureza extremamente
organizado e de proporções minúsculas que se sustenta uma das cadeias
produtivas mais importantes de Santa Catarina. De flor em flor, as abelhas
coletam néctar para produzir o mel que, após incontáveis viagens, vai encher os
favos nas colmeias. No final de cada safra, a soma dessas pequenas quantidades
alcança volumes que, no Estado, variam de 6 mil a 8 mil toneladas por ano,
movimentando cerca de R$ 30 milhões.
A união do trabalho de abelhas e apicultores
coloca Santa Catarina na quarta posição entre os Estados produtores de mel do
Brasil e em primeiro lugar quando se trata de produção por quilômetro quadrado.
São cerca de 450 mil colmeias distribuídas entre 30 mil apicultores, que se
reúnem em 60 associações ligadas à Federação das Associações de Apicultores de
Santa Catarina (Faasc). A maior densidade de colmeias está no sul, no Vale do
Itajaí, na Grande Florianópolis e no norte, enquanto as melhores produtividades
estão nos apiários do sul, da região serrana e do Vale do Itajaí. Cerca de 30%
da produção é exportada.
A vegetação e o clima diversificado favorecem a
exploração da atividade e garantem a qualidade do mel catarinense. Estudos
apontam Santa Catarina como o Estado brasileiro com a maior diversidade floral
e de mel: são mais de 200 tipos do produto. Flores de eucalipto, vassouras, bracatinga,
uva-do-Japão, laranjeira e demais plantas silvestres são as mais comuns.
Para
quem se dedica à atividade, as colmeias também fornecem pólen, própolis, geleia
real, cera e apitoxina. Em Santa Catarina, esses produtos geram renda aos
produtores, mas a maior importância das abelhas está no papel que elas
desempenham na natureza: a polinização
das plantas. Sem elas, a reprodução de diversas espécies vegetais, muitas de
interesse econômico, como maçã, pera, grãos, olerícolas e pastagens, estaria comprometida.
“Com o serviço de polinização, as abelhas garantem um aumento na produção
agrícola equivalente a mais de US$ 100 milhões anuais a Santa Catarina”,
ressalta o médico-veterinário Walter Miguel, chefe da Epagri/Parque Ecológico Cidade
das Abelhas (Peca).
Para os apicultores do sul do Estado, a polinização também
gera renda. No início da primavera eles levam as colmeias para a região serrana,
onde as alugam para polinizar mais de 20 mil hectares de pomares de maçã e
obtêm uma safra de mel com espécies da região. No início do ano eles voltam
para o sul, onde aproveitam o final das floradas, especialmente a do eucalipto,
e colhem a segunda safra.
Simples e barato
A implantação de um apiário não exige
grandes estruturas, como cercas e galpões, e pode ser feita em pequenas
propriedades, aproveitando áreas impróprias para a agricultura e pecuária,
desde que haja flora apícola na região. Por questões de segurança, o produtor
não pode ser alérgico ao veneno da abelha e deve instalar o apiário a pelo
menos 200 m de estradas e lavouras. O manejo é simples e pode ser feito com mão
de obra familiar. “A apicultura é uma excelente fonte de renda porque os custos
de produção são baixos, já que a maior fonte de alimentação das abelhas é
natural e a atividade não utiliza insumos. O investimento inicial praticamente
se paga no primeiro ano de produção”, ressalta Walter Miguel.
Para instalar um
apiário com 50 colmeias, o veterinário calcula que sejam gastos aproximadamente
R$ 4,5 mil na compra das caixas, que podem durar mais de dez anos se forem bem manejadas.
Os enxames normalmente são encontrados na natureza e a extração e o envasamento
do mel podem ser feitos em cooperativas ou associações com outros apicultores.
Walter
garante que o investimento vale a pena mesmo para quem aposta em uma produção
pequena. Em 50 colmeias, considerando uma produção de 30 kg de mel/colmeia/ano
vendida a R$ 4,00/kg, o apicultor consegue obter cerca de R$ 6 mil por safra de
mel. “Já um apicultor com 500 colmeias consegue tirar cerca de R$ 60 mil ao
ano, o que equivale a uma renda mensal de aproximadamente R$5 mil. Mas, para
alcançar bons resultados, é preciso se dedicar”, aconselha.
Bom negócio
Interesse
pelas abelhas não falta para Leo Kreusch, de 63 anos, que vive em Vidal Ramos,
no Alto Vale do Itajaí. Ele trocou as lavouras de fumo pelas colmeias e hoje é
exemplo de que quando há dedicação a atividade é uma boa opção de renda. “A
apicultura era uma tradição do meu pai que eu aprendi aos 10 anos de idade”,
lembra. Há cerca de 30 anos, Leo decidiu resgatar a atividade. “Comprei equipamentos
e me aperfeiçoei com cursos da Epagri”, conta. Com o conhecimento e o trabalho de
Leo, as colmeias se multiplicaram e já faz 15 anos que a família deixou a
produção de fumo.
São cerca de 200 colmeias na propriedade e em áreas alugadas.
Na safra do ano passado, Leo colheu 35 kg de mel por colmeia, bem acima da média
da região, que é de 25 kg. Parte da produção vai para entrepostos, mas a maior
parcela é vendida na propriedade, pois os anos de trabalho no ramo já renderam
ao apicultor uma freguesia fiel. “De um modo geral, os custos diminuíram e a
renda aumentou com a apicultura, sem falar que não mexo mais com agrotóxicos”, revela.
Assim como aprendeu com o pai, Leo está passando a atividade para o filho Luiz
Carlos, de 15 anos, que tem se interessado cada vez mais pelo apiário. “Ele já
fez vários cursos e está gostando. No futuro, ele vai tocar o que eu estou
fazendo”, afirma.
No município, 22 apicultores mantêm cerca de 1.500 colmeias e
são responsáveis por uma produção de 37 t de mel por ano. Seguindo o exemplo das
abelhas, eles ajudam uns aos outros. “É um trabalho de equipe. Quando um
vizinho chama, a gente vai e o trabalho acaba sendo uma diversão”, conta Leo,
que também é presidente da Associação dos Apicultores de Vidal Ramos (Aapivira).
A associação, fundada em 1990, auxilia na compra de materiais e equipamentos e
na adequação dos estabelecimentos dos produtores. Até o início da próxima
safra, em outubro, a Aapivira deve inaugurar uma unidade de extração de mel com
registro no Serviço de Inspeção Federal (SIF). Hoje, a maioria dos associados
faz a extração na propriedade.
Flávio Majolo, que é extensionista da Epagri no Escritório
Municipal de Vidal Ramos, acredita que a produção de mel do município pode ser
duplicada sem risco de haver concorrência de florada entre as abelhas. “A região
tem ótimo potencial apícola, com grandes áreas de mata nativa e eucalipto”, avalia.
Mas, embora a Epagri incentive a atividade, a apicultura aos poucos se enfraquece
na região. “Muitos produtores não aplicam as tecnologias aprendidas nos cursos,
que são fundamentais para ter sucesso nos apiários”, explica.
Em outras regiões
do Estado, a situação se repete. Cerca de 3 mil produtores catarinenses são
considerados profissionais, mas a maior parte tem até 100 colmeias e pratica a
atividade apenas para complementar a renda. “O conhecimento chega até eles, mas
a maioria não aproveita todo o potencial econômico da atividade”, conta Walter
Miguel, do Peca.
Essa situação mantém a produtividade média do Estado em um
nível relativamente baixo: em torno de 15 kg de mel por colmeia/ano. O grande
desafio da Epagri e das entidades do setor é ampliar esse número em 30% a 40%
nos próximos anos. “Estamos concentrando esforços no desenvolvimento de
material genético de qualidade, na adoção de técnicas adequadas de manejo e no incentivo
ao associativismo, fazendo com que os apicultores adotem as novas tecnologias e
melhorem a produtividade”, destaca o veterinário.
Pesquisa e extensão
A Epagri
acumula mais de 50 anos de trabalho na apicultura, contribuindo com o
crescimento do setor dentro e fora do Estado. Foi em Santa Catarina, por
exemplo, que se desenvolveu o fumegador que é utilizado hoje nos apiários de
abelhas africanizadas em todo o Brasil. O desenvolvimento de roupas e equipamentos
humanizados, com mais segurança e ventilação, também tem contribuição da
Epagri.
Desde 2009, as pesquisas da Empresa na área são conduzidas pela Estação
Experimental de Videira. O Parque Ecológico Cidade das Abelhas, em
Florianópolis, passou a atuar na capacitação de produtores, no apoio às
atividades de extensão e às pesquisas, na sanidade apícola em parceria com a
Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) e na
organização da cadeia produtiva em conjunto com a Faasc.
Entre as pesquisas em
andamento, destacam-se a seleção de colmeias a partir da avaliação de
comportamento higiênico e produtividade de mel, a caracterização genética das
abelhas em diferentes regiões de Santa Catarina e o monitoramento da infestação
pelo ácaro Varroa destructor em apiários do Estado. “Somos colaboradores da Universidade
Federal de Santa Catarina na avaliação de compostos bioativos e da qualidade do
mel em diferentes regiões catarinenses”, acrescenta Cristiano João Arioli, pesquisador
em entomologia da Estação Experimental de Videira. Também em parceria com a
UFSC, a Epagri/Peca participa de uma pesquisa sobre a caracterização da própolis
catarinense e seus efeitos farmacológicos. O estudo é conduzido em parceria com
apicultores de dez regiões do Estado e já apresenta resultados promissores.
A
criação de abelhas sem ferrão, ou indígenas, chamada de meliponicultura, é
outra área que recebe atenção da Empresa. O Peca possui um meliponário, fruto
do trabalho do técnico agrícola Ivanir Cella, para difundir tecnologias com
foco na preservação ambiental. Além disso, a atividade pode gerar renda para os
produtores, seja pela produção de mel, seja pela venda de famílias de espécies nativas.
“Em termos quantitativos, não se deve comparar a produção das abelhas sem
ferrão com a das abelhas Apis mellifera
africanizadas, que são as mais criadas comercialmente em Santa Catarina. As
primeiras têm produção bem menor, mas possuem grande importância ambiental, já
que muitas espécies vegetais nativas são polinizadas exclusivamente por elas”, esclarece
a médica-veterinária Mara Rúbia Pinto, pesquisadora do Peca.
Atenção ao manejo
Outra
contribuição da Epagri está na investigação das possíveis causas da mortalidade
de abelhas que vem ocorrendo no Estado. A partir de 2007 houve ampla divulgação
de um problema surgido nos Estados Unidos e na Europa, a CCD (sigla em inglês para
Síndrome do Colapso das Colônias), que se caracteriza pelo desaparecimento das
abelhas e cujas causas ainda não foram esclarecidas. “Com essa divulgação, os
apicultores do Estado se alertaram. Situações que antes passavam despercebidas
foram atribuídas a isso e recebemos relatos do que poderia ser a CCD”, conta Mara
Rúbia.
A Epagri vem estudando a situação em parceria com outras instituições, mas
com os dados levantados até agora não é possível atribuir as perdas à CCD. “A
maior parte dos casos decorre de erros de manejo. Além disso, a vegetação
nativa está dando lugar à monocultura e isso prejudica as abelhas, que precisam
de aporte nutricional proteico diversificado e em quantidade adequada”,
acrescenta a pesquisadora.
Fome, frio e deficiências no manejo ainda são
apontados como as principais causas de mortalidade de abelhas e redução de
produtividade em Santa Catarina. Para se defender, as abelhas consomem mel e a
reserva acaba rapidamente. Sem os devidos cuidados, os apicultores chegam a perder
15% a 30% das colmeias no outono e no inverno.
Os técnicos recomendam tomar algumas
precauções para manter a temperatura dentro das colmeias, como não instalá-las
em locais altos e descampados, reduzir o espaço de entrada das abelhas, expor
as colmeias ao sol e vedar as frestas das caixas. “É importante usar uma
‘entretampa’ nos meses mais frios para diminuir os espaços vazios na colmeia”,
reforça Walter Miguel.
Também é preciso observar a necessidade de alimentar as
abelhas no outono e no inverno. Para ajudar os produtores nessa tarefa, a pesquisadora
Mara Rúbia estudou a nutrição das abelhas em sua dissertação de mestrado. “Essa
é uma das áreas menos estudadas e mais importantes na apicultura porque as abelhas
não recebem medicamentos e precisam se fortalecer pela alimentação”, justifica.
A pesquisadora avaliou a eficiência de diferentes dietas até chegar às melhores
alternativas para atender as necessidades nutricionais das abelhas. Ao final do
estudo, um folder com as receitas foi publicado para orientar os apicultores.
“As dietas não alteraram as características físico-químicas do mel produzido e podem
ser consideradas adequadas para suplementação alimentar em época de escassez de
recursos naturais”, conclui.
Para levar todo esse conhecimento e as novas
tecnologias ao campo, os cursos de apicultura oferecidos pela Epagri capacitam
mais de 300 produtores por ano em todas as regiões do Estado, além de cerca de
35 técnicos que fazem atualização. O curso básico de apicultura dura de 3 a 5
dias e dá noções suficientes para o produtor iniciar a atividade. Mais tarde,
ele pode se especializar com cursos como os de produção de pólen, geleia real e
própolis. O produtor Leo Kreusch, de Vidal Ramos, que já fez sete cursos na
Epagri, revela o segredo para crescer na atividade: “Para ser um bom apicultor,
além de gostar do que faz, é preciso se aperfeiçoar.
Como o mel é produzido
A
principal fonte para a elaboração do mel é o néctar das flores. Em alguns
locais, as abelhas também coletam a secreção de outros insetos para produzir o
mel de melato. “Em Santa Catarina, encontramos o mel de melato produzido a
partir da secreção de cochonilhas presentes na bracatinga”, explica a
pesquisadora Mara Rúbia Pinto.
A produção do mel envolve várias reações. Em uma
reação física, o néctar é desidratado até que o teor de umidade fique abaixo de
18%.Para
isso, ocorre uma absorção de água no papo das abelhas e uma evaporação pelo
bater das asas dos insetos na colmeia. Já a transformação dos açúcares do
néctar em açúcares do mel ocorre pela ação das enzimas invertase, amilase e
glicose-oxidase. “Após essa delicada transformação, as abelhas depositam o mel
no interior dos alvéolos presentes nos favos e os cobrem com uma fina camada de
cera num processo chamado de operculação. Nesse ponto, o mel é considerado
‘maduro’”, conta a pesquisadora.
De
acordo com a flor de origem, a cor do mel pode variar de quase transparente a
quase negro. Quanto mais escuro, mais forte ao paladar e maiores os índices nutricionais,
principalmente no teor de sais minerais. O sabor pode variar de doce suave até
doce forte e, em alguns casos, como o do mel da bracatinga, pode ser ácido ou
amargo. A consistência também varia: há mel líquido, cristalizado, granulado e
cremoso.