Uma planta bem alimentada e manejada considerando todas as suas necessidades, é mais resistente às pragas e doenças. Por isso, pode-se trocar o nome de "pragas e doenças" para "indicadores de mau manejo". A ocorrência de insetos, ácaros, nematóides, fungos, bactérias e de vírus são a conseqüência e não a causa do problema.
Através da teoria da trofobiose (trofo=alimento e biose= existência de vida) aprende-se que: todo e qualquer ser vivo só sobrevive se houver alimento adequado disponível para ele . Em outras palavras, a planta ou a parte da planta cultivada só será atacada por insetos e doenças quando houver na seiva, exatamente o alimento que eles precisam. Esse alimento é constituído, principalmente, por aminoácidos, açúcares redutores, esteróis, vitaminas e outras substâncias simples livres e solúveis. Os insetos e os fungos possuem poucas enzimas e essas apenas conseguem digerir substâncias simples presentes na seiva da planta. Para que a planta tenha uma quantidade maior de aminoácidos (substâncias simples), basta tratá-la de maneira errada: adubações desequilibradas com substâncias de alta solubilidade, aplicações de agrotóxicos, estresses e outros.
Na agricultura orgânica, as plantas espontâneas, as pragas e as doenças surgem como um sinal de desequilíbrio que são as verdadeiras causas dos problemas. O controle dos efeitos, mesmo com métodos naturais, causa desarmonia, pois, além de exterminar as pragas, elimina também seu inimigos naturais e outros insetos benéficos (abelha, mamangaba ou mamangava, minhocas, entre outros). Por isso, em agricultura orgânica, trata-se as causas para que os resultados sejam os mais duradouros e equilibrados possíveis.
. Manejo das principais doenças, pragas e plantas espontâneas
Para manejo de doenças, pragas e plantas espontâneas recomenda-se diversas práticas descritas a seguir.
. Práticas preventivas
A prevenção é a maneira mais fácil de se manejar as doenças, as pragas e as plantas espontâneas que ocorrem na horta, pois prevenir é melhor que remediar. Dentre essas, destacam-se:
-escolha correta do local para a horta - a área deve ser bem drenada e ensolarada, pois os raios solares auxiliam no manejo de doenças e pragas;
-correção e adubação correta do solo, pois as plantas bem nutridas são mais resistentes. Preferencialmente, deve-se usar adubação orgânica, pois além de fornecer nutrientes, melhora o solo;
-uso de variedades resistentes às doenças (Figura 1) e às pragas, semeadas/plantadas na época correta;
-utilizar sistema de semeadura/plantio adequado; usar espaçamentos maiores para espécies com muitos problemas de doenças e pragas como o tomate, empregando o tutoramento vertical, sempre no sentido norte-sul;
-eliminação e destruição (enterrando ou fazendo compostagem) de restos de culturas e plantas espontâneas, pois essas podem ser hospedeiras de doenças e pragas, aumentando a sua incidência na próxima safra;
-irrigação sem excessos;
-em áreas ainda não infestadas de plantas espontâneas fazer o manejo preventivo cuidando para não deixar sementar, arrancando-as inteiras e retirando-as da área. Evitar a incorporação de esterco não curtido, pois dissemina inços através de sementes;
-fazer rotação e consorciação de culturas (Figura 2);
-o uso de abrigos e cobertura morta, além de proteger as plantas das adversidades do clima (chuvas torrenciais, temperaturas elevadas e frio), desfavorece o aparecimento de pragas e doenças;
-a cobertura do solo ao reduzir o contraste entre a cor verde da planta e a cor do solo (palha seca, casca de arroz e serragem) diminui a incidência de pulgões.
Figura 1. A escolha de variedades resistentes às doenças da folhagem é uma maneira de prevenir a ocorrência de doenças em batata. Na foto, a variedade de batata SCS 365 – Cota (à esquerda) lançada pela Epagri em 2008 para o cultivo orgânico, na Estação Experimental de Urussanga, é muito mais resistente ao sapeco da folhagem (requeima) quando comparada com a variedade Ágata (à direita), totalmente destruída, apesar de ser a mais cultivada no Brasil.
Figura 2. Rotação de culturas com milho-verde (gramínea) consorciado com mucuna (leguminosa) reduz doenças e pragas, inibe a presença de plantas espontâneas (ex.: tiririca, picão preto e branco, capim carrapicho e capim paulista), protege o solo contra a erosão, melhora a fertilidade do solo e, ainda recicla nutrientes devido ao sistema radicular profundo da mucuna
. Controle mecânico
Consiste na destruição de focos de doenças, pragas e plantas espontâneas através de meios mecânicos e algumas práticas culturais. Dentre essas destacam-se:
-eliminar e destruir (enterrio ou uso em compostagem) através de visita diária a horta, plantas doentes (ramos, folhas e frutos doentes) e/ou atacadas por pragas, evitando-se a disseminação rápida de doenças e pragas;
-catação manual e destruição de larvas, insetos adultos e ovos depositados nas folhas. A lagarta rosca se esconde no solo durante o dia, próximo à planta cortada; para encontrá-la e destruí-la basta cavar o solo ao redor da planta cortada à cerca de 10 cm de profundidade;
-através da irrigação, utilizando-se jatos fortes de água, pode-se reduzir a ocorrência de pulgões, ácaros, tripes e lagartas do cartucho do milho, pragas que aparecem mais em condições de estiagem;
-a colocação de sacos de aniagem, umedecidos com leite, entre os caminhos da horta, no final do dia, atrai lesmas e caracóis. Deve-se fazer o recolhimento pela manhã, combatendo-os com cal virgem ou sal. A aplicação de cal virgem em faixas ao redor dos canteiros é outra opção de manejo (Figura 3);
-destruição de plantas espontâneas – capinas superficiais de algumas plantas espontâneas como a tiririca ou junça e grama seda tem pouco efeito. Em áreas pequenas, deve-se arrancar as plantas inteiras, usando-se ferramentas apropriadas;
-manejo das plantas espontâneas pela alelopatia – alelopatia é a influência benéfica ou prejudicial de uma planta sobre outra. Certas plantas produzem substâncias denominadas de aleloquímicos e são lançados no solo ou no ar que podem interferir na germinação, crescimento e no desenvolvimento da planta afetada. A mucuna, utilizada como adubo verde e também em sistemas de rotação de culturas, é um exemplo de planta cultivada que afeta várias plantas espontâneas. O feijão de porco (Figura 4), a exemplo da mucuna, também utilizado como adubo verde, é outro exemplo de planta cultivada que afeta a tiririca. A palha de aveia-preta prejudica o desenvolvimento do papuã (capim doce, capim marmelada) e do milhã (capim pé-de-galinha). O nabo forrageiro inibe o capim papuã. O sufocamento das plantas espontâneas através de cobertura mortas sobre o solo ou mesmo adubação verde, dificultando a emergência das mesmas, é uma prática eficiente.
-manejo de plantas espontâneas em canteiros com folhas de papel - após o preparo do canteiro, cobre-se o mesmo com jornal (1 folha apenas) ou papel pardo em toda a extensão e sobre esta aplica-se 1 a 2cm de composto orgânico peneirado. Faz-se a semeadura a lanço ou no sulco e cobre-se as sementes com 1 a 2cm de composto peneirado em malha grossa ou uma camada de 1 a 1,5cm de serragem ou ainda casca de arroz. Recomenda-se este sistema especialmente para as culturas que possuem sementes pequenas e germinação mais demorada, como a cenoura e salsa, e que são semeadas diretamente no canteiro, com objetivo de atrasar a emergência das plantas espontâneas na fase mais crítica (até 25 a 30 dias após a semeadura).
Figura 3. Controle de lesmas com cal virgem(Foto: José Maria Milanez)
Figura 4. Feijão de porco, além de melhorar a fertilidade do solo, é uma opção de manejo da tiririca através da alelopatia
. Cultivo protegido
- Ensacamento de frutos: os frutos de tomate são atacados por brocas (grande e pequena) e traças, depreciando-os comercialmente. O ensacamento dos frutos surge como alternativa (Figura 5). As inflorescências são ensacadas quando apresentam em torno de seis flores. As embalagens podem ser de papel glassine opaco e impermeável, de polipropileno perfurado e de TNT (tecido-não-tecido) encontradas em lojas comerciais.
Figura 5. Ensacamento de pencas de tomate com sacos de TNT para proteger os frutos das brocas, traças e outros insetos e, das adversidades climáticas
. Manejo cultural
Consiste no manejo de pragas, doenças e plantas espontâneas através do cultivo de outras espécies que as atraem ou repelem.
-Broca das cucurbitáceas e vaquinha - o cultivo de abobrinha caserta - abobrinha de moita (Figura 6) atrai estas pragas, devendo-se tomar o cuidado de eliminá-la quando muito atacada pela broca para não haver disseminação. O porongo verde (planta trepadeira com folhas parecidas com as de abóbora), cortado ao meio, e a raiz de tajujá ou tayuyá (planta trepadeira com folhas parecidas com melancia), cortada em fatias (10cm), espalhadas na horta também atraem a vaquinha. A seiva ou o líquido existente na raiz do tajujá atrai a vaquinha, fazendo com que não ataquem a planta cultivada. Tanto no caso do porongo como na raiz de tajujá, usadas como iscas, deve-se renová-las regularmente;
-Borboleta da couve - a hortelã e o alecrim repele a borboleta da couve que põe os ovos dando origem às lagartas que comem as folhas;
-Insetos e nematóides - o cravo-de-defunto ou tagetes, devido às suas glândulas aromáticas, repele muitos insetos e mantém o solo livre de nematóides;
-Ratos e formigas - a hortelã, quando plantada na bordadura dos canteiros e em volta da casa e/ou paióis, repele essas pragas. Um bom método natural para espantar as formigas é espalhar sementes de gergelim em torno dos canteiros. Para as formigas cortadeiras recomenda-se cortar e distribuir folhas de gergelim em locais de passagem das mesmas, próximos aos olheiros do formigueiro; as formigas carregam as folhas para o formigueiro e intoxicam os fungos que servem de alimento para elas. Em quatro a cinco dias cessam suas atividades;
-Insetos em geral - alho, manjerona, camomila e mal-me-quer plantados no meio da horta inibem a presença de insetos;
-Moscas brancas – o uso de plantas repelentes como tagetes ou cravo-de-defunto, hortelã e arruda, quando o ataque é pequeno, tem boa eficiência;
-Plantas espontâneas - o feijão de porco, a aveia-preta e a mucuna diminuem a presença de plantas espontâneas que ocorrem na horta.
Figura 6. Abobrinha italiana (cv. caserta) atrai a broca das cucurbitáceas e vaquinha
-Plantas de cobertura do solo – são espécies que exercem importante papel na conservação do solo, no suprimento de nutrientes como nitrogênio, fósforo e potássio, no equilíbrio das propriedades do solo e no manejo de plantas espontâneas. As plantas das espécies de cobertura (ex.: aveia e mucuna) afetam diretamente a emergência das sementes e o crescimento das plantas espontâneas, podendo, quando a cobertura do solo estiver acima de 90%, reduzir o número de plantas espontâneas em até 75%.
. Manejo de pragas com auxílio dos inimigos naturais
Os inimigos naturais são insetos, fungos, bactérias, vírus, nematóides, répteis, aves e mamíferos pequenos. Os animais que comem insetos na forma larval e adulta, não são poucos.
Todas as pragas das culturas têm seus inimigos naturais que as devoram ou destroem. Daí a importância de diversificar os cultivos (rotação, sucessão e consorciação de culturas) e preservar refúgios naturais como matas, cercas vivas e capoeiras para manter a diversidade natural da fauna (ácaros predadores, aranhas, insetos, anfíbios, répteis, aves e mamíferos). Todos fazem parte do grande conjunto natural e cada um contribui para manutenção do equilíbrio na natureza.
Entre as espécies de plantas que servem de refúgio dos inimigos naturais, destacam-se: o menstrato (Ageratum conyzoides), a beldroega (Portulaca oleracea), o caruru (Amaranthus viridis), o nabo forrageiro (Raphanus raphanistrum) e o sorgo granífero (Sorghum bicolor). No caso do sorgo, suas panículas em flor favorecem o abrigo e a reprodução de insetos como percevejo Orius insidiosus que é predador de lagartas, ácaros e tripes da cebola. Há no entanto, plantas que são desfavoráveis à preservação e ao aumento de inimigos naturais das pragas, como: mamona, capim, grama seda, capim amargoso, guanxuma, tiririca, picão branco e carrapicho carneiro.
Entre os insetos, os inimigos naturais mais conhecidos são as joaninhas (Figura 7) e as vespinhas que parasitam especialmente pulgões, cochonilhas e lagartas.
Figura 7 . Joaninha: inimigo natural de pulgões
Outros exemplos de inimigos naturais e os principais depredados ou destruídos são:
. percevejos - lagartas e seus ovos;. moscas - lagartas, seus ovos e outras pragas;. coleópteros : lagartas e percevejos;. louva-a-Deus, joaninha e vespinhas - pulgões;. peixes – larvas de pernilongos;. fungos – larvas e nematóides;. garças – moluscos e insetos;. pica-pau – insetos;. tamanduá – formigas e cupins;
. outros animais que se alimentam de insetos – galinha d'angola, morcegos, lagartas, sapos, rãs, tatus e pássaros (andorinhas, anus, bem-te-vis, corruíras, beija-flor, e tesouras).
. Manejo de pragas pela eliminação de hospedeiros naturais
Muitas pragas são facilmente controladas desde que se elimine nas redondezas da culturas, as plantas que são seus hospedeiros naturais. Esses hospedeiros mantém e multiplicam as pragas durante todo o ano, mantendo o seu ciclo de vida. Uma vez eliminados os hospedeiros naturais, seu ciclo é quebrado e as pragas desaparecem. É o princípio de "matar o inseto-praga de fome".
. Controle biológico
Toda a praga possui inimigos naturais que dela se alimentam. O controle biológico usa inimigos naturais que possam causar a mortalidade da praga, ao ponto de controlá-la, e que possam, ao mesmo tempo ser manipulados pelo homem. Como exemplo pode ser citada a bactéria Bacillus thuringiensis que atua sobre várias larvas e lagartas, especialmente a broca das cucurbitáceas, a broca do fruto do abacaxi, a lagarta do maracujá, a broca grande, a broca pequena e a traça do tomateiro, o curuquerê da couve, a traça das crucíferas e a broca-das-figueiras. As bactérias atuam como "veneno estomacal" para as lagartas, inicialmente deixando de se alimentar para posteriormente morrerem. Entre os produtos vendidos comercialmente nas lojas agropecuárias, destaca-se o dipel.
. Manejo de pragas e doenças com "inseticidas" e "fungicidas" caseiros
Um dos princípios básicos da produção agroecológica de alimentos é a não dependência de insumos externos que, na sua grande maioria, são importados e custam caro. Daí a importância dos preparados caseiros à base de plantas, facilmente elaborados na propriedade.
É importante ressaltar, no entanto, que plantas saudáveis produzidas em ambientes equilibrados, normalmente são menos atacadas por pragas e doenças. Por isso, recomenda-se utilizar esses produtos naturais, somente quando realmente for necessário. A maior parte das pragas ataca geralmente na primavera, estação do ano de fertilidade e de grande atividade na natureza. Elas causam vários danos nas plantas, além de favorecerem o surgimento de doenças, principalmente as fúngicas.
Em matérias antigas já postadas neste blog em 13 e 22/12/2010, estão descritos os diversos produtos alternativos que podem serem preparados na propriedade.
Figura 8. Cavalinha-do-campo e urtiga: plantas medicinais utilizadas para a nutrição de plantas e que estimulam a resistência às doenças e pragas
Figura 9. Camomila: planta medicinal usada no manejo de doenças fúngicas
Figura 10. Buganville, primavera ou maravilha: planta ornamental utilizada para o manejo do vírus vira-cabeça em tomateiro