Circular
Técnica, 62 - Embrapa Hortaliças
Brasília, DFJulho, 2008
Autores
Welington
Pereira - Eng. Agr.,
PhD, Embrapa Café Brasília-DF
E-mail: welington.pereira@embrapa.br
Werito
Fernandes de Melo - Eng. Agr.,
MSc,.Embrapa Hortaliças Brasília-DF
E-mail: werito@cnph.embrapa.br
Plantas invasoras ou ervas daninhas são
termos que têm sido muito empregados na literatura agrícola e botânica
brasileira, gerando confusões e controvérsias a respeito de seus conceitos. Em
um conceito amplo, planta daninha refere-se a “toda e qualquer planta que
ocorre onde não é desejada”. Esta definição ampla inclui as soqueiras ou
plantas voluntárias de certas culturas, como por exemplo, batata e batata-doce
que crescem em outras culturas implantadas em sucessão. Em termos agrícolas,
planta daninha pode ser conceituada como “toda e qualquer planta que germine espontaneamente
em áreas de interesse humano e que, de alguma forma, interfere prejudicialmente
nas suas atividades agropecuárias”.
Em termos agroecológicos, plantas ou ervas
espontâneas e plantas invasoras são as espécies de plantas que se originam na
área de cultivo, podendo ser espécies nativas ou exóticas já estabelecidas. As
espécies nativas referem-se àquelas que se apresentam naturalmente na região, originárias
da própria área, ao passo que espécies exóticas são as espécies introduzidas na
região, que não são nativas ou originárias da própria área. A Instrução
Normativa nº 007 do MAPA, de 17 de maio de 1999,
adota, entre outras normas disciplinares para a produção vegetal orgânica, o
termo plantas invasoras, sendo, entretanto, muito comum o uso do termo plantas
espontâneas nos sistemas de produção orgânica.
Uma das diferenças fundamentais do sistema
orgânico em relação ao convencional é a promoção da agrobiodiversidade e da manutenção
dos ciclos biológicos na unidade produtiva, procurando a sustentabilidade econômica,
social e ambiental da unidade, no tempo e no espaço. Neste contexto, a flora
presente assume grande importância quando as espécies da comunidade atuam como
protetoras do solo, como hospedeiras alternativas de inimigos naturais, pragas,
patógenos ou como mobilizadoras ou cicladoras de nutrientes, competição por
água, etc. (Figura 1).
Foto: Gilmar Henz
Fig. 1. A manutenção da biodiversidade
é muito importante na agricultura orgânica.
O uso do termo “plantas daninhas” (Figura 2) não é apropriado para a
agricultura orgânica, pois leva em conta apenas os efeitos negativos que elas
causam sobre a produção agrícola, ignorando os seus efeitos positivos. É muito importante
considerar a maneira pela qual as plantas interagem com seus vizinhos no agroecossistema,
uma vez que há vários tipos, maneiras e graus de intensidade da interação entre
elas. Assim, tem-se a protocooperação como o tipo positivo de interação ou associação,
onde os dois parceiros são estimulados quando estão próximos o bastante para
participar na interação. A associação de insetos benéficos com as plantas
invasoras e as culturas representa provavelmente o exemplo mais conhecido de
protocooperação na agricultura. Por outro lado, as plantas cultivadas e
silvestres são hospedeiras de grande número de pragas e patógenos, servindo
também de abrigo e fonte de alimento para os insetos benéficos. É importante observar
que o conceito de planta daninhas é relativo, pois muitas delas podem trazer vantagens
ao homem pelo enriquecimento da fauna benéfica, apesar de danificarem a produtividade
biológica em determinadas fases dos cultivos.
Foto: Gilmar Henz
Fig. 2. Em agricultura orgãnica, o uso
do termo “plantas daninhas” não é apropriado.
O crescimento das plantas espontâneas ao redor
das hortaliças ou o estabelecimento de áreas ou faixas de vegetação espontânea,
fora da área cultivada comercialmente, tem a vantagem de preservar ao máximo os
aspectos naturais estabelecidos pelo ecossistema local.
Na divisão dos talhões de cultivo, deve-se
deixar as faixas de vegetação espontânea, também chamadas de corredores de
refúgio (Figura 3), de 2 a 4 m de
largura, para abrigar a fauna local benéfica. Em complemento, deve-se realizar
o manejo da vegetação espontânea por meio de capinas em faixas para as culturas
com maiores espaçamentos nas entrelinhas e a manutenção da vegetação entre os
canteiros. Estas técnicas têm a vantagem de promover uma maior estabilidade do
sistema produtivo, reduzindo normalmente os problemas com pragas e doenças.
Sistemas diversificados podem diminuir a incidência de pragas e aumentar a
atividade de inimigos naturais. Entre outras vantagens, a vegetação espontânea
pode colaborar para a ciclagem de nutrientes de fácil mobilidade e, por cobrir
o solo, pode protegê-lo contra a erosão.
Foto: Gilmar Henz
Fig. 3. Faixas de vegetação são
importantes em agricultura orgânica como corredores de refúgio.
Algumas plantas espontâneas podem ser indicadoras
de solo pobre ou com desequilíbrio de
nutrientes (Tabela 1).
Tabela 1. Plantas
espontâneas indicadoras de solos pobres ou com desequilibrio de
nutrientes.
Planta Espontânea
|
Características Indicadoras
|
Amendoim bravo ou leiteiro (Euphorbia heterophylla)
|
Desequilíbrio entre nitrogênio (N)
e micronutrientes, sobretudo molibdênio (Mo) e cobre (Cu)
|
Azedinha (Oxalis
oxyptera)
|
Solo argiloso, pH baixo, falta de
cálcio (Ca), falta de molibdênio
|
Barba de bode (Aristilla
pallens)
|
Terra de queimadas, pobre em
fósforo (P), cálcio e potássio (K), solos com pouca água
|
Cabelo de porco (Carex spp.)
|
Pouco cálcio
|
Capim amargoso ou capim açu (Digitaria insularis)
|
Solos de baixa fertilidade
|
Capim caninha ou capim colorado
(Andropogon incanis)
|
Solos temporariamente encharcados,
periodicamente queimados e com deficiência de fósforo
|
Capim-arroz (Echinochloa
crusgalli var. crusgalli)
|
Solo rico em elementos tóxicos,
como o alumínio na forma reduzida
|
Capim marmelada ou papuã (Brachiaria plantaginea)
|
Típico de solos constantemente
arados, gradeados, com deficiência de zinco (Zn)
|
Capim rabo de burro (Andropogon
sp.)
|
Indica solos ácidos com baixo teor
de cálcio, camada impermeável entre 60 e 120 cm de profundidade
|
Capim-amoroso ou carrapicho (Cenchrus ciliatus)
|
Terra de lavoura empobrecida e
muito compacta, pobre em cálcio
|
Caraguatá (Erygium
ciliatum)
|
É freqüente em solos onde se
praticam queimadas,com húmus ácido
|
Carrapicho-de-carneiro (Acanthosperum
hispidum)
|
Deficiência em cálcio
|
Cavalinha (Equisetum
sp.)
|
Solo com acidez de médio a elevado
|
Guanxuma (Sida spp.)
|
Quando tem um baixo crescimento,
indica que o solo é pouco fértil
|
Mio-mio (Bacharis
coridifolia)
|
Deficiência de molibdênio
|
Nabo (Raphanus
raphanistrum)
|
Deficiência de boro (B) e manganês
(Mn)
|
Picão branco (Galinsoga
parviflora)
|
Solo com excesso de nitrogênio e
deficiente em micronutrientes. É beneficiado pela deficiência de cobre
|
Samambaia (Pteridium
auilinum)
|
Solo com altos teores de alumínio
tóxico
|
Sapé (Imperata
exaltata)
|
Solo ácidos. Ocorre também em
solos deficientes em magnésio (Mg)
|
Tiririca (Cyperus
rotundus)
|
Solo ácido, com carência de
magnésio
|
Urtiga (Urtica
urens)
|
Carência em cobre
|
Entre as plantas indicadoras de solo fértil (Figura 4), pode-se citar a beldroega (Portulaca
oleracea), a chirca (Ruppatorium sp),
o dente-de-leão (Taraxum oficialis) e a guanxuma (Sida spp).
Foto: Gilmar Henz
Fig. 4. A beldroega (A) e a guanxuma
(B) são indicadoras de solo fértil.
Já o capim amargoso (Digitaria
insularis) e o carrapicho (Cenchrus ciliatus) são indicadores de solos de baixa fertilidade.
Outras plantas predominam em áreas de queimadas, como barba-de-bode, capim
colorado e o caraguatá, além de solos com desequilíbrio de nutrientes ou muito
ácidos.
A incidência das plantas espontâneas nas áreas
de cultivo depende de vários fatores, que variam de acordo com o tipo de
hortaliça, uma vez que são cultivadas em diferentes espaçamentos, arranjos, densidades populacionais
e ciclos culturais. Além disto, as hortaliças apresentam diferentes taxas de
crescimento e arquitetura (Figura 5),
que resultam em diferenças nos índices de área foliar, cobertura do solo e
graus de interceptação
da luz solar, fator essencial para o estímulo, germinação de sementes e
ocorrência das plantas espontâneas.
Foto: Gilmar Henz
Fig. 5. O milho-verde interfere na
incidência de plantas espontâneas devido à arquitetura das plantas e sua
velocidade de crescimento.
As hortaliças que conseguem cobrir mais rapidamente
o solo geralmente reduzem a incidência das plantas espontâneas na área cultivada.
O que é alelopatia?
O termo alelopatia, segundo o interesse específico
da área de manejo de plantas invasoras, se refere aos efeitos biológicos negativos
das plantas de uma espécie vegetal sobre o desenvolvimento e o crescimento de
plantas de outra espécie, por meio da liberação de
substâncias químicas orgânicas no ambiente comum. Assim, algumas plantas (cultivadas
ou não) complementam sua agressividade pela liberação de substâncias tóxicas ou
substâncias inibidoras de crescimento chamadas de aleloquímicos, por meio de
exsudações pelas raízes (Figura 6) e
lixiviação da matéria orgânica produzida.
Em geral, quando essas substâncias são absorvidas
por outras espécies, modificam o seu crescimento, reduzindo ou eliminando sua habilidade
de competição. A comprovação dos efeitos
diretos dos aleloquímicos nas condições de campo é difícil, devendo, portanto,
ter-se o cuidado de separar a alelopatia de outras formas de interferência
negativa, especialmente a competição. Vários trabalhos na literatura demonstram
que as hortaliças são bastante suscetíveis aos aleloquímicos. As leguminosas mucuna-preta e feijão-de-porco têm-se
mostrado eficientes no processo de competição, alelopatia e, conseqüentemente, na
redução do banco de sementes do solo.
Foto: Gilmar Henz
Fig. 6. A tiririca e o trevo são
plantas espontâneas de difícil manejo na agricultura orgânica.
Redução de plantas espontâneas no início do cultivo
das hortaliças
A presença das plantas espontâneas no início do
cultivo das hortaliças pode ser reduzida por meio de técnicas de manejo em pré-semeadura
ou transplante da mudas. Também se pode planejar o uso de glebas associado a um
programa de solarização dos talhões no período de altas temperaturas e
antecipado aos plantios. O preparo do solo (Figura
7) e a pré-irrigação estimulam a germinação e o desenvolvimento das plantas
invasoras. Recomenda-se fazer o preparo do solo de três a quatro semanas antes
do plantio para permitir a germinação, o crescimento inicial e o controle
pós-emergente das plantas emergidas ou em processo de germinação, por meio de
capina manual, gradagem ou encanteiramento, todos de forma superficial para
evitar revolver muito o solo novamente e provocar novos estímulos de germinação
das sementes. O controle das plântulas espontâneas pode ser também feito com o
uso do fogo, por meio de bicos aplicadores a gás, contribuindo assim para reduzir
a presença das plantas espontâneas emergidas ou em processo de germinação, no início
ou por ocasião do primeiro cultivo da hortaliça.
Foto: Gilmar Henz
Fig. 7. A aração e a gradagem são práticas agrícolas que
interferem no ciclo de vida das plantas espontâneas.
Capina seletiva
A capina seletiva consiste em arrancar aquelas
plantas espontâneas que vêm amadurecendo, tendo já cumprido com o seu papel
ecofisiológico, mantendo apenas as plantas jovens. A capina seletiva deve
eliminar somente as espécies mais agressivas e/ou que estejam interferindo
biologicamente. A matéria orgânica capinada é deixada sobre o solo.
A análise do período em que as espécies de
plantas invasoras competem com as hortaliças pelos fatores de crescimento é
importante, sendo que a época e a duração do período em que a cultura e as
plantas espontâneas coexistem influenciam na intensidade da interferência
biológica.
Fontes de sementes de plantas espontâneas
O uso de suplementos orgânicos, como o
esterco de gado, pode constituir-se em fonte de plantas invasoras ou
espontâneas, sobretudo quando o esterco de gado não tenha sido tratado
suficientemente antes da sua aplicação no solo. Por exemplo, cerca de 20% das
sementes de ançarinha-branca (Chenopodium album) permaneceram viáveis após
a ingestão e obtenção do estrume curtido de gado. Em 1 kg de esterco foram contadas
42 sementes viáveis. O uso de compostagem pode aliviar esse problema, pois, as
temperaturas normalmente alcançadas durante o processo de compostagem são suficientemente
altas para matar a maioria das sementes (Figura
8). Assim, a perda total da viabilidade das sementes de várias espécies foi
observada após a compostagem do esterco de gado por quatro semanas, alcançando temperaturas
de 55 ºC a 65 ºC. Para alcançar uma redução significativa na viabilidade das
sementes, a temperatura requerida deve ser acima de 46 ºC, sendo o tempo de compostagem
menos importante do que a temperatura requerida.
Foto: Gilmar Henz
Fig. 8. Solarização e coberturas
inertes reduzem a incidência de plantas espontâneas.
Banco de sementes
O banco de sementes do solo (BSS) consiste
na reserva de sementes e propágulos vegetativos presentes na superfície e no
interior do solo, composta das novas sementes produzidas anualmente, bem como das
sementes “velhas” que persistem vivas no solo por vários anos ou mesmo décadas (Figura 9). O banco de sementes no solo
representa um “arquivo de informações” das condições ambientais e das práticas
culturais usadas, sendo também um fator importante da avaliação do potencial de
infestação das plantas invasoras no presente e no futuro. O seu estudo permite
estabelecer as relações quantitativas entre as populações de plantas presentes,
sendo muito importante para os programas de manejo integrado. Práticas inadequadas
de manejo tendem a aumentar o banco de sementes das plantas invasoras no solo
agravando ainda mais o problema em cultivos sucessivos.
Estima-se que somente 1 a 9% das sementes viáveis
produzidas em um determinado ano germinam naquele mesmo ano, ficando, portanto,
a grande maioria das sementes com germinação escalonada nos anos subseqüentes,
dependendo do nível de dormência, da
distribuição no perfil do solo e dos estímulos recebidos para germinar.
O tamanho e a composição botânica do BSS
variam de acordo com os sistemas de cultivos. As sementes de espécies
cultivadas geralmente não são muito competitivas porque apresentam baixa
longevidade e rápida germinação.
A grande diversidade de espécies de
plantas espontâneas que infestam as áreas de cultivos de hortaliças está
normalmente associada a ambientes com distúrbios constantes.
Isto ocorre devido principalmente às suas características
biológicas e reprodutivas que promovem elevada produção de sementes, eficiente
dispersão de algumas espécies, dormência e longevidade das sementes e
sobrevivência das plantas. Estas características, aliadas às peculiaridades do manejo
realizado, normalmente, contribuem na geração de grandes bancos de sementes no solo,
o que garante o potencial regenerativo de várias espécies. Assim, o BSS
constitui–se na principal fonte das plantas espontâneas que ocorrem nos
sistemas agroecológicos.
Vários autores relataram que a rotação de culturas
e o uso de adubos verdes reduzem o tamanho do banco de sementes no solo. As seqüências
de cultivos propiciam diferentes modelos de
competição, alelopatia e distúrbios do solo, com variação da pressão de seleção
para plantas invasoras específicas. Isto se deve ao fato de que cada cultura
apresenta uma gama de plantas ‘associadas’ variando normalmente com a
localização geográfica. O uso de adubos orgânicos e a água de irrigação podem
constituir em fonte de introdução sementes ou propágulos vegetativos de plantas
na área cultivada.
Foto: Ronessa
Souza
Fig. 9. A compostagem reduz a
viabilidade das sementes presentes nos estercos.
Foto: Gilmar Henz
Fig. 10. O ‘Banco de Sementes no Solo
(BSS)’ é a reserva de sementes e propágulos vegetativos das plantas na
superfície e no interior do solo.
Foto: Gilmar Henz
Fig. 11. Técnica corrente na agricultura
convencional, o uso de herbicidas e dessecantes é expressamente proibido na
agricultura orgânica.
Manejo da vegetação
espontânea no cultivo orgânico
Em conformidade com a Instrução
Normativa nº 007 do MAPA, de 17 de maio de 1999, o manejo das plantas invasoras deverá ser realizado mediante a adoção de
uma ou mais das seguintes técnicas:
• emprego de cobertura vegetal, viva ou morta, no solo;
• meios mecânicos de controle;
• rotação de culturas;
• alelopatia;
• controle biológico;
• cobertura inerte, que não cause contaminação e poluição, a critério da
certificadora;
• solarização;
• sementes e mudas isentas de plantas invasoras.
Circular Técnica, 62
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(2008): 1000 exemplares
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