Em vez de arar, gradear e revolver bem a terra, apenas plantar deixando os restos da cultura anterior sobre o solo. A proposta é exatamente inversa ao preparo convencional: manter o solo intacto e protegido por uma generosa camada de palha. Essa mudança de atitude, que no início pareceu um tanto estranha para os agricultores acostumados movimentar a terra antes de plantar, se espalhou pelas lavouras em Santa Catarina e Brasil afora. E a expansão tem um bom motivo: se antes estavam desconfiados, agora os agricultores veem na prática que é possível melhorar a rentabilidade e, ao mesmo tempo, conservar a terra.
Nesse sistema, a semente ou a muda é colocada diretamente no solo não revolvido, sem preparo prévio, usando máquinas especiais. “É aberto apenas um pequeno sulco ou uma cova com profundidade e largura suficientes para garantir o contato da semente ou muda com o solo. Não mais de 25% a 30% da superfície são preparados”, explica o engenheiro-agrônomo Milton da Veiga, da Epagri/Estação Experimental de Campos Novos.
Há duas formas principais de fazer o plantio direto. Na mais comum, as semeadoras-adubadoras são adaptadas com discos para cortar a palhada e um dispositivo para sulcar o solo e, dessa forma, efetuam a adubação de base e o plantio numa só operação. Também é comum, em pequenas áreas, o plantio direto com plantadora-adubadora manual adaptada com bico fino. De qualquer forma, a faixa de terra entre as linhas de plantio fica coberta com a vegetação dessecada.
Essa camada de restos de plantas tem diversas vantagens. A principal é proteger o solo da erosão, impedindo o carregamento de terra e nutrientes para fora da lavoura. “Ela forma uma barreira que protege o solo do impacto das gotas de chuva, facilita a infiltração da água e reduz o escoamento superficial”, explica Milton.
A cobertura é capaz de reduzir as perdas de solo provocadas pela erosão em mais de 90% em relação ao preparo convencional. Esse benefício vai além das propriedades agrícolas e evita uma série de problemas ecológicos. A água da chuva escorre para fora das lavouras em menor quantidade e é mais limpa, o que reduz a poluição e o assoreamento dos rios.
Mais água
Se chove pouco, o plantio direto também é vantajoso, pois a camada de palha diminui a evaporação da umidade e melhora a capacidade do solo de armazenar água. Em relação ao sistema convencional, a perda de água é pelo menos 70% menor. “Essa situação reduz os impactos que os períodos de estiagem causam às plantas, além de permitir melhor germinação e emergência mais uniforme das sementes”, detalha o agrônomo.
Com mais água no solo, o período para plantar aumenta: é possível fazer a semeadura de 6 a 12 dias após uma chuva, enquanto no sistema convencional o prazo é de 3 a 6 dias. “O agricultor tem mais flexibilidade para implantar a lavoura na época mais propícia ou ampliar o período de efetivo plantio e, com isso, cultivar uma área maior com os recursos que tiver disponíveis”, diz Milton.
Solo fértil
As culturas encontram um ambiente muito mais favorável para se desenvolver. Os resíduos vegetais são capazes de aumentar a quantidade de matéria orgânica no solo em cerca de 500kg por hectare a cada ano. Esse material se decompõe lentamente, melhorando o processo de reciclagem dos nutrientes e mantendo alto o nível de atividade biológica do solo. No longo prazo, a fertilidade aumenta.
Para o agricultor, isso permite, safra após safra, economizar em corretivos e fertilizantes, já que também não é mais preciso compensar as perdas de nutrientes por erosão. A economia de adubo fosfatado, por exemplo, pode chegar a 50%. “Diagnósticos da fertilidade do solo realizados em todo o Estado têm mostrado que as características químicas são melhores nas regiões onde o plantio direto é adotado com mais intensidade, principalmente no que diz respeito ao percentual de amostras com maiores teores de matéria orgânica, fósforo e potássio”, revela Milton.
Evolução
A história do plantio direto já tem seis décadas. Foi nos Estados Unidos e no Canadá que surgiram os primeiros estudos sobre formas de preparo do solo que reduzissem a erosão. No iní-cio, a dificuldade para controlar plantas invasoras prejudicou a evolução das técnicas. Mas nas décadas seguintes, o desenvolvimento de herbicidas e máquinas que permitiam plantar com a presença dos resíduos vegetais tornaram os sistemas conservacionistas mais promissores, e o interesse por eles se difundiu pelo mundo.
No Brasil, no início da adoção do plantio direto, os custos de produção eram superiores aos do sistema convencional. Isso porque os gastos com herbicidas para dessecar as plantas daninhas ou de cobertura ainda não eram compensados pela redução de custos no preparo do solo. Além disso, a ausência de informações técnicas e a falta de equipamentos adequados levaram a uma baixa adoção nas décadas de 1970 e 1980. Também era difícil para os agricultores mudar completamente a forma de cuidar do solo.
Na década seguinte, a área cultivada cresceu exponencialmente. Com semeadoras adaptadas e herbicidas mais baratos, a expansão começou no Sul e se espalhou pelas demais regiões. “O desenvolvimento tecnológico do sistema e a capacitação de técnicos e produtores aliados aos menores custos de condução da lavoura e à falta de recursos para financiamentos foram decisivos para a expansão”, conta Milton da Veiga.
Em Santa Catarina, o maior impulso aconteceu entre 1995 e 1999, quando a Epagri desenvolveu o Projeto de Recuperação, Conservação e Manejo dos Recursos Naturais em Microbacias Hidrográficas (Microbacias), cuja ênfase foi a adoção de práticas de manejo conservacionista do solo. Desde aquela época, a Empresa e seus parceiros desenvolvem e difundem o plantio direto no Estado, principalmente junto aos agricultores familiares, o que contribuiu para expandir rapidamente a área de adoção. Entre 1993/94 e 1998/99, a área manejada dessa forma cresceu quase 48% ao ano, saltando de 120 mil hectares para cerca de 880 mil hectares.
Menos trabalho
A cada safra, o sistema foi se tornando mais vantajoso para os agricultores. Como no plantio direto as operações de preparo do solo não são realizadas, o custo de produção e o trabalho nas lavouras são reduzidos. “Há economia de tempo, mão de obra, combustíveis e uso de máquinas tanto na implantação quanto na condução da lavoura”, diz Milton da Veiga, que estima uma redução de aproximadamente 40 L/ha/ano no consumo de óleo diesel em relação ao manejo convencional.
Facilitando o trabalho, a tecnologia humanizou as tarefas agrícolas e melhorou a autoestima dos agricultores. Além disso, permitiu às famílias cultivar áreas maiores e até iniciar outras atividades, como implantar pastagens em áreas menos aptas para o cultivo de grãos. “Isso se refletiu sobre a redução do êxodo do campo para as cidades e das cidades menores para as maiores”, avalia o pesquisador. A redução da mão de obra é uma das transformações mais visíveis nas lavouras de soja, milho, feijão e trigo que Tania Manfrói Cassiano cultiva com o pai e os irmãos em Campos Novos, SC. “O plantio direto permitiu aumentar nossa área de produção com o mesmo maquinário e a mesma mão de obra”, destaca a produtora.
Já faz 12 anos que eles praticam o plantio direto. “No início foi difícil por causa do maquinário, que não era adaptado, mas a gente foi conseguindo aos poucos”, conta. Agora, com o sistema consolidado, Tania colhe os resultados. “Melhorou tudo: a qualidade física do solo, a umidade, a fertilidade e o controle de plantas invasoras”, explica. Com tantos benefícios, a produtividade também cresceu. Se antes a lavoura de soja dava 40 a 44 sacas de soja por hectare, agora são 52 a 54 sacas na mesma área.
Economia
O sistema de plantio direto já ocupa mais de 1 milhão de hectares das lavouras utilizadas para a produção de grãos em Santa Catarina. Esse manejo é praticado em cerca de 100% da área cultivada com soja, 90% da área com trigo e 80% da área com milho e feijão no Estado. O benefício alcança agricultores com qualquer escala de produção e atinge os maiores índices de adoção entre o Planalto e o Extremo Oeste. No Brasil, segundo a Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação (FEBRAPDP), a área manejada com plantio direto em 2012/13 ultrapassou 35 milhões de hectares.
De acordo com cálculos da Epagri, o sistema gera uma economia média de R$390,00 para cada hectare plantado com grãos em Santa Catarina. Considerando toda a área de adoção do Sistema de Plantio Direto de Grãos (SPDG) no Estado, a economia em horas-máquina foi de R$72 milhões no ano agrícola 2011/12.
Além de reduzir o custo de produção, a substituição do preparo convencional do solo pelo plantio direto elevou a produtividade em diversas culturas. Nas lavouras catarinenses de grãos que adotaram a tecnologia, estima-se um crescimento médio de aproximadamente 10% no rendimento. Na safra de 2010/11, isso significou um acréscimo de R$247 milhões na renda bruta da produção de grãos do Estado.
Outro benefício econômico é a estabilidade da produção. “A necessidade de replantio é menor, assim como a variação anual nos índices de produtividade das culturas. Esses aspectos são fundamentais para manter a sustentabilidade econômica nas propriedades”, aponta o pesquisador Milton da Veiga.
Implantação
O sistema é adequado para grandes e pequenas lavouras. Mas para ter bons resultados, é preciso contar com implementos apropriados, herbicidas de baixo custo e baixa toxicidade, além de conhecimento técnico sobre a adequação do plantio direto para a propriedade. Não há um desembolso efetivo para implantar o sistema, pois todas as semeadeiras disponíveis no mercado são adaptadas ao plantio direto. “Se o agricultor tem a semeadeira adequada, a margem de lucro líquido é maior do que no manejo convencional desde o primeiro ano em função da redução do custo com combustível e do aumento da produtividade das culturas”, explica Milton.
Mas antes de implantar o sistema, é preciso tomar alguns cuidados. O solo não pode ser úmido ou mal drenado, a não ser para culturas específicas, como o arroz. Solos ácidos devem ser corrigidos com calcário e deve-se assegurar que haja nutrientes suficientes para o desenvolvimento das plantas. Além disso, as espécies daninhas precisam ser controladas.
A cobertura do solo por resíduos vegetais deve ser de, no mínimo, 60% da superfície. Para isso, são necessárias 3 a 4 toneladas de massa seca por hectare. “A camada adequada pode ser obtida pela rotação de culturas apropriadas e pela adubação verde de inverno com espécies produtoras de massa vegetal abundante”, explica Milton.
Culturas como o milho produzem grande quantidade de resíduos, que podem ser acamados com rolo-faca, roçadeira ou grade. “No caso de culturas que produzem pouco ou nenhum resíduo, como feijão e cebola, deve-se escolher como cobertura de inverno uma espécie com maior persistência da palha, característica apresentada pelas gramíneas, como aveia-preta, centeio, triticale e azevém”, recomenda.
Plantas do bem
Os adubos verdes são verdadeiros guardiões do solo, pois “preparam o terreno” para que as culturas conduzidas na sequência tenham desempenho melhor. Essas plantas protegem o solo contra chuvas fortes, o sol e o vento durante a entressafra e fornecem um grande aporte de massa vegetal capaz de elevar o teor de matéria orgânica ao longo dos anos. Além disso, ajudam a reduzir a população de plantas daninhas.
O sistema radicular bem desenvolvido de muitas espécies traz os nutrientes das camadas profundas para a superfície do solo – eles se acumulam na palhada e tornam-se novamente disponíveis para as culturas comerciais. As raízes ainda rompem camadas adensadas, promovendo a aeração e estruturação do solo.
As espécies leguminosas também têm a capacidade de fixar o nitrogênio do ar em sua fitomassa, o que pode representar uma economia importante na adubação das culturas e melhorar o balanço desse nutriente no solo. A quantidade de nitrogênio fixado pode chegar a 200kg/ha/ano no caso da ervilhaca, por exemplo.
Os adubos verdes podem ser implantados no período de primavera-verão, usando leguminosas como mucuna, guandu e crotalária; no outono-inverno, com aveia-preta, ervilhaca e nabo--forrageiro; na entrelinha das culturas comerciais, como no caso da mucuna intercalar-se ao milho, ou de forma perene, para recuperar áreas degradadas ou que não estejam em cultivo. Espécies como guandu, leucena e tefrósia, que têm raízes profundas e produzem bastante massa vegetal, ajudam a recuperar o solo e ainda podem alimentar os animais.
Antes do plantio das culturas comerciais, os adubos verdes podem ser cortados com rolo-faca, roçadeira ou grade fechada, ou ainda dessecados com herbicidas, cujo uso deve ser evitado sempre que for possível. Quando a palhada tem crescimento ereto, como no caso da aveia e do azevém, o plantio pode ser feito sem acamamento.
Melhor solução
O agricultor e engenheiro-agrônomo Hilário Daniel Cassiano, de 65 anos, conheceu o sistema de plantio direto no Paraná ainda na década de 1980 e começou a adaptar a tecnologia na própria fazenda, em Campos Novos. “Trabalhávamos com o preparo convencional e, em 1983, perdemos metade da produção com uma enxurrada. Aí surgiu a ideia de iniciar o plantio direto. No Paraná o sistema tinha bons resultados e a gente tinha certeza de que essa era a solução”, lembra.
E era mesmo. Décadas depois da mudança,
praticamente não há erosão nas lavouras. O controle de plantas daninhas ficou
muito mais eficiente e a fertilidade do solo melhorou: aumentou o teor de
fósforo, potássio e matéria orgânica. “Agora o solo segura mais a umidade. No
ano passado tivemos uma estiagem grande após o plantio de soja, com 60 dias sem
chuva e, mesmo assim, colhemos 54 sacas por hectare”, conta.
Todos esses benefícios se refletem na hora
da colheita. Hoje a produção de milho varia entre 150 e 160 sacas por hectare,
a de soja alcança mais de 50 sacas e a de trigo chega a 60 sacas. Além disso, o
custo de produção caiu em pelo menos 30%, e a área de cultivo, que era de
200ha, dobrou. “Essa é a melhor tecnologia que já surgiu para os produtores
rurais, para manter as famílias do campo na atividade”, conclui o produtor.
Menos CO2 na atmosfera
O plantio direto contribui para reduzir o efeito estufa. Com menos gastos de combustíveis no maquinário, as emissões de CO2 diminuem. E o aumento no teor de matéria orgânica do solo promove o sequestro de carbono. Por isso, o sistema é uma das práticas financiadas pelo programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC), do Governo Federal. De acordo com Caio Rocha, secretário de desenvolvimento agropecuário e cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o uso da técnica nas lavouras tem se ampliado a partir das condições facilitadas de crédito oferecidas pelo programa. “É fundamental o fomento dessa prática nos campos brasileiros porque, além de ganhos produtivos, há os ambientais: em apenas uma década, esse sistema pode reduzir a emissão de CO2 equivalentes a até 20 milhões de toneladas”, explica.
Boa colheita com as hortaliças
O Sistema de Plantio Direto de Hortaliças (SPDH), desenvolvido pela Epagri com apoio de instituições parceiras, é um caminho que muitos olericultores vêm adotando para produzir alimentos de forma mais barata e com menos insumos químicos. Apenas em 2012, o SPDH proporcionou uma economia de R$7 milhões para os produtores catarinenses nos cultivos de tomate, cebola, chuchu e mandioquinha-salsa.
As pesquisas iniciaram em 1998 e, três anos depois, as primeiras lavouras de estudo foram implantadas. “O objetivo era buscar uma forma de transição da agricultura convencional para um sistema sustentável que produzisse alimentos limpos e diminuísse os impactos ambientais e o custo de produção”, diz o extensionista Jamil Abdalla Fayad, da Epagri/Gerência Regional de Florianópolis.
O SPDH é baseado em fundamentos como rotação de culturas, revolvimento do solo restrito à linha de plantio, manutenção de resíduos vegetais no solo, produção de biomassa superior a 10t/ha, redução até a eliminação do uso de agrotóxicos e adubos altamente solúveis, promoção da saúde e do conforto da planta e evolução do plantio direto na palha para o plantio direto no verde.
As tecnologias são geradas e adaptadas nas estações experimentais da Epagri e em lavouras de estudos instaladas nas propriedades. Esse conhecimento vem sendo disseminado em Santa Catarina há 16 anos por meio de cursos, dias de campo, palestras e visitas a técnicos e agricultores.
Na cadeia produtiva do tomate, o sistema já ajudou a reduzir 70% do uso do trator, 60% do uso de fungicida, 100% do uso de herbicida e 60% do uso de adubos químicos. Estima-se que os impactos diretos e indiretos tenham atingido pelo menos 30% da área cultivada com tomate no Estado, reduzindo o custo de produção de R$12 para R$8 por caixa.
No cultivo de cebola houve diminuição em mais de 70% do trabalho com trator, 60% do uso de adubo químico e mais de 40% de fungicidas. Além disso, o tempo de armazenagem do bulbo aumentou em cerca de 60 dias. De acordo com estimativas da Epagri, os impactos desse sistema atingem mais de 25% da área cultivada com cebola no Estado, fazendo o custo do quilo cair de R$0,39 para R$0,24.