Verdade: em agricultura orgânica, as plantas espontâneas ("mato") não são problemas, são solução!
Na agricultura orgânica, o "mato" ou "inços" são chamados de plantas espontâneas: são espécies que germinam na área de cultivo, podendo ser espécies nativas (surgem naturalmente na região) ou exóticas (introduzidas na região) já estabelecidas ou são indicadoras de algum problema no solo. Quando uma planta se torna agressiva ("invasora" ou "inço") e domina uma área, o problema não está na planta, mas no solo e/ou no ambiente que o envolve. As plantas espontâneas estão adaptadas ao seu ambiente, sendo portanto, indicadoras das condições químicas ou físicas do solo, indicando também o manejo que está sendo praticado. Para que uma espécie de planta não domine a área cultivada, primeiro é preciso resolver os problemas existentes no solo. A seguir alguns exemplos de plantas indicadoras de problemas no solo:
- Picão preto e urtiga – excesso de matéria orgânica
- Carqueja, capim-carrapicho, guanxuma, língua-de-vaca, maria mole e tanchagem – solo compactado
- Samambaia e capim-arroz – solo ácido com alto teor de alumínio
- Barba-de-bode e capim-amargoso – solo com baixa fertilidade
- Capim marmelada ou papuã – solo muito arado e gradeado, com deficiência de zinco
- Nabo – solo com deficiência de boro e manganês
- Tiririca ou junça – solo ácido, com carência de magnésio
- Caraguatá – é frequente em solos onde se praticam queimadas
- Azedinha - solo argiloso, ácido, carência de cálcio e molibdênio
Ao mesmo tempo que uma planta espontânea indica um problema, também ajuda a solucioná-lo. A competição por água e nutrientes exercida pelas plantas espontâneas é uma preocupação para o hemisfério norte, onde a estação de crescimento é fria, única e curta. Nas condições tropicais e subtropicais, clima predominante no Brasil, esta competição é menos problemática do que a falta de cobertura do solo; as plantas espontâneas ajudam a cobrir o solo, reduzindo a erosão e o aquecimento superficial, nossos principais problemas. Ao reduzir a erosão e o aquecimento superficial, contribuem para melhorar a disponibilidade de água e a absorção de nutrientes pelas raízes, as quais paralisam esta atividade quando o solo atinge temperaturas acima de 32 ºC. As plantas espontâneas aumentam a densidade e a diversidade radicular, contribuem para a reciclagem de nutrientes e para melhorar as características físicas, químicas e biológicas do solo. São fontes de biomassa, produzem flores que atraem insetos predadores e podem servir de alimento preferencial para pragas das culturas. Por isso, as plantas espontâneas não merecem ser chamadas de daninhas e sim, ser consideradas, como uma reação da natureza à falta de cobertura do solo. Portanto as plantas espontâneas ("daninhas" ou "mato") são consideradas "amigas" das plantas cultivadas.
Manejo das plantas espontâneas no plantio definitivo de hortaliças
Na agricultura orgânica "o mato" funciona como: cobertura do solo, protegendo-o contra a erosão e chuvas fortes, adubação verde e até como abrigo e alimento de inimigos naturais dos insetos-pragas que atacam as culturas. As principais práticas que são recomendadas no manejo das plantas espontâneas na agricultura orgânica são:
- Práticas de prevenção: evitar a multiplicação das sementes; em áreas muito inçadas preparar o solo com antecedência; utilizar composto orgânico ao invés de esterco de animais (gado); controle manual; rotação e consorciação de culturas;
- Plantas de cobertura (adubos verdes) em rotação, sucessão ou consorciadas com os cultivos e com efeitos alelopáticos: mucuna (favorece o abafamento das plantas espontâneas), feijão de porco (inibe a tiririca), aveia e nabo forrageiro ( inibem o papuã), ervilhaca e outras;
- As plantas espontâneas não devem ser totalmente eliminadas: se entende que ocorre um mecanismo de sucessão natural de espécies numa determinada área e, por isso, a intervenção deverá ser no sentido de auxiliar a natureza para que este processo ocorra ao longo do tempo, para que a população de plantas espontâneas mais "agressivas" seja reduzida a níveis toleráveis, cedendo espaço para as mais "comportadas" e de mais fácil manejo. O crescimento das plantas espontâneas ao redor dos cultivos ou o estabelecimento de áreas ou faixas de vegetação espontâneas fora da área cultivada tem a vantagem de assegurar maior estabilidade do sistema produtivo, reduzindo os problemas com pragas e doenças e aumentando a atividade de inimigos naturais das pragas;
- Roçada das plantas espontâneas: as "plantas espontâneas, podem conviver com os cultivos após o período crítico de competição, especialmente por luz, nos 30 dias após o plantio. Dependendo da espécie cultivada, é possível permitir o crescimento das plantas espontâneas, as quais podem dificultar um pouco a colheita, porém , isto pode ser mais preferível do que controlá-las. Em certos casos, amassar as plantas espontâneas pode ser mais vantajoso do que roçar e roçar mais vantajoso do que capinar. Plantas espontâneas mais persistentes podem ter sua população controlada a níveis toleráveis se permitirmos que outras de ciclo mais longo as abafem;
- Cobertura vegetal viva ou morta, utilizando o cultivo mínimo ou plantio direto : reduz a incidência de plantas espontâneas impedindo a germinação ou abafando.
Figura 1. Cultivo mínimo de brássicas no plantio de outono sobre as plantas espontâneasFigura 2. Feijão-de-porco, além de melhorar a fertilidade do solo,é uma opção de manejo da tiririca através da alelopatiaFigura 3. Cultivo mínimo de aipim sobre adubos verdes de inverno (aveia + ervilhaca)Figura 4. Cultivo mínimo de brássicas sobre adubos verdes de inverno (aveia + ervilhaca)Figura 5. Plantio direto de couve-flor sobre cobertura morta de palha de arrozFigura 6. Cultivo de morangueiro sobre cobertura de serragem
Manejo
de plantas espontâneas em sementeiras (cebola e outras) e no cultivo de cenoura e salsa
Um dos desafios na agricultura orgânica é o manejo das plantas espontâneas em sementeiras e, especialmente, no cultivo de algumas hortaliças como cenoura e salsa, espécies que demoram 10 a 15 dias para a emergência e, por isso, acabam competindo com o "mato" que emerge mais rapidamente. Portanto, o período mais crítico de competição com as plantas espontâneas é quando da emergência das plântulas até os 30 dias subsequentes. Após esse período, as plantas espontâneas não causam maiores problemas, especialmente quando as hortaliças são cultivadas em linhas.
Para retardar as plantas espontâneas, pesquisadores da Epagri/Estação Experimental de Ituporanga descobriram um método eficiente para canteiros, utilizando folhas de papel: após o preparo do canteiro, cobre-se o mesmo com jornal (uma folha apenas) ou papel pardo em toda a extensão e sobre este aplica-se 2cm de composto orgânico peneirado. Faz-se a semeadura a lanço ou no sulco e cobrem-se as sementes com 2cm de composto peneirado. Recomenda-se este sistema especialmente para as culturas que possuem sementes pequenas e germinação mais demorada, como cenoura e salsa, e que são semeadas diretamente no canteiro, com objetivo de atrasar a emergência das plantas espontâneas na fase mais crítica (até 25 a 30 dias após a semeadura). Posteriormente, procede-se a abertura dos sulcos, a semeadura e a cobertura das sementes.
Figura 7.
Preparo do canteiro para semeadura, colocando-se o jornal e posteriormente o composto orgânico
Figura 8.. Manejo de plantas espontâneas no cultivo de cenoura – fase inicial do desenvolvimento (à esquerda com jornal e à direita sem jornal)
Figura 9 .Cultivo de cenoura em canteiros utilizando-se folha de jornal – fase intermediária