Circular Técnica 63 - Embrapa Hortaliças - Brasília, DF Julho, 2008
Autores
Francisco Vilela Resende Eng.
Agr., DSc.Embrapa Hortaliças Brasília-DF
Mariane Carvalho Vidal Bióloga,
MSc.Embrapa Hortaliças Brasília-DF
Na agricultura orgânica a propriedade
rural é considerada um agroecossistema, que se traduz num sistema agrícola
baseado na biodiversidade do local. Depende das interações e dos ciclos
biológicos das espécies vegetais e animais e da atividade biológica do solo, do
uso mínimo de produtos externos à propriedade e do manejo de práticas que
restauram, mantêm e promovem a harmonia ecológica do sistema. Portanto, o
sucesso e a sustentabilidade dos sistemas orgânicos dependem da integração de
todos os recursos internos da propriedade, buscando-se o equilíbrio entre os
recursos naturais, as plantas cultivadas, a criação de animais e o próprio
homem. Enquanto no sistema convencional, uma lavoura é tratada de forma
individualizada e com a maioria dos insumos de alto custo energético vindos de
fora da propriedade, no sistema orgânico procura-se explorar ao máximo os
fatores inerentes ao ambiente e os recursos internos à propriedade.
O termo agricultura orgânica está associado
mais ao conceito de organismo agrícola do que ao uso de adubação orgânica, como
acreditam muitas pessoas pouco familiarizadas com o tema. Neste organismo
modificado pela ação do homem, ocorrem complexas interações entre os seres
vivos e os elementos naturais (solo, nutrientes, ar, temperatura, água, etc) e
a obtenção do produto (colheita) depende da manutenção do equilíbrio deste
sistema que, por sua vez, depende do papel individual de cada um destes
elementos e de suas relações. Este organismo também deve ser saudável além do
ponto de vista agronômico, sob os aspectos econômico, social e ecológico.
Muitas correntes da agricultura orgânica advogam que devem ser estabelecidas
ligações entre todas as formas de matéria e de energia presentes na propriedade
para se aproximar do equilíbrio do ambiente natural. Prioriza-se a utilização
dos elementos orgânicos produzidos na propriedade agrícola, já que nesta todas
as atividades devem estar de alguma forma integradas. Este modelo de
conservação se apoiou nos movimentos de preservação da natureza associados ao
modelo de exploração agrícola inglesa e no conceito de exaustão do solo
preconizado pelos cientistas.
O uso crescente dos adubos químicos e
agrotóxicos possibilitou a simplificação dos sistemas agrícolas, de forma que
apenas uma cultura pudesse ser cultivada em determinada região para atender as
necessidades locais ou as exigências de mercado. Este modelo permitiu o
aparecimento de pragas, doenças, plantas invasoras especializadas e uma série
de outros problemas peculiares para aquelas culturas. A manutenção da
fertilidade do solo e sanidade dos cultivos depende de rotações de culturas,
reciclagem de biomassa e, principalmente, da diversidade biológica. Essa
diversidade é o principal pilar da agricultura orgânica a contribuir para a
manutenção do equilíbrio do sistema e, consequentemente, do solo e da cultura.
Portanto, o equilíbrio biológico e ambiental, bem como a fertilidade do solo,
não podem ser mantidos com monoculturas. No caso de cultivos especializados,
onde prevalece apenas uma cultura de interesse econômico, deve-se estabelecer
algum grau de diversificação, que é conseguido com a inserção de áreas de
refúgio e/ou cordões de contorno com espécies variadas, consórcios com adubos
verdes e/ou plantas repelentes/atrativas e com o manejo das plantas espontâneas.
Diversificação do sistema
O produtor orgânico deve se preocupar
prioritariamente com a diversificação da paisagem geral de sua propriedade de
forma a restabelecer o equilíbrio entre todos os seres vivos da cadeia
alimentar, desde microrganismos até pequenos animais, pássaros e outros
predadores. A introdução de espécies vegetais com múltiplas funções no sistema
produtivo é a base do (re)estabelecimento do equilíbrio da propriedade. Neste
contexto, incluem-se espécies de interesse econômico, arbóreas, atrativas e
ornamentais. Deve-se atentar também para o papel fundamental das espécies
espontâneas no processo de diversificação. Desta forma, procura-se atingir a
sustentabilidade da unidade produtiva no tempo e no espaço através da
incorporação de características de ecossistemas naturais, tais como: reciclagem
de nutrientes; uso de fontes renováveis de energia; manutenção das relações
biológicas que ocorrem naturalmente; uso de materiais de origem natural,
evitando aqueles oriundos de fora do sistema; estabelecimento de padrões de
cultivos apropriados com espécies de plantas agrícolas e animais adaptados às
condições ecológicas da propriedade; e ênfase na conservação do solo, água,
energia e recursos biológicos.
Foto: Francisco Resende
Fig. 1. A
agricultura orgânica esta associada ao conceito de “organismo agrícola”, com
interações complexas entre os seres vivos e os elementos naturais.
Planejamento do sistema orgânico de produção de
hortaliças
O planejamento do sistema orgânico exige que
a propriedade seja considerada no todo, com uma visão integrada do manejo e
estruturas do ecossistema rompendo as barreiras disciplinares, uma vez que a
propriedade é entendida como um organismo vivo, dinâmico e sistêmico. O ideal é
que o número máximo de aspectos do funcionamento seja previsto neste
planejamento. É importante considerar dois aspectos fundamentais: a fonte de
biomassa para alimentação do sistema e a fonte de água de qualidade para
irrigação. A fonte de biomassa determinará o tipo de infraestrutura de
armazenagem e o método de processamento e de aplicação do material
fertilizante. A localização dessa infraestrutura, bem como das áreas de
compostagem, deve facilitar a distribuição dos fertilizantes nas áreas de
cultivo. Deve-se considerar que, no sistema orgânico, a exigência de
mão-de-obra para preparo e distribuição de adubo é alta, assim como a
quantidade de fertilizante necessária por área também é muito maior que no
sistema convencional. Com relação à água de irrigação, os contaminantes químicos
ou biológicos não poderão estar acima dos limites de segurança. Caso a água
disponível não se enquadre nas normas de qualidade, o que é freqüente, será
necessário tratá-la ou encontrar uma fonte alternativa.
Calendário de plantio
A horta é um espaço de produção intensiva de
trabalho. Por isso, é indispensável planejar as atividades de acordo com a
mão-de-obra disponível. É muito freqüente que, por falhas de planejamento,
falte mão-de-obra para se atingir as metas previstas. A inclusão dos trabalhadores
no planejamento do calendário contribui para seu sucesso, pois proporciona uma
visão global da horta. O calendário de semeadura e a seqüência de culturas em
cada talhão da horta e/ou canteiro precisa ser bem compreendido. A
identificação dos talhões e faixas de cultivo é fundamental para o
gerenciamento dos cultivos, facilitando a implantação de esquemas de rotação de
culturas, cultivos seqüenciais, consórcios e estabelecimento de áreas de pousio
ou para adubação verde. Cartazes e lousa para anotações das tarefas a serem
executadas podem ajudar. A finalidade desses procedimentos é criar uma rotina
que facilite o andamento da produção. O êxito na produção orgânica de
hortaliças depende de um controle de todos os componentes do sistema de
produção ainda mais eficiente que na produção convencional. Por esses motivos, tem
se observado que os sistemas orgânicos estão avançando bastante no componente
administrativo das propriedades.
Foto: Francisco Resende
Fig. 2. A
diversificação da paisagem e uma forma de restabelecer o equilíbrio na
propriedade do sistema orgânico.
Divisão da área de cultivo
A produção orgânica de hortaliças exige a
reformulação da organização da propriedade, divergindo bastante da disposição
adotada no sistema convencional. O aspecto mais importante é a subdivisão da
propriedade em talhões que, preferencialmente, não ultrapassem 1.000 m2, com
elementos que promovam o condicionamento climático das culturas e a preservação
da biodiversidade. O uso intensivo das áreas associado a ciclos sucessivos de
cultivo exige maior atenção dos produtores de hortaliças na construção e
proteção dos talhões. O talhão possui papel fundamental na administração da
propriedade e gerenciamento das atividades de produção. A disposição dos
talhões e da infra-estrutura na propriedade deve reduzir as necessidades de
transporte e de mão de obra para execução dos trabalhos, pois na produção de
hortaliças há grande movimentação de mão de obra e insumos, o que exige
eficiência no funcionamento do sistema, visando facilitar a administração e
reduzir os custos da atividade. A delimitação dos espaços físicos da horta é
feita por carreadores principais e secundários. O dimensionamento dos
carreadores deve ser realizado de forma a perder o mínimo possível de área produtiva.
Os caminhos secundários devem apresentar dimensões de 30 cm de largura, no
máximo, para permitir apenas o trânsito de pessoas e carrinhos de mão. Os
carreadores principais devem ser dimensionados com 1,5 a 2,0 m, permitindo a
entrada de máquinas e equipamentos para transporte de insumos e escoamento da
produção.
Condicionamento microclimático
As condições climáticas interferem de maneira
decisiva na produção das hortaliças. Extremos de temperatura, umidade e excesso
de ventos podem comprometer a produção da maioria das hortaliças. O
condicionamento climático é conseguido com a delimitação dos talhões de cultivo
por cordões de contorno ou cercas vivas, uso de cobertura morta de solo com
restos de gramíneas e/ou leguminosas, plantio direto sobre palhadas e plantios
consorciados. O uso de coberturas vivas com algumas espécies de grama e
leguminosas rasteiras, como amendoim forrageiro, tem sido testado para o
cultivo de hortaliças, contribuindo para melhorar o ambiente de cultivo e
outros benefícios. O principal mecanismo utilizado pelo produtor orgânico como
fator de controle climático é a cerca viva. Esta funciona como um quebra-vento,
reduzindo o impacto dos ventos frios ou quentes e a movimentação de algumas
pragas e doenças, criando uma seqüência de microclimas, com maior ou menor
sombreamento, umidade e temperatura, garantindo eficiência na fotossíntese. A
cerca viva funciona também como um tampão fitossanitário, dificultando a livre
circulação de pragas e inóculos de doenças dentro da propriedade.
Fig. 3. As
atividades em uma horta orgânica devem ser organizadas de acordo com a
disponibilidade de mão-de-obra. (Foto: Gilmar Henz)
Foto: Gilmar Henz
Fig. 4. A
divisão do espaço físico em talhões e faixas de cultivo facilita o cultivo de
hortaliças no sistema orgânico.
Cordões de contorno
Cordões de contorno são faixas de vegetação
que circundam a propriedade, permitindo isolamento das áreas de cultivo
convencional circunvizinhas, e utilizados também para divisão dos talhões de
cultivo. É um componente fundamental na organização de uma propriedade orgânica
voltada para produção de hortaliças. Apresentam múltiplas finalidades como o
funcionamento como barreiras fitossanitárias, dificultando a livre circulação
de pragas e doenças entre propriedades vizinhas e entre os talhões de cultivo;
a criação de microclimas mais favoráveis para o cultivo de hortaliças; e a
formação de áreas de refúgio e abrigo para inimigos naturais de pragas e outros
pequenos animais úteis. Resumindo, a instalação dessas faixas de vegetação permite
a criação de condições climáticas favoráveis para redução do estresse sofrido
pelas plantas e é fundamental para o manejo fitossanitário da propriedade
orgânica.
Essas faixas podem ser formadas por uma ou
várias espécies, incluindo a própria vegetação natural. Espécies que podem
servir como fontes de biomassa e nutrientes, como capins, leucena, hibiscus,
flor do mel (girassol mexicano), e fixadoras de nitrogênio, como os adubos
verdes; espécies atrativas para insetos e pequenos animais, e ainda plantas de
interesse econômico, visando complementação de renda da atividade principal
também podem ser utilizadas. É importante se preocupar com a diversidade dos
cordões de contorno para garantir que se tornem abrigos de biodiversidade,
procurando combinar espécies que atendam aos requisitos acima descritos.
Alguns produtores orgânicos não aceitam ou
não podem dispor de áreas de cultivo dentro da propriedade com espécies que não
tenham interesse econômico. Dessa forma, aproveitam as áreas dos cordões para a
introdução de outras espécies, que além de apresentar características adequadas
para tal, possam também prover algum retorno econômico para o produtor e que
não venham causar prejuízos à cultura ou culturas principais. Podemos destacar,
como exemplos, banana, café, mamão, outras espécies frutíferas, plantas
melíferas, condimentares, medicinais e ornamentais ou ainda a combinação entre
elas.
Fig. 5.
Cordões de contorno são muito importantes no cultivo de hortaliças no sistema
orgânico porque servem de abrigo e refúgio para muitos inimigos naturais de
pragas (Foto: Francisco Resende).
Como a composição do cordão de contorno pode
ser variada, o produtor pode utilizar espécies para produzir biomassa visando à
obtenção de compostos orgânicos, espécies com boa capacidade de extração de
nutrientes e/ou fixação de nitrogênio que, ao serem podadas, podem ser
incorporadas com adubo verde nas áreas de cultivo. Em propriedades integradas
com produção animal, essas áreas podem contribuir para produção de alimentos
para os animais. Formar os cordões de contorno com espécies com boa capacidade
de florescimento, além de funcionar como excelentes áreas de refúgio para
predadores e inimigos naturais, atraem abelhas para produção de mel. A flor do
mel ou girassol mexicano é uma espécie de florescimento constante e abundante
praticamente o ano todo e que tem sido bastante associada ao cultivo orgânico
de hortaliças como cordão de contorno, principalmente nas regiões Centro-Oeste
e Nordeste do país. Pode-se obter uma associação bastante interessante entre
esta espécie com apicultura e horticultura. Além da renda extra proporcionada
pela produção do mel, as abelhas são importantes agentes polinizadores de
algumas hortaliças.
Os cordões de contorno, conforme o objetivo
do produtor, podem variar sua composição de acordo com os extratos de vegetação
possíveis: arbóreo, arbustivo e herbáceo. Em regiões de vento forte, o produtor
deve optar por extratos mais altos, introduzindo uma faixa de quebra-ventos nos
cordões de contorno que circunda
a propriedade. Para isto deve-se utilizar uma vegetação arbórea e mais robusta
com espécies como leucena, grevilia, gliricidia e sansão do campo, por exemplo.
Uma vez estabelecido o quebra-vento, associa-se a ele extratos mais baixos com
plantas arbustivas e herbáceas, completando-se o cordão de contorno.
Áreas de refúgio
São áreas de vegetação para preservação e
atração de inimigos naturais de pragas e pequenos predadores que auxiliam no
controle de pragas, pois, servem de refúgio para diversos insetos benéficos que
se alimentam de fungos ou organismos que, sem seus inimigos naturais, poderiam
aniquilar a plantação. Esses nichos são formados pelas reservas de vegetação
nativa, pelas faixas de cercas vivas ou cordões de contorno que circundam as
áreas de cultivos e as comunidades de plantas invasoras ou espontâneas. As
áreas de refúgio garantem a preservação da fauna silvestre e a diversidade é
essencial para o equilíbrio de várias espécies, contribuindo fortemente para o
equilíbrio do sistema como um todo.
Áreas de pousio
Como o próprio nome sugere, são áreas que
garantem o ‘descanso’ do solo após cultivo intensivo para reconstituir e
conservar suas propriedades químicas, físicas e biológicas. As áreas em pousio
devem permanecer cobertas durante esse período com alguma vegetação, que pode
ser adubos verdes ou a vegetação natural da área. Essas áreas são muitos
importantes para garantir a manutenção da vida no solo. O agricultor deve
prever esse período no planejamento da horta, pois, para produção de
hortaliças, que utiliza intensamente os recursos do solo, esta prática é
fundamental.
Foto: Francisco Resende
Rotação de culturas
Um dos aspectos mais importantes do manejo em
sistemas orgânicos de produção é a exploração equilibrada do solo, por meio do
emprego de práticas como a alternância de culturas e a sucessão vegetal,
levando à prática da rotação de culturas nas diversas unidades de solo de uma
propriedade agrícola. Deve-se estabelecer uma escala de exigência em adubação e
manter o terreno permanentemente coberto. Essas práticas conjugadas permitirão
explorar os nutrientes do solo de maneira mais racional, evitando seu
esgotamento. Deve-se alternar culturas mais exigentes com culturas menos
exigentes em nutrientes (rústicas), que exploram profundidades diferentes do
solo pela diferença na estrutura radicular. Outro aspecto igualmente importante
da rotação, e também do consórcio de hortaliças, é evitar a proliferação e
acúmulo de doenças e pragas, que em um sistema intensivo de cultivo pode
ocorrer de forma bastante acelerada. Portanto, a rotação de culturas é uma
necessidade para a economia de nutrientes da horta e o controle de pragas e
doenças.
A divisão dos talhões em faixas de cultivo
auxilia na implantação de esquemas de rotação. Nestas faixas alterna-se o
cultivo de adubos verdes com diferentes famílias de hortaliças. Nesse esquema é
importante evitar o plantio de espécies da mesma família em sucessão ou nas
faixas adjacentes. No caso das hortaliças que se adaptam melhor aos cultivos de
inverno, época que o olericultor obtém maiores rendimentos, deve-se evitar a
prática de rotação com adubos verdes neste período, permitindo que a área fique
integralmente ocupada pelas culturas de interesse econômico. No verão,
reserva-se uma área maior para o plantio de espécies de adubo verde que se
adaptam bem ao cultivo nesta estação. Desta forma, pratica-se a recuperação
anual das áreas de produção. Outra estratégia de manejo importante é evitar o
acúmulo de inóculos de organismos patogênicos, uma vez que as sucessões
provocarão uma quebra do ciclo biológico desses organismos pela alternância de
espécies. Exemplificando, o plantio sucessivo de espécies de solanáceas (tomate, batata, pimentão, etc) numa mesma
área pode elevar a incidência de patógenos de solo e foliares nestas culturas.
Fig. 7.
As áreas de pousio garantem o “descanso” do solo após o cultivo intensivo e
devem permanecer cobertas com vegetação. (Foto: Francisco Resende)
Foto: Francisco Resende
Fig. 8.
Rotação de culturas é uma prática muito recomendada para o sistema orgânico de
hortaliças pelos resultados benéficos.
Na rotação, o produtor pode utilizar um
esquema seguindo as diferentes características de cada grupo de hortaliças:
folhosas, raízes/tubérculos e flores/frutos. Como cada espécie se desenvolve de
uma forma, tem um sistema radicular próprio e diferenciado, consequentemente
explora o solo e retira os nutrientes também de forma diferenciada. Logo após o
preparo e adubação inicial do solo, deve-se cultivar hortaliças mais exigentes,
seguindo-se com espécies cada vez menos exigentes. Assim, o produtor pode planejar
o plantio utilizando o esquema de alternar entre esses grupos e deixando sempre
um intervalo entre um ciclo para descanso e recuperação do solo (pousio).
Durante o pousio, o produtor pode explorar a utilização dos adubos verdes para
recomposição e manutenção do solo.
Consorciação e associação de culturas
O sistema de consórcio é caracterizado quando
são plantados duas ou mais culturas na mesma área e ao mesmo tempo. É uma das
práticas mais importantes para o cultivo de hortaliças no sistema orgânico, pois
abrange aspectos tanto ambientais quanto econômicos. A consorciação permite
otimizar a produção pelo melhor aproveitamento da área explorando a combinação
de espécies eficientes na utilização dos recursos de produção como espaço,
nutrientes, água e luz. O consórcio entre espécies de hortaliças vem sendo
adotado amplamente em áreas sob cultivo orgânico em todo o país, principalmente
por pequenos agricultores orgânicos que concebem nesta técnica uma forma de
otimizar o aproveitamento dos seus escassos recursos de produção. Assim,
procuram maximizar seus lucros, aproveitando melhor a área, os insumos e a
mão-de-obra.
A eficiência e as vantagens de um sistema
consorciado estão na complementariedade entre as culturas envolvidas. Esta
complementariedade é maior à medida que se consegue minimizar os efeitos
negativos de uma cultura sobre a outra. O consórcio, além de permitir o uso
mais intensivo da área de plantio, confere maior diversidade biológica e
produção por unidade de área e dá renda extra ao agricultor, proporcionando
também menor impacto ambiental em relação à monocultura. Para evitar a
manutenção de áreas com plantio de espécies que não tragam retorno econômico,
os produtores podem utilizar o consórcio entre a cultura de interesse comercial
e uma outra espécie que apresente funções importantes como, por exemplo,
atração de inimigos naturais, repelente de insetos, adubos verdes, etc. Um
exemplo clássico dessa associação ocorre entre milho e mucuna. O plantio
sincronizado dessas espécies permite que a floração da leguminosa coincida com
a seca da planta de milho, originando uma palhada bastante rica em nutrientes
que pode ser utilizada no cultivo de várias hortaliças. O olericultor obtém
ainda retorno econômico com a comercialização das espigas de milho ainda
verdes.
Foto:Francisco Resende
Existem muitas possibilidades de combinação
de hortaliças em consórcios, entretanto, é mais comum o consórcio em faixas e
em linhas. No consórcio em linha são intercaladas linhas de cultivo de uma ou
mais espécies com a cultura principal. Pode-se consorciar alface e cebolinha,
couve e cebola, tomate e coentro, pimentão e feijão guandu anão, tomate e
crotalária entre outras. No consórcio em faixas, são intercaladas faixas de
cultivo de uma ou mais espécies com a cultura principal. Em alguns casos, essas
faixas podem se confundir com os próprios canteiros. Pode-se agrupar as
hortaliças companheiras, como cenoura e tomate, batata e repolho, tomate e
cebola, cebola e pepino, alface e rúcula, abóbora e chicória, repolho e arruda,
entre outras.
É preciso considerar aspectos como tolerância
a sombreamento, profundidade do sistema radicular, hábito de crescimento e
potencial como hospedeira de pragas e doenças. Deve-se observar também a
afinidade entre as culturas, ou seja, observar quais espécies se desenvolvem melhor
quando associadas. Assim, as plantas são divididas em companheiras e
antagonistas. Alguns exemplos de plantas antagonistas: abóbora e batata, alface
e salsa, cebola e ervilha, tomate e batata, batata e pepino, entre outras.
Deve-se evitar a utilização dessas culturas ao mesmo tempo no campo, pois uma
poderá servir de fonte de inóculo (pragas e doenças) para a outra cultura e
assim desencadear um grande prejuízo para o produtor. O cultivo associado entre
hortaliças e adubos verdes tem sido muito difundido entre os produtores
orgânicos. Os plantios são sincronizados de forma que o adubo verde seja
incorporado no momento que a hortaliça começa a produzir. Tem-se observado
experiências de sucesso com tomate x guandu, crotalaria x berinjela e
crotalaria x taro (inhame).
Plantas atrativas e repelentes
As plantas com sabor e cheiro forte são
chamadas atrativas ou repelentes, pois possuem substâncias que afastam ou
inibem a ação de insetos. O cultivo dessas plantas junto com as culturas pode
proteger contra o ataque de insetos. Como qualquer estratégia de manejo
agroecológico, o uso de tais plantas não deve ser feito isoladamente, e sim, em
conjunto com outras técnicas de controle, sempre buscando a promoção do
equilibro ecológico em toda a propriedade agrícola.
Algumas espécies de plantas atrativas e
repelentes:
• Cravo-de-defunto
(Tagetes minuta) e/ou cravorana silvestre (Tagetes sp.) - repelente de insetos
e nematóides, principalmente no florescimento. Atua tanto por ação direta
contra as pragas quanto por “disfarce” das culturas pelo seu forte odor.
• Cinamomo (Melia
azedorach L.) - ação inseticida. Os frutos devem ser moídos e seu pó pode ser
usado na conservação de grãos armazenados.
• Saboneteira
(Sapindus saponaria L.) - ação inseticida. Para se ter uma idéia de seu poder
de ação, apenas seis frutos bastam para preservar 60 quilos de grãos
armazenados.
• Quássia ou
pau-amargo (Quassia amara) - ação inseticida, especialmente contra moscas e
mosquitos, pelo alto teor de substâncias amargas na casca e madeira.
• Mucuna (Mucuna
spp.) e Crotalária (Crotalaria spp.) – ação nematicida.
• Coentro (Coriandrum
sativum) – ação repelente. Tem-se observado redução significativa de frutos de
tomateiro perfurados por insetos quando associado a plantios de coentro.
• Arruda (Ruta
graveolens) – ação repelente. Evita a lagarta em folhosas, como o repolho.
• Manjericão (Oncimum
basilicum) - devido ao forte odor e compostos que exala, é um repelente de
insetos.
• Gergelim (Sesamum
indicum) - cordões de contorno com gergelim oferecem excelente proteção contra
saúvas e outras formigas cortadeiras.
• Purungo ou cabaça
(Lagenaria vulgaris) - atrativo para o besourinho ou vaquinha verde-amarela
(Diabrotica speciosa). Pode ser plantado na forma de cercas-vivas ou utilizado
com seus frutos cortados e espalhados na lavoura.
• Tajujá (Cayaponia
tayuya) - atrativa para as vaquinhas.
• Geralmente, plantas
aromáticas, medicinais e condimentares são menos atacadas por pragas
constituindo, dessa forma, uma boa opção para compor canteiros na horta,
próximo as culturas. Outros exemplos dessas plantas: artemísia, alecrim, menta,
tomilho, losna, funcho, hortelã, etc.
Manutenção de plantas espontâneas
As plantas que crescem junto com as espécies
cultivadas são consideradas como invasoras ou espontâneas e não como daninhas.
Assim, como outros vegetais, elas contribuem para a cobertura e proteção do
solo, para uma reciclagem de nutrientes mais eficiente, para a melhoria das
condições físicas do solo pelo aumento dos níveis de matéria orgânica, para o
rompimento de camadas compactadas e, entre outros benefícios, para
diversificação do ambiente. Essas espécies devem ser manejadas adequadamente
para que permitam o convívio sem prejuízos para a cultura de interesse
econômico. Recomenda-se a capina em faixas, de forma a evitar a presença das
ervas próximas à cultura de interesse comercial, deixando-se uma estreita faixa
de vegetação nas entrelinhas de plantio. Em culturas como berinjela, jiló,
abóbora, quiabo e outras se deve proceder somente ao coroamento das plantas e
realizar roçadas leves no restante da área. No caso de hortaliças de canteiro,
recomenda-se capinas nos momentos críticos apenas nos leitos de semeadura,
preservando-se a vegetação dos carreadores ou apenas roçando-a quando estiver
dificultando os tratos culturais.
O controle de invasoras tem sido feito com o emprego de práticas mecânicas como
aração, gradagem, cultivos, roçadas, amontoas e capinas manuais, conforme a
necessidade de redução das invasoras e, ainda, com o uso de plantas com efeitos
alelopáticos, adubação verde, cobertura morta, cobertura viva, rotação e a
consorciação de culturas.
Fig. 10. O cravo de defunto (Tagetes
sp.) e outras plantas têm propriedades repelentes ou atrativas e devem ser
cultivadas no sistema orgânico. (Foto: Gilmar Henz)
Fig. 11.
No sistema orgânico, a manutenção das plantas espontâneas contribuem para a
cobertura e proteção do solo.(Foto:
Francisco Resende)
Cultivo de hortaliças sem canteiros
Para algumas hortaliças é possível evitar o
uso de canteiros fazendo o plantio em covas ou sulcos e até mesmo plantio
direto sobre palhadas. Sabe-se que nos solos tropicais e subtropicais a
decomposição da matéria orgânica pode ser acelerada com o excesso de
revolvimento, reduzindo seu teor. Assim, o preparo do solo deve ser evitado ou
minimizado sempre que possível. Recomenda-se o uso de canteiros
semidefinitivos, restringindo ao máximo a entrada de máquinas nas áreas de
cultivo. Desta forma, seguindo os princípios já mencionados da rotação de
culturas, após o preparo e da adubação inicial do solo, cultiva-se uma sucessão
de hortaliças progressivamente menos exigente em nutrientes, sem que haja
necessidade de refazer os canteiros. Quando necessário, pode-se complementar a
adubação inicial com aplicações em cobertura, fazendo-se apenas uma leve
incorporação superficial.
Comitê de Presidente:
Gilmar P. Henz
Publicações
Editor Técnico: Flávia A. Alcântara
Membros:
Alice Maria Quezado Duval Edson Guiducci Filho Milza M. Lana
Expediente
Normalização Bibliográfica: Rosane M. Parmagnani
Editoração
eletrônica: José Miguel dos Santos
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1ª edição - 1ª
impressão (2008): 1000 exemplares
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