Cultivado no sistema convencional o morangueiro pode receber em média 45 pulverizações com agrotóxicos, motivo pelo qual já encontra-se na lista negra dos alimentos campeões de resíduos químicos. Entretanto, a prática de alguns produtores orgânicos tem mostrado que existe viabilidade técnica, econômica, social e ecológica da produção orgânica de morango, como veremos neste artigo baseado no relato de experiência de dois produtores do sul do Brasil.
O morangueiro (Fragaria x Ananassa) é uma cultura típica de climas mais amenos, não sendo muito tolerante a temperaturas elevadas. No Brasil o morango tem se adaptado melhor do sul de Minas Gerais até o Rio Grande do Sul, porém existem experiências até mesmo no cerrado.
Sendo botanicamente classificado como uma hortaliça da família das rosáceas, o morango ainda é mais conhecido como um delicioso frutinho rasteiro, tendo a vantagem de ir para o mercado, na primavera, quando há poucas frutas à venda, alcançando bons preços. Ademais, na indústria é conhecido pelo uso freqüente em iogurtes e sorvetes.
Variedades: Seleção Deve Aliar Produtividade, Resistência e Sabor
A escolha da variedade deve levar em conta a produtividade, a precocidade, a conservação, o sabor e a resistência contra pragas e doenças. Outro ponto importante no sistema orgânico é a adaptação da planta às condições regionais. A experiência do produtor gaúcho Gilson Teixeira – que nos últimos 5 anos vem selecionando mudas de uma das primeiras variedades comerciais lançadas no país – a Campinas, confirma que no sistema orgânico é possível reduzir custos produzindo mudas próprias (Figura 1).
FIGURA 1
– Variedade de morango “Campinas”: boa adaptação ao sistema orgânico.
Propriedade de Gilson Teixeira em Caçapava do Sul, RS.
Este procedimento possibilita maior controle sobre o planejamento de produção e melhor adaptação da cultura às condições locais. Apesar de as mudas importadas, basicamente do Chile, apresentarem ótima qualidade comercial, o custo inicial da lavoura aumenta demasiadamente, ficando o produtor altamente dependente de recursos externos ao sistema.
Uma boa opção é o plantio de duas variedades ao mesmo tempo – uma de maior produtividade e resistência e outra de produção mais precoce. Com a primeira obtém-se grande quantidade, com a segunda, bons preços.
Solo e Local de Plantio
O morangueiro é uma cultura especialmente exigente em condições físicas e nutricionais do solo. Produz melhor em solos areno-argilosos, bem drenados, ricos em matéria orgânica e de boa constituição física. A faixa de pH preferido fica entre 5,5 e 6,0. Em solos mais ácidos é recomendável uma calagem.
Sabe-se que a planta do morangueiro é muito delicada, especialmente em relação ao seu sistema radicular, exigindo canteiros muito bem preparados, visto que a maior parte das raízes concentra-se na camada superficial do leito de plantio.
Outro ponto importante é a nutrição do morangueiro. A adubação orgânica traz uma série de benefícios que resultam em melhoria de produtividade e resistência das plantas. Por isso, inicialmente pode-se proceder a adubação orgânica em toda área e, em seguida, realiza-se a preparação de canteiros. Após o levantamento de canteiros, ainda pode-se utilizar o húmus que pode ser espalhado homogeneamente e incorporado com enxada rotativa.
O plantio realizado de março a julho na região Sul, pode ser feito em canteiros com 15 a 20 cm de altura e 0,80 a 1,20 m de largura, num espaçamento entre plantas de 30 x 30 cm, preferentemente no final da tarde para facilitar o pegamento. Outra sugestão interessante é plantar as mudas em “ziguezague”, semelhante aos cultivos da Califórnia, fator que proporciona melhor aproveitamento do espaço útil. Isso permite maior vigor do sistema radicular o que favorece a nutrição e autodefesa das plantas.
Mudas: Multiplicação Própria Diminui Custos
As mudas orgânicas podem ser produzidas na própria propriedade, a partir dos morangueiros que produziram no ano anterior. Este método vem sendo empregado nos últimos 5 anos com excelentes resultados pelo produtor gaúcho Gilson Teixeira que faz a preparação das mudas da variedade “Campinas” por meio do arrancamento dos morangueiros que produziram no ano anterior, fazendo uma seleção criteriosa. Após é realizado uma limpeza e preparação da muda, que consiste na retirada de parte das folhas e do excesso de raízes.
Adubação Orgânica: Conteúdo Ruminal e Húmus são Opções Complementares
Um dos materiais que vem sendo utilizado com sucesso como suprimento de matéria orgânica para o solo é o conteúdo ruminal descartado nas operações de frigorífico. Este subproduto já possui um determinado grau de decomposição e também serve de alimento para as minhocas, possibilitando produção de húmus na própria propriedade.
Além disso, como adubação foliar, os produtores orgânicos têm utilizado preparados a base de biofertilizantes como o supermagro, biogel, extratos de algas marinhas e microorganismos eficientes (EM) que servem para reforçar a resistência das plantas.
Tratos Culturais: Cobertura de Casca de Arroz é Boa Alternativa ao Plástico
O controle de invasoras é essencial, pois o morangueiro sofre muito com a concorrência. A primeira capina é realizada cerca de um mês depois do plantio quando as mudas já estão com brotação nova e bem enraizadas. Como a raiz do morangueiro nasce da parte superior, bem junto ao solo, deve se utilizar uma enxada de lâmina estreita para evitar danos às raízes. Posteriormente, após a colocação da cobertura morta é realizada mais uma ou duas operações de limpeza. Estas consistem no arrancamento das invasoras que persistiram ou que brotaram sobre a cobertura morta.
Como cobertura morta utiliza-se a casca de arroz em substituição ao plástico preto, espalhando-se uma camada de cerca de 3 a 5 centímetros sobre a superfície do canteiro (Figura 2). Esse material, pela sua coloração espanta a maioria dos insetos praga, além de favorecer as condições ambientais locais. Entre os canteiros pode-se utilizar também acículas de pinus.
FIGURA 2
– Cobertura morta com casca de arroz: opção ambientalmente correta em
substituição ao plástco preto.
Na época de plantio e em plena produção o morangueiro exige grande umidade do solo com irrigações freqüentes (duas a três vezes ao dia). Diferentemente da maioria dos produtores de morango que utilizam a irrigação por gotejamento, induzindo a planta a um enraizamento mais localizado, na propriedade de Gilson Teixeira a irrigação por aspersão tem mostrado bons resultados permitindo um desenvolvimento radicular mais expressivo.
Pragas e doenças: Prevenir é Fundamental
O ácaro e os pulgões são as principais pragas do morangueiro. A umidade e a temperatura elevadas facilitam o seu aparecimento. Se as pragas atingirem poucas plantas recomenda-se a eliminação das mesmas. O ácaro ataca a face inferior das folhas, causando amarelecimento, secamento ou uma tonalidade pardo-avermelhada. Um sinal típico da presença dos ácaros é um entrelaçamento de fios de seda, sobre o qual eles vivem. Para o controle existem alguns produtos de uso restrito que devem ser consultados junto às certificadoras. O controle dos pulgões é mais fácil, pode-se utilizar desde preparados a base de plantas e minerais até o controle biológico com joaninhas.
As doenças são mais acentuadas em climas quentes e úmidos. O mais grave e disseminado problema fitossanitário é a “mancha das folhas”, causada pelo fungo Mycosphaerella fragariae. O controle pode ser obtido seguindo alguns cuidados: plantio de variedades resistentes; escolha de um local bem arejado e sem excesso de umidade; além de uso de mudas sadias. Em caso de ataque a morangueiros deve-se descartar o material afetado. Se o ataque for às folhas sugere-se a retirada das atingidas.
Outro ponto importante para evitar problemas fitossanitários é a rotação de culturas, pois o morangueiro deve ser retirado do terreno após seu ciclo anual. Não se recomenda o replantio em seguida no mesmo local, nem o uso de plantas da família das solanáceas (tomate, batata, pimentão, berinjela) que podem transmitir viroses e fungos que atacam as raízes do morango. Neste caso, o ideal seria utilizar na rotação um adubo verde ou outra cultura comercial.
Colheita: Maior Parte é Comercializada “in natura”
Nas principais regiões produtoras do Sul do Brasil a colheita é realizada de agosto a dezembro (Figura 3). Após colheita e seleção os morangos são colocados em embalagens plásticas (PET) com capacidade variável dependendo do mercado (200 ou 350 gramas). Neste relato, os morangos orgânicos selecionados para consumo “in natura” representavam cerca de 70 % da quantidade colhida. Os frutos menores ou com pequenas imperfeições que não comprometam sua qualidade, são destinados a produção de polpa ou a venda para industrialização.
FIGURA 3
– Vista geral da cultura do morango orgânico em época de colheita
em Caçapava do Sul, RS.
Segundo o produtor paranaense Anderson de Almeida, o morango orgânico é vendido em média a 33% acima do similar convencional. O mesmo produtor aponta algumas diferençasmarcantes em relação ao convencional: melhor aparência, maior durabilidade e resistência,melhor sabor e maior aproveitamento final.
Em síntese, os produtores orgânicos têm obtido produções competitivas comparadas ao sistema convencional. No Paraná, a média de produtividade dos últimos anos tem ficado entre 300 a 500 gramas por planta. Nos Estados Unidos, estudos de GLIESSMAN et. al. (1996), mostraram uma superioridade de produção no sistema convencional. Entretanto, neste mesmo estudo os custos foram significativamente menores no sistema orgânico, fazendo com que o retorno econômico final fosse superior no orgânico, sem contar a melhoria das características biológicas do sistema. As experiências práticas não deixam dúvidas que o sistema de produção de morango orgânico tem sido competitivo em termos técnicos, econômicos e ecológicos, sendo uma alternativa viável para pequenas propriedades familiares.
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