Autor: Celso
Marcatto
Fonte: http://www.redeambiente.org.br
O que conhecemos hoje como
agricultura moderna teve sua origem nos séculos XVIII e XIX, em diversas áreas
da Europa, na chamada Primeira Revolução Agrícola Contemporânea. Neste período
ocorreram intensas mudanças, tanto econômica, quanto social e tecnológica.
Estas mudanças desempenharam um papel central no processo de decomposição do
feudalismo e no surgimento do capitalismo (Veiga, 1991). Do ponto de vista
tecnológico, a Primeira Revolução Agrícola caracterizou-se pelo abandono
paulatino do pousio e pela introdução de sistemas rotacionais com leguminosas
e/ou tubérculos. Estas plantas podiam ser utilizadas tanto na adubação do solo,
quanto na alimentação humana e animal (Oliveira Jr., 1989). Com isso, foi
possível intensificar o uso da terra e obter aumentos significativos na
produção agrícola, “eliminando” a escassez crônica de alimentos que
caracterizaram os períodos anteriores (Ehlers, 1996).
O final do século XIX início do
século XX, foi um outro período de intensas transformações na agricultura,
principalmente na Europa e EUA. Uma série de descobertas científicas, aliadas
ao grande desenvolvimento tecnológico (fertilizantes químicos, motores de
combustão interna, melhoramento genético de plantas), acabaram por impor um
novo padrão de desenvolvimento para a agricultura. As mais significativas
mudanças deste período foram: a redução da importância relativa da rotação
de culturas, o progressivo abandono do uso da adubação verde e do esterco na
fertilização, a separação da produção animal da vegetal e, principalmente, a
absorção de algumas etapas do processo de produção agrícola pelas industrias.
Essas mudanças abriram as portas para o desenvolvimento de sistemas mais
intensivos de produção, marcando o início de uma nova etapa na história da
agricultura. Esta nova etapa é chamada Segunda Revolução Agrícola Contemporânea
(Ehlers, 1996).
A partir da Primeira Guerra Mundial,
as indústrias químicas e mecânicas emergentes, intensificaram a produção de
insumos agrícolas. A agricultura passa a depender cada vez menos dos recursos
locais, e cada vez mais dos tratores, colheitadeiras, arados,
agrotóxicos e ração animal produzidos pela indústria. A indústria passa
a transformar produtos provenientes da agricultura, industrializando,
acondicionando e distribuindo uma parte crescente da produção agrícola
(Oliveira Jr., 1989). Ao mesmo tempo, os avanços nos processos de transporte,
armazenamento e conservação de produtos agrícolas, possibilitaram o surgimento
de um mercado internacional “unificado”.
Todas estas transformações, aliadas
às conquistas da pesquisa nas áreas química, mecânica e genética, bem como o
fortelecimento do setor industrial voltado para a agricultura, culminaram, no
final da década de 60, início da década de 70, em um novo processo de
transformação profunda da agricultura mundial, conhecido como Revolução Verde1.
A Revolução Verde
O termo Revolução Verde é usado para
identificar o modelo de modernização da agricultura mundial, baseado no
princípio da intensificação através da especialização (Crouch, 1995). O modelo
tem como eixos: a monocultura e a produção estável de alimentos, principalmente
arroz, trigo e milho. O “pacote tecnológico” da Revolução Verde envolve
tecnologias como: motomecanização, uso de variedades vegetais geneticamente melhoradas
(para obtenção de alto rendimento), fertilizantes de alta solubilidade,
pesticidas, herbicidas e irrigação.
Vários foram os motivos que
contribuíram para a rápida disseminação, a nível mundial, deste modelo de
produção. A Revolução Verde surgiu no
contexto da “Guerra Fria”, em um mundo polarizado entre dois blocos super
poderosos (Butter,1995). Naquela época se entendia que o rápido crescimento
populacional (em termos Malthusianos), aliado a uma distribuição inadequada de
alimentos, eram as principais causas da fome e da instabilidade política no
Terceiro Mundo. A estratégia central da Revolução Verde foi a de lutar contra a
deficiência de alimentos, via aplicação massiva de inovações tecnológicas no
campo. O objetivo era o de maximizar a produtividade agrícola (Conway et al.,
1990).
Por razões políticas, as tecnologias
da Revolução Verde foram vistas como uma ferramenta, para produzir os alimentos
necessários, e assim lutar contra o crescimento das doutrinas de esquerda no
campo. De acordo com Deo et al. (1990).
“..as
nações desenvolvidas e as agências internacionais falsamente imaginaram que a
instabilidade rural poderia ser controlada via o uso da produção de alimentos
como uma nova arma (new food weapon).
Sendo assim, as tecnologias da Revolução Verde poderiam ser utilizadas para:
(1) conter os comunistas que estavam ativos no meio rural, explorando
politicamente a escassez de alimentos; (2) absorver a super produção de
alimentos dos países do norte, estabelecendo novos mercados e fazendo com que
os países em desenvolvimento se tornassem dependentes das importações de
alimentos; e (3) alimentar o contingente de pessoas que estavam migrando para
as regiões urbanas, para trabalhar nas indústrias”.
Muitos dos países desenvolvidos
passam a investir pesadamente nestas tecnologias. A expansão da pesquisa
pública relacionada com as tecnologias da Revolução Verde foi financiada pêlos
governos dos países desenvolvidos e por agências internacionais controladas por
estes governos, como por exemplo: Fundação Ford, Fundação Rockefeller, USAID e
Banco Mundial (Deo et al., 1990; Ehlers, 1995).
Os países em desenvolvimento também
deram importantes contribuições ao processo de expansão do modelo de produção
da Revolução Verde. No Brasil, foram criados os sistemas de assistência técnica
e extensão rural e o sistema de pesquisa agrícola, com seus mais de trinta
Centros Nacionais de Pesquisa. O currículo das universidades de agronomia foi
completamente reformulados (1960), e os professores universitários foram
enviados para treinamento em universidades dos EUA (principalmente). O governo
brasileiro também: criou linhas especiais de crédito rural para permitir a
compra de máquinas, equipamentos e “insumos modernos”; estabeleceu subsídios
especiais para a instalação do emergente setor agro-industrial. Uma parte
importante dos recursos financeiros, materiais e equipamentos necessários foram
fornecidos por agências doadoras do primeiro mundo e por organismos
internacionais.
Foram
implantadas ainda uma série de leis, regulamentos e programas especiais que
passam a favorecer a difusão e consolidação do novo modelo. Este arsenal de
leis e instituições desempenharam um papel fundamental no processo regulador
das relações sociais, administrando os conflitos resultantes das mudanças da
organização técnica e social que o modelo causou (Silva, 1992).
É importante que se registre que a
Revolução Verde foi introduzida no Brasil no período da ditadura militar, como
parte da estratégia de modernização do país. O processo de modernização incluiu
ainda a rápida industrialização, principalmente do Sudeste do país, a
construção da infra-estrutura necessária (estradas, centrais elétricas, portos,
sistemas de comunicação, etc.), e a liberação de parte da mão-de-obra rural
para mover as indústrias da área urbana. O regime militar foi capaz de
“modernizar” o campo brasileiro, sem alterar o elevado grau de concentração de
terras que caracterizava (e caracteriza) a estrutura agrária nacional. Por essa
razão, o processo de modernização levado a cabo no Brasil é conhecido como
“Modernização Conservadora” (Silva, 1992).
Algumas características da
Revolução Verde
A Revolução Verde é baseada em
tecnologias genéricas (fertilizantes químicos, máquinas, equipamentos,
agrotóxicos e poucas espécies de plantas) que podem ser utilizadas em
praticamente todos os lugares do mundo. Isso facilitou seu processo de
difusão/adaptação, tornando possível a adoção quase imediata dessas
tecnologias. O resultado desse processo foi a “homogeneização biológica e
social” da agricultura comercial mundial (Buttel,1995; Goodman et al., 1987).
A Revolução Verde se iniciou em uma
época onde ainda havia livre troca de informações, tanto científicas quanto
sobre processos produtivos, dentro e entre nações, envolvendo os setores
público e privado. Os fatores limitantes da Revolução Verde não estavam relacionados
com a falta de informações ou conhecimentos científicos2,
mas sim aos insumos. Em outras palavras, as informações circulavam livremente,
o que limitava a produção é a presença ou ausência de insumos como:
fertilizantes, pesticidas, sementes, equipamentos de irrigação e aos recursos
financeiros para adquirir estes insumos (Ahmed et al., 1992).
As tecnologias relacionadas com a
Revolução Verde não são escala - neutras. Elas não só exigem uma escala mínima
para tornarem-se economicamente viáveis, como também apresentam ganho de
escala, isso é, quanto maior a quantidade produzida, menores serão os custos
proporcionais de produção. Ao mesmo tempo, são tecnologias muito exigentes em
capital e poupadoras de mão-de-obra. Dependem violentamente de recursos
externos à propriedade, seja do ponto de vista da energia consumida
(basicamente derivados de petróleo e energia elétrica), seja dos equipamentos e
insumos necessários. É um pacote tecnológico desenvolvido para a produção em
larga escala, em grandes monoculturas. (Ahmed et al., 1992; Ehlers, 1995).
Muitas das propriedades rurais no
Brasil tem menos de 100 ha de terras3.
Uma parte importante destas áreas é ocupada pela agricultura familiar. Os
sistemas de produção destes agricultores apresentam características bastante
diferentes (quase opostas) daquelas exigidas pelas tecnologias da Revolução
Verde (também chamadas convencionais). Em geral, estes agricultores utilizam
mão-de-obra familiar, não dispõe de recursos financeiros, alem de terem
dificuldade de acesso a terra, máquinas e equipamentos. Estes agricultores
estão claramente excluídos do processo de “desenvolvimento” (modernização) da
agricultura em curso no país.
No tempo em que o milho híbrido foi
desenvolvido (nos anos 30), e as variedades de trigos e arroz de alto
rendimento apareceram no mercado (década de 60), ainda não existia oposição à
difusão mundial deste tipo de tecnologias (Buttel,1995). O livro Primavera
Silenciosa (“Silent Spring”), de
Raquel Carson, publicado em 1962, foi a primeira crítica aos efeitos ecológicos
da utilização generalizada de insumos químicos/industriais na agricultura. Nos
anos 70, outros autores ampliaram estas críticas, incluindo a questão do
crescimento das desigualdades econômico - sociais como resultado da Revolução
Verde (Kloppenburg, 1991). Estes mesmos autores apontaram ainda outras
consequência da disseminação deste modelo de produção, entre elas: erosão de
solos, contaminação da água por agrotóxicos, eutrofização da água pelo uso de
adubos químicos, aumento no número de pragas e doenças, destruição de habitats
naturais, erosão genética e aumento da instabilidade econômica e social nas
comunidades de agricultores familiares (Crouch,1995; Allen, 1993).
Os
movimentos de oposição ao uso destas tecnologias também surgiram nos anos 70,
no bojo da crítica aos modelos de desenvolvimento industrial e agrícola
mundiais, e dos seus efeitos econômicos, sociais e ecológicos. Iniciou-se um
processo de tomada de consciência de que os problemas relacionados como
poluição atmosférica, chuva ácida, poluição dos oceanos e desertificação, não
respeitam fronteiras. A crise ambiental passa a ser encarada como uma crise
Global.
Neste
período (anos 70), os conceitos: “progresso” e crescimento econômico, começam a
serem questionados/revistos. Algumas correntes de pensamento afirmavam que o
crescimento econômico e os padrões de consumo, nos níveis da época, não eram
compatíveis com os recursos naturais existentes. Uma das idéias centrais era a
de que os seres humanos não só estavam deliberadamente destruindo o meio
ambiente, exterminando espécies vegetais e animais, como também colocando sua
própria espécie em risco de extinção (Ehlers, 1995). Parte destas correntes
buscavam formas de sensibilizar a opinião pública sobre a urgência da discussão
sobre os custos ambientais e sociais do desenvolvimento. Previam a necessidade
de desenvolver-se novas bases para o crescimento econômico; bases compatíveis
com a preservação dos recursos naturais existentes. Dentro deste processo
dinâmico e efervescente de discussão, se esboçou o conceito de
sustentabilidade, como a base teórica para repensar, em termos mais perenes, a
questão do crescimento econômico e do desenvolvimento.
Sustentabilidade
e Agricultura Sustentável
a)
Introdução
Apesar do conceito de
sustentabilidade ser mundialmente conhecido e cada vez mais utilizado, não
existe um real consenso quanto ao seu significado. Sustentabilidade tem
diferentes significados para diferentes pessoas (Keeney, 1990), apesar do termo
ser muitas vezes utilizado como se o consenso em relação ao seu significado de
fato existisse (Redclift, 1993).
A palavra sustentabilidade tem sua
origem do Latim sus-tenere (Ehlers, 1996), que significa suportar ou manter. O conceito de Sustentabilidade,
relacionado com o futuro da humanidade, foi usado pela primeira vez em 1972, no
livro Blueprint for Survival (Kidd,
1992). No final dos anos 70, o termo incorporou dimensões econômicas e sociais,
passando a ser globalmente utilizado (Ehlers,
1996).
De
acordo com Kidd (1992), existem seis diferentes “correntes de pensamento” que
deram origem ao conceito de sustentabilidade. Todas elas envolvem a interação
entre: crescimento populacional, uso de recursos e pressão sobre o meio
ambiente. Fazem parte destas correntes de pensamento: a corrente ecológica, a
da crítica à tecnologia, o eco-desenvolvimento, e as correntes de pensamento
que pregavam o “não crescimento” ou redução do crescimento econômico. Todas
essas linhas de pensamento já se encontravam completamente desenvolvidas antes
do termo sustentabilidade ser primeiramente utilizado em 1972.
A existência de diversas raízes para
o termo sustentabilidade é visto por Kidd como uma das possíveis razões do
porque do conceito não ter uma definição única, clara e mundialmente aceita. (Kidd,
1992).
Em realidade, os distintos
significados para o conceito de sustentabilidade revelam diferentes, muitas
vezes conflitantes, valores, percepções e visões políticas a respeito de como a
agricultura, a indústria, o comércio, deveriam desenvolver-se, e de como os
recursos naturais deveriam ser utilizados. Sustentabilidade é um conceito em
disputa. Sendo assim, a noção de sustentabilidade abriga diferentes, por vezes
opostas, concepções políticas e propostas de desenvolvimento. Desde aquelas que
propõem simples ajustes no presente modelo de desenvolvimento, até aquelas que
demandam mudanças mais radicais/estruturais nos padrões de produção e de
consumo da sociedade como um todo (Ehlers,
1996).
Sustentabilidade, bem como outros
conceitos originários desse (Desenvolvimento Sustentável, Agricultura
Sustentável), devem ser vistos como um conceito complexo e dinâmico, fortemente
dependentes dos contextos no qual são aplicados (Brown et al., 1987).
Consequentemente, uma definição única, clara, precisa e internacionalmente
aceita é impossível (Pretty, 1995).
Na agricultura, o conceito
sustentabilidade é muito importante porque ele pode ser a base para a criação
de políticas e práticas que nos levem à um desenvolvimento rural mais
igualitário e ambientalmente sadio.
Agricultura Sustentável pode
ser definida como uma agricultura ecologicamente equilibrada, economicamente
viável, socialmente justa, humana e adaptativa
(Reijntjes et al., 1992). Algumas definições de agricultura sustentável incluem
ainda: segurança alimentar,
produtividade e qualidade de vida (Stockle et al., 1994), mas uma série de
outras possibilidades existem4. Por
exemplo, Lehman et al. (1993) optaram pela ênfase ao meio ambiente em sua
definição de agricultura sustentável. Para eles, viabilidade econômica pode ser
um objetivo social importante, mas esse é um objetivo que ”deveria ser encarado
como independente dos objetivos da agricultura sustentável. De acordo com
Lehman et al. (1993):
“Agricultura sustentável consiste em
processos agrícolas, isso é, processos que envolvam atividades biológicas de
crescimento e reprodução com a intenção de produzir culturas, que não
comprometa nossa capacidade futura de praticar agricultura com sucesso. Assim…nós
podemos dizer que agricultura sustentável consiste em processos agrícolas que
não exaurem nenhum recurso que seja essencial para a agricultura”.
Para o CGIAR-FAO (Consultative Group
on International Agricultural Research), “Agricultura Sustentável é o manejo
bem sucedido dos recursos agrícolas, satisfazendo às necessidades humanas,
mantendo ou melhorando a qualidade ambiental e conservando os recursos
naturais” (CGIAR, 1988, citado por Reijntjes et al., 1992).
Altieri (1990) define sustentabilidade
como sendo: “a habilidade de um agroecosistema em manter a produção através do
tempo, face a distúrbios ecológicos e pressões sócio - econômicas de longo
prazo” (Altieri, 1987).
Para Conway et al., agricultura
sustentável é: “a habilidade de manter a produtividade, seja em um campo de
cultivo, em uma fazenda ou uma nação, face à stress ou choque5”(Conway et al., 1990).
A Noção de Desenvolvimento
Sustentável
Um outro conceito relativamente novo
relacionado com sustentabilidade, é o de Desenvolvimento Sustentável. O
conceito foi utilizado pela primeira vez no documento Estratégia de Conservação
Global (World Conservation Strategy), publicado pela World Conservation Union,
em 1980. Foi porem a partir da publicação do “Relatório Bruntland: Desenvolvimento
Sustentável”, em 1987, que o termo passou a ser mundialmente conhecido e
utilizado.
De
acordo com o Relatório Bruntland: O Desenvolvimento Sustentável é aquele que
“garante às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as
gerações futuras também atenderem às suas” (World Commission on Environment and
Development, 1987).
Esta
definição de Desenvolvimento Sustentável é sem sombra de dúvidas bastante vaga
e ambígua. Alguns pesquisadores e grupos ambientalistas, porém, vêem esta
ambiguidade como positiva. Uma definição pouco precisa permite maior consenso,
o que pode envolver maior número de pessoas apoiando a idéia central de que é
moralmente e economicamente errado tratar o Globo terrestre como um artigo a
venda (Reid, 1995). Muitos vêem os conceitos de Sustentabilidade e de
Desenvolvimento Sustentável como um norteador. “Sustentabilidade não é algo para ser definido, mas para ser declarado.
É um princípio ético que serve como guia”, como orientação (Vries, B.,
citado por Reid, 1995)
A
popularização do conceito de Desenvolvimento Sustentável, o crescente
envolvimento dos mais distintos grupos nas discussões sobre o tema, acabaram
por gerar um número muito grande de diferentes concepções6
para o termo. Se o consenso quanto ao significado de Sustentabilidade é muito
pouco provável de ser obtido, no caso do desenvolvimento sustentável a
dificuldade é dupla. Não existe consenso nem quanto a definição de
desenvolvimento. Ele vem sendo utilizado durante décadas, nos mais variados
contextos, em uma grande diversidade de projetos, propostas, idéias e de
público, tanto no mundo do comércio e da industria quanto nas organizações da
sociedade civil, grupos ambientalistas, grupos de defesa dos direitos humanos,
etc.
Quase todos concordam, no entanto,
que conceitos como Desenvolvimento Sustentável, Sustentabilidade e Agricultura
Sustentável envolvem o crescimento econômico contínuo através do tempo, um
crescimento benigno ao ambiente e que contemple, ao mesmo tempo, dimensões
culturais e sociais (Ehlers, 1996).
b)
A Dimensão Social da Agricultura Sustentável
De acordo com Allen (1993), o
problema principal da sustentabilidade é a pobreza. A sustentabilidade ou
“insustentabilidade” da agricultura é intimamente relacionada com a manutenção
de um sistema político-social que pode perpetuar situações de distribuição e
utilização de recursos profundamente desiguais. A agricultura não pode ser
sustentável se existe uma flagrante má distribuição de poder, terras, bens e
saúde entre as pessoas. “Se a pobreza rural é uma das causas de problemas
ambientais como: desertificação e desmatamento, esta pobreza é causada por
estruturas político/econômicas que encorajam a concentração de terras, destroem
sistemas tradicionais de manejo de recursos, privatiza recursos públicos e
subsidia tecnologias que não são sustentáveis” (Allen, 1993).
Da mesma forma Thrupp (1993) aponta
que “Problemas ambientais estão
geralmente associados com ação humana, pobreza, desigualdades sociais,
injustiça ou opressão, alienação, doenças ou violação de direitos humanos
fundamentais. Eles afetam a sociedade presente, não somente as futuras
gerações”. Então, é necessário se ter uma distribuição igualitária e
reduzir a pobreza antes da questão da sustentabilidade poder ser completamente
atendida (Thrupp, 1993).
A Agricultura Sustentável tem que
necessariamente ter como base o atendimento das demandas básicas dos seres
humanos, para ambos: as gerações que ainda virão e para a aquelas gerações que
vivem agora. Essas necessidades incluem: consumo (alimentos, água,
combustível); proteção (roupas, abrigo); dignidade e liberdade (Allen, 1993).
Sustentabilidade não pode ser
considerada como uma questão puramente ambiental ou tecnológica. Para tanto é
vital que se confrontem e se oponham temas socio-políticos com às idéias
relacionadas com determinismo tecnológico ou ecológico. Como apontado por
Thrupp (1993):
“As
causas da degradação dos recursos naturais e humanos não estão apenas
relacionados com fatores ambientais e a erros/problemas tecnológicos, mas sim a
fatores socio-econômicos e políticos que determinam como e porque as pessoas
utilizam os solos, os recursos naturais e as tecnologias. Isso implica em dizer
que para que se tenha uma agricultura sustentável é necessário efetuar mudanças
não somente tecnológicas ou ecológicas, é crucial que ocorram mudanças
político-econômicas e sociais” (Thrupp, 1993).
c)
Diversidade, um componente essencial da sustentabilidade
A diversidade cultural e biológica é
a base da sustentabilidade (Goewie, 1998). A biosfera depende da vida das
plantas, animais e microorganismos. A espécie humana depende de produção
estável de alimentos, fibras e outros produtos derivados das formas de vida
domesticadas ou selvagens. O futuro da agricultura esta intimamente ligado com
a contínua habilidade de produzir novas variedades de plantas e animais
adaptados às novas e dinâmicas condições ambientais e às, também mutantes,
necessidades humanas. A capacidade de produzir novas plantas depende da
existência de materiais genéticos (variedades e parentes silvestres das plantas
cultivadas) a partir dos quais é possível avançar (Oldfield et al., 1991). A
preservação deste diversificado material genético depende, porem, da
preservação da diversidade cultural que criou e mantém estes materiais. Como
demonstrado por Shiva:
“Ecossistemas
diversos deram origem a diversas formas de vida e a diferentes culturas. A
co-evolução das culturas, formas de vida e habitats, conservaram e conservam a
diversidade genética deste planeta. Diversidade cultural e biológica caminham
de braços dados” (Shiva, 1993).
O grande problema atual é o de que a
diversidade biológica tem sido erodida, e a diversidade cultural destruída em uma
velocidade gigantesca. O presente modelo de produção agrícola, baseado no uso
de recursos externos, na monocultura e na disseminação de algumas poucas
variedades de plantas por todo o mundo, é visto por muitos autores como sendo
uma das principais causas da erosão genética e cultural (Shiva, 1993;
Hobbelink,1990; Fowler et al., 1990). A presente estratégia agrícola se assenta
no aumento da produção de um único componente em uma fazenda, o que fatalmente
provoca a redução de outros. Isso claramente pressiona no sentido da
uniformidade, minando a diversidade dos sistemas biológicos, que são a base de
todo o sistema de produção (Shiva, 1993).
A erosão genética é muito severa nos
agroecossistemas. Muitas variedades de plantas cultivadas estão desaparecendo.
O cultivo de plantas durante a Revolução Verde mudou de centenas de plantas
diferentes para “apenas duas”, trigo e arroz, ambos derivados de estreita base
genética. As variedades de trigo de alto rendimento são baseadas em apenas três
variedades de trigo. De mais de 30.000 variedades diferentes de arroz
existentes na Índia nos anos 60, restarão não mais do que 50 em poucos anos
(Mooney, 1987). Como apontado por Shiva
“De acordo com o paradigma de produção agrícola dominante, diversidade é
contrária à produtividade, o que abre caminho para a uniformidade e para a
monocultura. Isso gerou a situação paradoxal atual, onde o melhoramento de
plantas e animais esta baseado na destruição da biodiversidade que o próprio
melhoramento utiliza como matéria prima. A ironia do melhoramento é o de que
ele destroi exatamente os tijolos básicos onde a própria tecnologia de
melhoramento se assenta e dos quais depende”(Shiva, 1993).
Essa situação é infinitamente mais
perigosa nos países em desenvolvimento. Muitas das plantas cultivadas são
originárias e tem seus parentes silvestres nestes países (Centros de Vavilov).
A introdução de variedades modernas nestes países e a uniformização do mercado
mundial, como consequência do processo de globalização da economia, levam à
substituição, e muito frequentemente ao desaparecimento (extinção), das
variedades tradicionais de plantas. A introdução de variedades modernas, em
conjunto com a ampliação das áreas cultivadas, destroem nichos ecológicos dos
parentes silvestres das plantas cultivadas. A ocupação de novas áreas com
monoculturas, pode provocar o enfraquecimento e a migração das comunidades de
agricultores familiares tradicionais. Estes agricultores são os principais
responsáveis pela criação e preservação dos materiais genéticos tradicionais. A
eliminação dos sistemas de produção destes agricultores vai fatalmente acelerar
o processo de erosão genética (Shiva, 1993; Hobbelink,1990).
A busca por uma agricultura
sustentável vai implicar na construção de um novo modelo de produção que não se
assente na uniformidade cultural e biológica. Agricultura Sustentável, então,
deve basear-se não somente na preservação dos materiais genéticos (variedades
tradicionais e parentes silvestres das plantas cultivadas), mas também na
preservação das culturas tradicionais que deram origem e preservam estes
materiais genéticos. Sendo assim, sustentabilidade deve ser atingida nestes
dois níveis simultaneamente. A
sustentabilidade dos recursos naturais e a sustentabilidade das culturas
tradicionais devem estar intimamente ligadas (Shiva, 1993).
d)
Participação - outra palavra chave em agricultura sustentável
Uma das dificuldades para delimitar
claramente o campo da agricultura sustentável esta relacionado com a
contemporaneidade do tema e, consequentemente, com o pouco acúmulo de
conhecimentos sobre ele (Ehlers, 1996). Durante as últimas décadas quase todas
as pesquisas agrícolas estiveram engajadas no aumento da produção e da
produtividade. Somente muito recentemente é que a necessidade de desenvolver-se
uma agricultura mais sustentável começou a fazer parte da agenda das
organizações de pesquisa no Brasil.
A busca por uma agricultura
sustentável envolve uma grande variedade de intrincados sistemas e a
superposição de variáveis interdependentes. Não existem respostas simples às
questões relacionadas com agricultura sustentável. Diferentemente do que
aconteceu com as tecnologias genéricas da Revolução Verde, é muito pouco
provável que possa existir algo parecido com um “conjunto de tecnologias
sustentáveis”, possível de ser aplicado em escala regional, nacional ou
mundial. A realidade é muito complexa e
dinâmica para permitir a existência de uma receita para a sustentabilidade.
É também pouco provável que a
sustentabilidade vá ser atingida a partir da utilização de tecnologias
desenvolvidas em estações de pesquisa ou pela ciência convencional. A literatura científica está repleta de
exemplos de tecnologias desenvolvidas em estações experimentais que muitas
vezes não funcionam nas condições dos agricultores. As condições dos institutos
de pesquisa não podem contemplar as altamente variáveis condições sócio -
econômicas e os problemas dos agricultores reais (Reijntjes, 1992). Os produtos
dos centros de pesquisa não podem ser apropriados para uma alta gama de
sistemas de produção, de variações locais de solos, condições de acesso a água
e outros recursos. Muito poucos agricultores estão em condições de adotar as
tecnologias convencionais, que vêm sendo desenvolvidas nos centros de pesquisa,
sem consideráveis ajustes (Pretty, 1995). De acordo com Reijntjes (1992):
“O desenvolvimento convencional de
tecnologias tende a ser organizado em termos de disciplinas, e não de acordo
com o nível de agregação das fazendas. O resultado é o de que os produtos
entregues para a extensão estão sempre incompletos: eles meramente representam
a resposta a problemas técnicos de uma disciplina. Não são levados em
consideração, por exemplo, os objetivos da produção, a alocação de mão-de-obra
entre vários cultivos, os riscos, acesso a crédito e a insumos externos, e
outros aspectos relacionados com o contexto sócio-econômico” (Reijntjes, 1992).
Por outro lado, é também improvável
que a agricultura ecológica ou agricultura alternativa (como algumas
tecnologias de baixo uso de recursos externos são conhecidas na América Latina)
seja a única resposta possível no que se refere à sustentabilidade. Muitas
tecnologias de baixo custo e baixo uso de insumos são promissoras e
provavelmente vão ser importantes no processo de desenvolvimento da agricultura
sustentável. É preciso ter claro, porém, que não existe possibilidade de
produzir algo como um “pacote de tecnologias sustentáveis”. Agricultura
sustentável não pode ser um modelo imposto ou um pacote.
Provavelmente,
o processo de desenvolvimento da agricultura sustentável combinará elementos
tanto da agricultura convencional, quanto da alternativa (Ehlers, 1996). Será
necessário que se leve em consideração a complexidade ambiental, econômica e
social de cada sistema agrícola. As tecnologias da agricultura sustentável
deverão ser específicas para cada sistema. As alternativas deverão serem
geradas pela base, alicerçadas nas condições locais, tendo como referência os
problemas e potencialidades de cada local (Pretty, 1995).
O
processo de desenvolvimento de uma agricultura mais sustentável, com todas as
suas incertezas e complexidade, exigirá a participação de um grande número de
atores, envolvidos em um processo de aprendizado constante (Pretty, 1995). Será
necessário que se integre conhecimentos vindos de várias fontes, locais,
pessoas, instituições e sistemas de produção. Um processo de construção
coletiva e democrática, com a participação ativa de agricultores,
pesquisadores, professores, extensionistas, políticos, consumidores, etc.
e)
Princípios para o Desenvolvimento de uma Agricultura Sustentável
Apesar de muito se ter escrito e
discutido mundialmente sobre Agricultura Sustentável e Desenvolvimento
Sustentável, não existe consenso sobre o significado destes conceitos. São
conceitos que permitem uma grande variedade de interpretações, muitas delas
antagônicas. A dificuldade é ainda maior em relação às práticas que nos levarão
a atingir a sustentabilidade.
O
desenvolvimento de uma agricultura sustentável deve ser visto como um processo
complexo e dinâmico, que envolve simultaneamente as perspectivas sociais,
políticas, econômicas, culturais e ecológicas. Tomando como referência toda a
discussão sobre sustentabilidade desenvolvida acima, é possível apontar algumas
características importantes para o desenvolvimento de uma agricultura que
caminhe para a sustentabilidade (depois de Conway et al., 1990;; Allen, 1993;
Altieri, 1989; Altieri, 1993, Pretty, 1995; GTZ, 1996). Pode-se considerar uma
agricultura sustentável aquela que seja:
Produtiva
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Que mantenha e melhore os níveis de produção
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Estável
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-
Que reduza os níveis de risco na produção
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Ambientalmente sadia
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-
Que proteja e recupere os recursos naturais; atue no sentido de prevenir a
degradação dos solos, preserve a biodiversidade e mantenha a qualidade da
água e do ar
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Viável
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-
Que seja economicamente viável
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Igualitária
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-
Que assegure igual acesso ao solo, água, outros recursos, e produtos para
todos os grupos sociais
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Autônoma
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-
Que garanta a subsistência e autonomia de todos os grupos sociais envolvidos
na produção
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Participativa
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Que seja construída coletivamente, por um processo de compartilhamento de
conhecimentos entre todos os envolvidos. Seja o resultado de um processo
democrático e coletivo de aprendizado
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Humana
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Que satisfaça as necessidades humanas básicas: alimentação, água,
combustível, roupas, abrigo, dignidade e liberdade para ambas as gerações; as
que vivem agora e as que estão por vir
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Preserve a cultura local
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Que preserve a cultura das comunidades que criaram e preservam os recursos
genéticos
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1 A Revolução Verde é considerada uma
das fases da Segunda Revolução da Agricultura Contemporânea.
2 Essa situação é exatamente o
contrário daquela que se esboça em nossos dias, quando outra revolução
agrícola, a “Biotecnológica”, se inicia. No caso da “Revolução Biotecnológica”
os conhecimentos científicos são o maior limitante para o desenvolvimento de
novos produtos. Muito do que está sendo desenvolvido, tanto a nível de
processos produtivos, quanto de produtos, não é de livre acesso. As novas
conquistas são mantidas em segredo, pois podem envolver licenças de uso,
patentes, e lucros (Ahmed et al., 1992).
3 Cerca de 85% dos imóveis rurais brasileiros tem
área inferior a 100 ha (Silva, 1992)
4 Ehlers menciona quatorze definições diferentes de agricultura
sustentável (Ehlers, 1996).
Pretty cita que desde 1987, existem mais de setenta definições
construidas, “cada uma delas apresentam diferenças, cada uma reforçando
diferentes valores, prioridades, objetivos…Cada autor/autora presumivelmete
encara seu esforço como sendo o melhor. Mas uma definição precisa e absoluta do
que vem a ser sustentabilidade, e por extensão agricultura sustentável, é
impossivel”(Pretty, 1995).
5 “Estress pode ser um crescimento dos
níveis de salinidade do solo, ou ainda aumento dos índices de erosão. São
perturbações frequentes, as vezes contínuas; forças relativamente pequenas e
previsíveis que pode ter um grande efeito cumulativo”.
Choque pode ser definido como sendo “um evento de grandes proporções
como uma nova peste, uma seca violenta e pouco frequente (rara), ou um violento
aumento nos preços dos insumos. São forças relativamente grandes e
imprevisiveis” (Conway et al., 1990).
6 Como no conceito de sustentabilidade, as diferentes concepções sobre
Desenvolvimento Sustentável revelam diferenças de visões políticas e, por
vezes, sérios conflitos de interesse entre os grupos e instituições envolvidas
nas discussões sobre sustentabilidade.
Referências
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