domingo, 10 de julho de 2016

Autores:

1.Ana Maria Resende Junqueira - Professora do Programa de Pós-Graduação em Agronegócios - Universidade de Brasília.

2.Isaac Leandro de Almeida - Mestrando em Gestão em Agronegócios pela Universidade de Brasília. Email: isaac_leandro@hotmail.com

Universidade de Brasília, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Programa de Pós-Graduação em Agronegócios

Artigo publicado na revista Cultivar, em 17/11/2010: http://www.grupocultivar.com.br/

1. Introdução

Nesse artigo objetivou-se fazer um breve estudo sobre a importância da produção de hortaliças na manutenção da segurança alimentar. Buscou-se valorizar a importância da agricultura familiar na produção de olerícolas e explanar a possibilidade da utilização da produção orgânica na olericultura familiar, além de ressaltar a relevância da utilização de mecanismos de certificação e selos no processo produtivo dos produtos orgânicos, em especial, na olericultura familiar orgânica.

Se, por um lado, a relevância da olericultura, enquanto atividade econômica, é reconhecida por sua importância social, gerando emprego e renda, especialmente para o segmento da olericultura familiar, por outro lado, as hortaliças orgânicas ganham cada vez mais espaço no Brasil - graças à diversidade de espécies à disposição dos consumidores e à melhoria da qualidade dos produtos ofertados e principalmente à promoção de uma alimentação mais balanceada e saudável.

Não é por outro motivo que durante as últimas décadas a discussão sobre a agricultura familiar tem ganhado força. Os debates sobre desenvolvimento sustentável, geração de emprego e renda, segurança alimentar, desenvolvimento local e saúde têm a cada dia alcançado um número maior de estudiosos e se alicerçado na demandas sociais.

2. Importância da Horticultura para Segurança Alimentar

A necessidade de se alimentar convenientemente é uma necessidade humana primária que remonta à origem da humanidade. Essa é a condição essencial para toda a atividade humana e qualquer definição ou processo de desenvolvimento deve integrá-la e/ou realizá-la plenamente. Nesse sentido, o conceito de segurança alimentar tem evoluído ao longo do tempo, mas tem sempre por base uma preocupação de certezas e/ou incertezas no que se refere ao acesso ao alimento em quantidade e qualidade adequada à vida saudável do homem. Contudo, o conceito de segurança alimentar preconiza a realização do direito que todos têm de alcançar regular e permanentemente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, as quais respeitam a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis, conforme SILVA (2009).

Para as políticas de desenvolvimento, as questões referentes à segurança alimentar devem ser encaradas como fator de extrema relevância, principalmente no que diz respeito ao setor de produção agropecuária. Este tipo de preocupação, embora com enfoques diferentes, é comum aos países desenvolvidos e, mormente, aos países menos desenvolvidos. A questão de segurança alimentar engloba duas perspectivas em função da localização das regiões em análise. O contraste entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é bastante acentuado também na questão alimentar. Para os primeiros, enfrentá-la foi um componente decisivo na conformação dos seus padrões de desenvolvimento, hoje caracterizada pela auto-suficiência produtiva agroalimentar e pela pequena importância dos problemas de acesso da população aos mesmos. Para os países em desenvolvimento, a preocupação com a segurança alimentar está mais voltada para a estabilidade no abastecimento e manutenção dos estoques estratégicos dos alimentos básicos, do que com programas institucionais destinados aos seguimentos mais débeis (MALUF et al, 1996).

Diante disso, é comum os países menos desenvolvidos utilizarem o conceito de segurança alimentar da maneira mais ampla ou “primitiva”, ou seja, o acesso físico e econômico das pessoas aos alimentos e a capacidade de satisfação das necessidades básicas do ser humano em quantidade e qualidade adequada. Haja vista que a alimentação inadequada ainda é um flagelo presente em muitas regiões do mundo, com conseqüências diretas e indiretas para a saúde e para a vida social.

Destarte, é extremamente importante identificar falhas no consumo alimentar e assim considerar soluções para corrigir essas deficiências. É nesse sentido, então, que a horticultura é vista como meio importante de melhorar as condições de vida da população e de promover a segurança alimentar e nutricional. Logo observa-se que os governos podem e devem exercer um papel importante tanto no estimulo como no aumento da produção, na melhoria da infraestrutura de distribuição e principalmente no que diz respeito à educação alimentar e nutricional.

Tamanha é a importância das hortaliças na alimentação, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) coloca o baixo consumo de hortifrutícolas como um dos dez principais fatores de risco para a mortalidade e morbilidade no mundo. De acordo com Silva (2009), estima-se que o baixo consumo de hortifrutícolas seja responsável por cerca de 19% dos cancros gastrointestinais, 31% da doença cardiovascular isquêmica e por 11% dos enfartes do miocárdio, e que potencialmente mais de 2,7 milhões de vidas podiam ser salvas todos os anos se cada pessoa consumisse porções adequadas de frutas, legumes e verduras (FLV).

E apesar de todas as evidências relacionadas ao consumo de hortifrutícolas, o consumo desses alimentos é significativamente inferior ao recomendado (80 kg de FLV por habitante por ano). E isso ocorre tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. Não é por outro motivo que a segurança alimentar coloca esse grupo de frutas e hortaliças como fonte mais acessível e sustentável de vitaminas, minerais, macro e micronutrientes, além de outros componentes indispensáveis para atividades orgânicas.

Assim, o aumento da produção e consumo de hortifrutícolas revela-se como a forma direta e de menor custo para melhorar a dieta alimentar da população dos países mais pobres. No entanto, esse aumento só pode ser oriundo da educação alimentar e vir através de incentivos do governo no sentido de atender à segurança alimentar local.

3. Agricultura Familiar

Devido à grande complexidade do universo agrário – sobre os aspectos das diferenças entre os tipos de agricultores, sobre os aspectos econômicos, sociais e culturais – é extremamente difícil definir a agricultura, principalmente, a agricultura familiar. Há múltiplas metodologias, critérios e variáveis para construir diversas tipologias de produtores.

Apesar da abordagem sobre a agricultura familiar, não foi o intuito principal desse trabalho o aprofundamento sobre a definição desse termo. De uma maneira simples, utilizou-se o termo assim como utilizado por Guanziroli e Cardim (2000) e Guanziroli et al. (2001). Nesta definição, o universo de produtores familiares é caracterizado como aquele que o produtor dirige sua produção e o trabalho familiar do estabelecimento é superior ao trabalho contratado. Por mais que se saiba que essa não é uma definição unânime (e tampouco muito operacional), é perfeitamente compreensível. Deve-se levar em consideração que os diferentes setores sociais e suas representações constroem categorias científicas que servirão a certas finalidades práticas e que a definição de agricultura familiar pode não ser exatamente a mesma daquela estabelecida para estudos acadêmicos sociais.

A concepção que prioriza a agricultura familiar como unidade de análise centra-se nos estudos da FAO/Incra (1994), que divide a exploração agrícola em modelo patronal e familiar (Quadro 1) e do estabelecimento do Programa Nacional de Produção Familiar (Pronaf) (MARAFON e RIBEIRO, 2006)

A renda total por estabelecimento apresenta a grande diferença entre os agricultores familiares e os patronais, assim como entre os agricultores da mesma região. A renda total média, em toda parte, dos agricultores patronais, é superior à dos familiares. No entanto, quando se considera a renda total por unidade área, os resultados da agricultura familiar são superiores aos dos estabelecimentos patronais em todas as regiões do país. Com relação à terra, 75% dos produtores familiares brasileiros são proprietários (MACHADO e SILVA, 2004).

Segundo o Censo Agropecuário 1995/96 (GUANZIROLI e CARDIM, 2000) existem no Brasil 4.859.864 estabelecimentos rurais ocupando uma área de 353,6 milhões de hectares. Os agricultores familiares representam, portanto, 85,2% do total de estabelecimentos e ocupam 30,5% da área total, além de serem responsáveis por 37,9% do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional, recebendo apenas 22,3% do financiamento destinado à agricultura. Existe ainda grande diferenciação entre agricultores familiares e patronais, sendo a renda patronal (19.085 reais) muito superior à encontrada entre os familiares (2.717 reais). A Renda total média por estabelecimento familiar foi de 2.717,00 reais, variando entre 1.159 reais/ano no nordeste e 5.152 reais/ano na região Sul. A Renda Total por hectare demonstra que a agricultura familiar é mais eficiente que a patronal, produzindo uma média de 104 reais/ha/ano.

Vale ressaltar que se optou por usar o Censo Agropecuário de 1995/6, porque essa pesquisa define agricultura familiar da mesma maneira que foi abordado neste trabalho. Em relação à ocupação pessoal, a agricultura familiar é a principal geradora de posto de trabalho no meio rural brasileiro. Mesmo dispondo de 30% da área, é responsável por 76,9% do Pessoal Ocupado. Os agricultores familiares são responsáveis por 16,8% do total de empregados permanentes contratados no Brasil, enquanto que os patronais são responsáveis por 81,7%.

Este segmento familiar tem um papel crucial na economia das pequenas cidades - 4.928 municípios têm menos de 50 mil habitantes e destes, mais de quatro mil têm menos de 20 mil habitantes. Estes produtores e seus familiares são responsáveis por inúmeros empregos no comércio e nos serviços prestados nas pequenas cidades. A melhoria de renda deste segmento por meio de sua maior inserção no mercado tem impacto importante no interior do país e por conseqüência nas grandes metrópoles. Esta inserção no mercado ou no processo de desenvolvimento depende de tecnologia e condições político-institucionais, representadas por acesso a crédito, informações organizadas, canais de comercialização, transporte, energia, dentre outros (PORTUGAL, 2004).

Do mesmo modo, os investimentos realizados na agricultura são inferiores para os produtores familiares. Dos investimentos realizados, a agricultura familiar é responsável por 32% e os patronais por 66,1% do total. Entretanto, os investimentos por hectare realizados pelos produtores familiares são mais elevados que os patronais: R$ 23,50/ha e R$ 21,30/ha, respectivamente. Os principais destinos dos investimentos realizados pelos agricultores familiares são a formação de novas plantações e a compra de animais, seguidas de máquinas e benfeitorias e compra de terras (MACHADO e SILVA, 2004).

O desafio é maior se for considerada a diversidade de situações. Quando se analisa o cenário em que se insere a agricultura familiar observa-se que os problemas são diferentes para cada região, estado ou município. No Norte há dificuldades de comercialização pela distância dos mercados consumidores e esgotamento da terra nas áreas de produção. No Nordeste são minifúndios inviáveis economicamente. No Sudeste é a exigência em qualidade e salubridade dos produtos por parte dos consumidores. No Sul é a concorrência externa de produtos do MERCOSUL (PORTUGAL, 2004).

Mesmo assim, é possível observar atualmente nas prateleiras dos supermercados uma grande diversidade de produtos oriundos da agricultura familiar, com marca própria e registro nos órgãos oficiais de defesa sanitária. São várias as Associações que procuram atingir padrões de qualidade e alcançar nichos de mercado.

4. Participação da Agricultura Familiar na Produção de Hortaliças

O Brasil é o terceiro maior produtor de frutas, legumes e verduras (FLV) do mundo, cujo valor de produção foi de R$19 bilhões em 1999, próximo à soma da produção dos principais grãos. Esse mercado possui ainda uma perspectiva de crescimento muito mais favorável do que os grãos. Em termos de consumo per capita, o Brasil consome 19kg/hab./ano de FLV, na Europa este consumo, em alguns países, chega a 120kg/hab./ano. Tal fato evidencia o potencial do mercado interno brasileiro. A olericultura - tanto comercial como de subsistência - tem um importante papel na atividade agrícola familiar, contribuindo para o seu fortalecimento e garantindo sua sustentabilidade (FAULIN e AZEVEDO, 2003).

No Estado de São Paulo, por exemplo, apesar de terem participação de apenas 1% na área total cultivada com as principais culturas, as olerícolas respondem por cerca de 9% do total da demanda da força de trabalho agrícola (DEL GROSSI e SILVA, 2002a). Esse fato, pelo ponto de vista econômico, é muito importante já que permite uma renda relativamente constante à família produtora de hortaliças e, pelo ponto de vista social, permite a ocupação dos membros da família em uma mesma atividade durante todos os períodos produtivos, o que garante a lida no mesmo lugar de moradia e a manutenção das relações familiares.

Ainda diante desse quadro, torna-se importante salientar que devido à demanda e à produção constante dessa atividade (menos dependente de longos ciclos produtivos) a mão-de-obra do estabelecimento não passa por oscilações severas. Afinal, para esse tipo de produção, praticamente todos os dias são dias para o preparo da terra, para o plantio, para a colheita, para o controle de pragas, dentre outras atividades. Além do mais, em função da maior exigência por mão-de-obra na olericultura (principalmente a orgânica) as ações públicas destinadas a promover os sistemas orgânicos têm maior receptividade junto aos produtores familiares, resultando em número maior de ocupações e, sobretudo, melhor renda para os membros da família ou contratados.

As principais vantagens na aquisição de hortaliças de agricultores familiares são a alta qualidade dos produtos e os baixos preços praticados. Entretanto, na época da chuva, os produtores familiares têm a qualidade dos produtos reduzida e dificuldades para manter a regularidade de entrega, o que contraria as principais exigências das empresas varejistas.

5. Novas Alternativas para a Olericultura Familiar: Produção Alternativa para um Mercado Alternativo

As tendências recentes do sistema agroalimentar caracterizam-se principalmente pelas tendências de processos de diferenciação no consumo dos alimentos, cujos reflexos vão até as etapas da produção agrícola. Gradativamente, a valorização de produtos com atributos diferenciados de qualidade cria novas oportunidades de mercado, muitas das quais, acessíveis aos diversos agricultores. As novas oportunidades incluem desde a inserção desses agricultores em mercados de nicho nacionais e internacionais, nos mercados com denominação de origem e nos mercados orgânicos, até o aprimoramento dos circuitos regionais de produção, distribuição e consumo de alimentos.

As novas possibilidades de inserção da agricultura familiar nos mercados agroalimentares com base em estratégias autônomas requerem uma ótica de “construção de mercados” adequada à realidade dos agentes econômicos de pequeno porte (MALUF e WILKISON, 1999). Ao se considerarem os mercados como resultado de construção social, elementos tais como os processos que levam a construção do próprio valor dos produtos; as relações que se estabelecem entre os agentes econômicos (produtivos, comerciais e financeiros) e a instituição de formas associativas unindo produtores ganham importância.

A agricultura familiar mantém vínculos simultâneos de distintos tipos com os mercados de produtos agroalimentares em razão do seu perfil produtivo diversificado. Assim, a reprodução das unidades familiares rurais baseia-se no conjunto das atividades produtivas por elas desenvolvidas e nos vínculos com os mercados que lhes são correspondentes. Há sempre que mencionar a parcela da produção que é destinada ao autoconsumo, importante componente da reprodução dessas famílias (da sua segurança alimentar). No que se refere aos fatores “dentro da porteira”, as opções de estratégia de inserção nos distintos mercados dependem da disponibilidaddisponibilidade de recursos e implicam distintas combinações dos recursos produtivos disponíveis no interior das unidades familiares. A essa combinação acrescentam-se as hortaliças e as frutas, que, em alguns casos, podem integrar o núcleo principal dos cultivos comerciais (MALUF, 2004). 

A estratégia sugerida nesse trabalho apóia-se, portanto, na maior agregação de valor ao produto final, através da utilização de métodos de cultivos não convencionais. Sua vantagem mais evidente está na apropriação, pelas famílias rurais, de maior parcela do valor do produto final de consumo. Contudo é importante que a estratégia voltada para o produtor familiar busque nos modelos existentes aprimorar um padrão diversificado e sustentável. Até porque a agregação de valor às matérias-primas agrícolas e as novas formas de inserção nos mercados fazem-se, em geral, de forma gradativa, sem romper, imediatamente, as relações comerciais preexistentes. 

Cada vez mais nota-se a presença de produção vegetal em sistemas protegidos e utilizando métodos alternativos como ocorre nas estufas e na produção hidropônica. A produção rural tem buscado novos fôlegos e nichos de mercado com pouca ou nenhuma exploração. Principalmente a agricultura familiar que encontrou muitas vezes entre os produtos orgânicos, os artesanais, no turismo ou em outras atividades não-agrícolas motivos para se multiplicar e fortalecer. 

Nesse sentido uma abordagem alternativa seria direcionar esses produtores para culturas de maior valor agregado, fora do segmento de commodities, cujos mercados ainda não estão tão bem organizados, como, por exemplo, o de algumas plantas medicinais, de fontes de corantes ou nutrientes naturais, de plantas aromáticas ou condimentares, certas frutas e hortaliças, cujas tecnologias de produção, mesmo as mais modernas, ainda são relativamente intensivas em mão-de-obra e se prestam à aplicação em escalas reduzidas de cultivo (VIEIRA, 1997). 

Ou seja, direcionar ainda mais esse segmento para atividades agropecuárias, ou a elas relacionadas, que permitissem algum grau de diferenciação de produtos ou sua associação a marcas. E nesse caso se enquadrariam, por exemplo, produtos agropecuários com atributos específicos para determinadas aplicações, como vegetais tecnologicamente adequados para conservas, frutas e hortaliças de maior resistência e vida útil, produtos orgânicos e outros. 

O expressivo crescimento da olericultura familiar é resposta, então, à grande expansão e diferenciação do mercado consumidor, alavancado principalmente pelas novas tendências de consumo. Houve nessas transformações mercadológicas (culturais, sociais, educacionais, legais), por exemplo, a aparição das redes fast food, da comida congelada, dos alimentos liofilizados e muitos outros. Além da grande manutenção daqueles mecanismos comerciais já existentes, como por exemplo, as feiras, os mercados, os supermercados e os demais. Esses que embora possam se auto-abastecer por meio de produção integrada, geralmente estabelecem parcerias com os agricultores. Segundo Del Grossi e Silva (2002a), essa relação dos agricultores com as redes de supermercado e de fast food, além do fornecimento para sofisticados hotéis e restaurantes, acaba por determinar mudanças na forma de produzir e comercializar esses produtos. 

Para se ter uma ideia, os estudos de Belik e Chaim (2002 apud FAULIN e AZEVEDO, 2003) informam que um supermercado de porte médio reserva 10,5% da sua área de venda para os hortifrutícolas, contribuindo com 7,5% do seu faturamento anual. Na França, a contribuição das frutas, legumes e ver-duras (FLV) no faturamento das lojas é de 4% a 6% para os hipermercados e de 10% a 12% para os supermercados. Esse aumento de impor¬tância tem feito com que os supermercados se preocupem mais com a qualidade dos produtos, não apenas com a aparência, mas também com o sabor e seus valores nutricionais. 

Já se nota, ainda que de maneira incipiente, que as empresas que atendem às novas demandas apresentam investimentos significativos em qualidade e apresentam um grande aumento na competição por esse segmento do mercado. Além do mais, dentro dos “novos” grupos de consumidores identificam-se subgrupos importantes, influenciados por costumes étnicos ou regionais, cuja demanda por alimentos tem significativas ligações com traços culturais específicos, e que além dos produtos da indústria de âmbito nacional, consomem produtos diferenciados, geralmente oferecidos por agroindústrias alimentícias de âmbito local ou regional. Ainda nesse sentido, Vieira (1997) faz previsões de que uma influência que deve crescer de importância nos próximos anos diz respeito à ação de entidades de proteção ao consumidor, que trabalham levantando e disseminando informações sobre características de segurança e qualidade de produtos. 

No entanto, deve-se levar em consideração que uma característica importante do mercado de alimentos é a não aceitação de mudanças rápidas ou radicais na forma dos produtos. A modernização e as mudanças mais profundas, em busca de maior produtividade e qualidade, acontecem nos processos de produção, na apresentação e embalagens dos produtos e nos processos gerenciais das empresas. As alterações no produto em si, tais como novas formulações ou outras mudanças nas características sensoriais, são operadas lentamente e com muita cautela (VIEIRA, 1997). 

Contudo, há uma maior diversificação da produção de olerícolas para garantir um melhor atendimento aos novos grupos de consumidores, um melhor abastecimento e uma maior receita. Também ocorrem mudanças nos sistemas de produção, com a introdução da hidropônica e do cultivo orgânico, por exemplo. Outra mudança importante diz respeito ao processamento das olerícolas e sua comercialização na forma de saladas ou produtos individuais prontos para o consumo, cujos preços chegam a ser 30% maiores que o produto in natura, constituindo-se num meio de agregação de valor para os agricultores, bem como de criação de empregos (DEL GROSSI e SILVA, 2002a). 

Essas novas possibilidades de geração de renda – conforme sugerido por Del Grossi e Silva (2002b) no “O Novo Rural”, tem como uma de suas características um conjunto de “novas” atividades agropecuárias, localizadas em nichos especiais de mercados. Quando esses autores utilizaram o termo ‘nova’, colocaram-no entre aspas justamente porque muitas dessas atividades, na verdade, são seculares no país, mas não tinham, até recentemente, importância econômica. Eram atividades de "fundo de quintal", hobbies pessoais ou pequenos negócios agropecuários intensivos (piscicultura, horticultura, floricultura, fruticultura de mesa, criação de pequenos animais e outros) que foram transformados em importantes alternativas de emprego e renda no meio rural nos anos mais recentes. 

Ainda nesse sentido é importante ressaltar Van Der Ploeg (2009) que toma o exemplo da disseminação da agricultura familiar na Europa, onde essa vem sendo, recentemente, fortalecida pelo processo de recampesinização. Deve-se eliminar, contudo, a idéia de que a agricultura familiar (camponesa, segundo o autor) seja atrasada, sendo que isso também não é obstáculo para o desenvolvimento e a mudança, mas pode ser um excelente ponto de partida para tanto. 

A característica fundamental do modo camponês, de acordo com Van Der Ploeg (2009), é ser orientado para a produção e para o aumento de valor agregado. O crescimento se realiza, no plano da unidade de produção, com base o processo do trabalho. O crescimento é realizado em ciclos prévios, ou no próprio ciclo corrente, e é chamado de “crescimento autônomo – orgânico”. Uma importante conseqüência do modo de produção camponês é que ele produz um crescimento contínuo do valor agregado, sobretudo, do valor agregado cultural. 

Nesse sentido, nota-se que boa parte dos agricultores tem começado a diversificar suas atividades a partir da efetivação de uma série de alternativas: novos produtos (e serviços) são produzidos, com criação simultânea de novos mercados e novos circuitos mercantis; distanciamento em relação aos principais mercados de insumos; reconexão da agricultura com a natureza; pluriatividade; novas formas de cooperação local e reintrodução do artesanato. Sendo que essa reintrodução está associada ao desenvolvimento e à implementação de uma nova geração de tecnologias baseadas na habilidade técnica e resulta na produção de inovações. Essas tendências de desenvolvimento são resumidas, por Van der Ploeg (2009), como desenvolvimento rural ou criação de multifuncionalidade (recampesinização). 

Muitas dessas atividades, antes pouco valorizadas e dispersas, hoje assumem importantes fontes de renda para valorização e fortalecimento da agricultura familiar, caso da produção de hortaliças sem uso de fertilizantes químicos e defensivos, com um valor agregado ancorado na sustentabilidade e na saúde. 

6. Produção Orgânica de Hortaliças 

A agricultura orgânica representa uma oportunidade de valorização da produção agrícola, principalmente de hortaliças, uma vez que existe demanda por esses produtos frescos, em particular nas grandes cidades. A agregação de valor que o sistema de produção acrescenta a esses produtos estimula a expansão da produção e garante a inserção em novos nichos de mercado. No entanto não basta ser orgânico para ter qualidade, o produto tem que ser um alimento com qualidade, isto é, no mínimo saudável - alimento sem resíduos de agrotóxicos, sem aditivos químicos (muito usados nos alimentos industrializados) e também sem contaminações microbiológicas prejudiciais a saúde humana. Por isso, de uma maneira geral, nota-se uma tendência em consumir alimentos frescos (“in natura”) e, sempre que possível, produzidos de forma orgânica. 

A produção orgânica de hortaliças é uma atividade que demanda recursos financeiros relativamente baixos, sobretudo para a produção familiar. Neste caso, os principais fatores limitantes são a falta de conhecimento técnico e a dificuldade de certificação do produto. Contudo, torna-se relevante destacar que, além de produção qualificada de alimentos, o agricultor e sua família promoverão a utilização sustentável da propriedade e ainda terão uma alimentação equilibrada, variada e garantida. Isso permite um auto-abastecimento do estabelecimento e gera um excedente que será comercializado a um preço mais favorável ao produtor. 

Dentre os vários aspectos que interferem a conversão da agricultura convencional para a orgânica estão os aspectos econômicos, políticos e sociais. Os quais precisam ser considerados quando o assunto é uma produção em maior escala. As dificuldades de mercado junto às perdas iniciais de produtividade (devido ao tempo para recondicionamento do solo) geram incertezas que por fim desestimulam uma maior receptividade da maioria dos agricultores - mesmo considerando os preços melhores que os consumidores estão dispostos a pagar. 

É evidente que historicamente, os primeiros movimentos ligados à agricultura orgânica no Brasil sempre estiveram relacionados à produção de hortigranjeiros. O chamado segmento de FLV (frutas, legumes e verduras) frescos, principalmente hortaliças (legumes e verduras). 

Em relação à comercialização de hortaliças orgânicas, ela teve origem em dois sistemas principais: as feiras livres e a entrega de cestas à domicílio que, apesar do sucesso inicial, têm representado dificuldades para a expansão da olericultura orgânica para um grande número de agricultores. Diante desse quadro, os supermercados aparecem cada vez mais como um caminho para uma efetiva expansão desse mercado. No Brasil, seguindo uma tendência mundial, grandes redes de supermercados têm mostrado interesse crescente nesses produtos, que é para muitos agricultores orgânicos uma importante alternativa para comercialização de seus produtos (AMARAL, 1996 e MEIRELLES, 1997 apud ASSIS e ROMERO, 2007). 

Para se ter uma ideia da importância que esse setor pode trazer à agricultura familiar, segundo pesquisa feita pelo Instituto Gallup (1996) na cidade de São Paulo sobre o mercado de legumes e verduras (LV) orgânicos, há um enorme potencial de crescimento desse mercado, já que os compradores desses produtos possuem consciência dos problemas de contaminação das hortaliças produzidas com agrotóxicos. A mesma pesquisa coloca ainda que a grande maioria prefere hortaliças orgânicas e admitem pagar de 20% a 30% mais caro por isso, desde que a venda seja feita em condições atraentes e garantidas. 

Para se ter uma noção da importância e da evolução da agricultura orgânica no Brasil, do ano de 2001 ao ano de 2003 houve um crescimento na área planta de mais de 210%. Ou seja, no ano de 2001 a área plantada era apenas de 270.000 hectares enquanto que em 2003 ultrapassava o 840.000 hectares (Figura 1). E a distribuição dessa produção, neste ano, se fazia da seguinte forma: Sudeste 60%; Sul 25%; Nordeste 9%; Centro-Oeste 3% e Norte 3%. 

De acordo com as estatísticas apresentadas pelo SEBRAE (PEIXOTO, 2004), o Brasil é o segundo país no mundo com o maior número de propriedades com lavoura orgânica – na ocasião estudada havia cerca de 19 mil agricultores. E nestas propriedades, de 70 a 80% são agricultores familiares. É uma nação com grande potencial para esse tipo de agricultura por apresentar uma ótima localização, riqueza da biodiversidade e condições climáticas variadas para cada tipo de cultura, potencial de produção de produtos com alto valor agregado, possibilidades de verticalização da produção e principalmente pela demanda dos mercados internos e externos. Porém, há quem veja essas variações ou “faces do Brasil” como dificuldades para a padronização e organização da produção. Embora esse fato seja verdade para o estudo desses estabelecimentos familiares, há outros muito mais otimistas que vêem a diversidade como grande oportunidade. Por isso, Bellon e Abreu (2005) afirmam que o desenvolvimento da agricultura orgânica no Brasil tem múltiplas formas, além de diversos nichos de mercado ou de oportunidades de exportação. Consiste, portanto, numa prática social alternativa, que recria espaços de produção e novas relações entre produtores, mercado e consumidores. 

Entende-se que a agricultura orgânica não é somente uma forma de produção ou um método cultural, mas também um instrumento articulador de prática social. Ou seja, a agricultura orgânica funciona no sentido de renovar as relações entre produtores e consumidores e, também, estabelece interações como os agentes de certificação (públicos ou privados). A diferenciação dessa forma de organização se faz por conjunto de valores que necessitam ser caracterizados. A Agricultura Orgânica não se resume a uma substituição de fatores químicos de produção, freqüentemente qualificados de agrotóxicos ou de veneno, pelos produtores orgânicos. A atividade orgânica convida a conhecer novas formas de explorar e monitorar o solo, que podem resultar numa exploração racional dos recursos hídricos e numa efetiva aplicação das disposições legais, conforme relatam BELLON E ABREU (2005). 

7. Selos e Certificações 

Os selos e as certificações são importantes ferramentas a serem utilizados pelos produtores familiares de orgânicos, ou seja, servem para garantir e atestar a real forma de cultivo empregada durante o processo produtivo. Além de receber o amparo legal para inserção em alguns programas de governo que auxiliam de maneira relevante esse setor. 

Além da dificuldade em produzir orgânicos, o produtor encontra uma grande dificuldade na certificação. Existem diversas etapas (muitas vezes burocráticas) de reconhecimento dos orgânicos. Segundo Bellon e Abreu (2005), a primeira etapa de reconhecimento da agricultura orgânica consiste na elaboração de normas relativas à produção, transformação, identificação e certificação da qualidade de produtos vegetais e animais. De acordo com a pesquisa apresentada pelo SEBRAE (PEIXOTO 2004), no Brasil, observa-se a divisão da quantidade de certificadoras por região da seguinte forma: Sudeste 16% (15); Sul 24% (6); Nordeste 12% (3); Centro Oeste 4% (1) e a região Norte não possui certificadoras. 

No entanto, a opção de certificação em grupo permite uma considerável redução do custo de certificação, além das diversas possibilidades de certificação filiadas a associações. Conseqüentemente, seria importante que os produtores orgânicos fizessem parte de organizações ou tivessem um meio de controle que fosse capaz de imprimir confiança ou estivesse de acordo com a legislação. 

Com o intuito de alcançar nichos de mercado, com um valor mais elevado para o produto, independente dos entraves, a produção de orgânicos tem compensando o maior custo de produção. Então, a presença de "selos" certificando a origem orgânica dos produtos, tem-se tornado necessária em nossos mercados, fornecendo um enorme diferencial de competitividade desses produtos. Analiticamente a certificação de produtos abriu um amplo leque de atuação de garantia de qualidade, tanto para instituições governamentais como não governamentais, seguindo normas nacionais e até internacionais. Os certificados vão desde os orgânicos, naturais, não transgênicos, de origem regional, ou mesmo com maior apelo social, como a ausência de trabalho infantil. 

De acordo com Caldas et al. (2007), a lógica de atuação das empresas certificadoras, que funcionam atualmente nos mercados de produtos agropecuários, mostra-se invariavelmente refratária à realidade do agricultor familiar. As contradições decorrem, entre outros aspectos, da cobrança de taxas elevadas, da ausência de compromissos sociais e da falta de identidade com os princípios democráticos e participativos. É justamente por isso que se tenta construir em algumas situações uma proposta de certificação social e solidária que requeira uma filosofia de atuação estribada, entre outras coisas, na participação dos atores sociais em todas as etapas do processo de construção, mormente os que se orientam no intuito de forjar uma identidade enquanto produtores de artigos com um forte apelo social. 

Contudo, de nada serve as diversas tentativas sociais e os benefícios dessas estratégias se os próprios atores não tiverem consciência do processo de certificação. Os participantes devem reconhecer e se esforçarem juntos aos demais setores sociais para definir o sucesso de suas iniciativas. 

O Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento (MAPA) publicou, em junho de 2004, a Instrução Normativa nº 016/04, que altera alguns pontos da Instrução Normativa 007/99, a qual estabelece, entre outras coisas, a Declaração de Conformidade do Produtor como instrumento voltado à garantia da qualidade dos produtos orgânicos registrados no MAPA (insumos, matéria prima – grãos, cereais, carnes e bebidas), conforme relata Caldas et al. (2007). 
Para obtenção do registro junto ao MAPA, torna-se necessário que se cumpra alguns critérios de avaliação da conformidade, tais como o fato de ser membro de um grupo ou associação. Isso gera uma série de desafios a serem superados para levar a frente o processo de certificação. Dessa forma, há a possibilidade de incremento na renda e ampliação do universo de possibilidades de comercialização. Tal certificação é oriunda de uma proposta que vai muito além da garantia de um produto sem agrotóxicos, que tem como pretensão transmitir uma identidade social com diferentes formas de relação entre as pessoas e o mercado. Na prática observa-se que a certificação participativa é resultado do compromisso/confiança das famílias com o grupo envolvido. 

Certificação solidária pode ser entendida como uma iniciativa com características que permitem a auto-gestão. Gestão esta exercida e fiscalizada, durante todo o processo produtivo, pelos próprios participantes da produção. Isso garante qualidade dos produtos no sentido mais amplo, pois além de trazer melhorias para o produto final, garante qualidade econômica, social e ambiental. De acordo com Prezotto (2005), as diretrizes promocionais de mercado tendem a modelar os gostos alimentares da população que, depois da segunda guerra mundial, têm se orientado por alimentos cosmeticamente perfeitos, sem manchas e imperfeições visuais de nenhum tipo. Sendo esse um papel totalmente irrelevante a qualidade do produto. Se o agricultor não aplica determinada quantidade de pesticida na produção, por exemplo, de maçãs, não poderá lançar no mercado maçãs visualmente perfeitas e não obterá o máximo preço possível. 

Na ansiedade por convencer os consumidores a comprar determinada mercadoria e na ausência de mecanismos claros e precisos de controle, um produto de boa aparência e praticidade e com boa estratégia de marketing, mas de qualidade duvidosa quanto à sanidade, à higiene e à pureza química, por exemplo, pode passar uma imagem enganosa aos consumidores. No entanto, um produto de qualidade ampla, além de atender a critérios pré-estabelecidos pelo mercado, deve contemplar o caráter de desenvolvimento e de inclusão social que contribua para a formação da cidadania. Deve ser bem mais que um produto bonito ou sadio, precisa trazer qualidade também para aqueles que participam do processo produtivo, conforme relata Prezotto (2005). 

Essa certificação é oriunda de uma proposta que vai muito além da garantia de um produto sem agrotóxicos, que tem como pretensão transmitir uma identidade social com diferentes formas de relação entre as pessoas e o mercado. Na pratica observa-se que a certificação participativa é resultado do compromisso/confiança das famílias com o grupo envolvido. 

Considerações Finais 

Durante muitas décadas tem sido possível constatar a importância da agricultura familiar para produção de hortaliças e para manutenção da segurança alimentar. Por maior que sejam as variações e diversidades da agricultura familiar no território nacional, observa-se que as tendências de mercado abrem um espaço significativo para a entrada da produção orgânica. Mercado esse transformado e alternativo que tem dado muita importância à qualidade, diversidade, sustentabilidade e saúde. Assim sendo, diante das características específicas da agricultura familiar, da olericultura e, sobretudo, da produção orgânica, torna-se possível traçar expectativas de agregação de valor e melhorias na renda para um setor que tem enfrentado dificuldades no Brasil - o setor agrícola familiar. 

Como forma de suprir as deficiências das diferentes categorias socioeconômicas vê-se que a agricultura orgânica tem um papel extremamente relevante no processo de construção de valor agregado. Segundo Assis e Romero (2007), no caso da olericultura orgânica especificamente, não se observam diferenças marcantes entre produção familiar e não-familiar no que tange à interação com o mercado e o acesso a informações. É nesse sentido, então, que se sugere a horticultura orgânica como forma de produção alternativa para a agricultura familiar. 


Ferreira On 7/10/2016 02:21:00 PM Comentarios LEIA MAIS

domingo, 10 de julho de 2016

A participação da agricultura familiar na produção de hortaliças e o mercado dos orgânicos

Autores:

1.Ana Maria Resende Junqueira - Professora do Programa de Pós-Graduação em Agronegócios - Universidade de Brasília.

2.Isaac Leandro de Almeida - Mestrando em Gestão em Agronegócios pela Universidade de Brasília. Email: isaac_leandro@hotmail.com

Universidade de Brasília, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Programa de Pós-Graduação em Agronegócios

Artigo publicado na revista Cultivar, em 17/11/2010: http://www.grupocultivar.com.br/

1. Introdução

Nesse artigo objetivou-se fazer um breve estudo sobre a importância da produção de hortaliças na manutenção da segurança alimentar. Buscou-se valorizar a importância da agricultura familiar na produção de olerícolas e explanar a possibilidade da utilização da produção orgânica na olericultura familiar, além de ressaltar a relevância da utilização de mecanismos de certificação e selos no processo produtivo dos produtos orgânicos, em especial, na olericultura familiar orgânica.

Se, por um lado, a relevância da olericultura, enquanto atividade econômica, é reconhecida por sua importância social, gerando emprego e renda, especialmente para o segmento da olericultura familiar, por outro lado, as hortaliças orgânicas ganham cada vez mais espaço no Brasil - graças à diversidade de espécies à disposição dos consumidores e à melhoria da qualidade dos produtos ofertados e principalmente à promoção de uma alimentação mais balanceada e saudável.

Não é por outro motivo que durante as últimas décadas a discussão sobre a agricultura familiar tem ganhado força. Os debates sobre desenvolvimento sustentável, geração de emprego e renda, segurança alimentar, desenvolvimento local e saúde têm a cada dia alcançado um número maior de estudiosos e se alicerçado na demandas sociais.

2. Importância da Horticultura para Segurança Alimentar

A necessidade de se alimentar convenientemente é uma necessidade humana primária que remonta à origem da humanidade. Essa é a condição essencial para toda a atividade humana e qualquer definição ou processo de desenvolvimento deve integrá-la e/ou realizá-la plenamente. Nesse sentido, o conceito de segurança alimentar tem evoluído ao longo do tempo, mas tem sempre por base uma preocupação de certezas e/ou incertezas no que se refere ao acesso ao alimento em quantidade e qualidade adequada à vida saudável do homem. Contudo, o conceito de segurança alimentar preconiza a realização do direito que todos têm de alcançar regular e permanentemente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, as quais respeitam a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis, conforme SILVA (2009).

Para as políticas de desenvolvimento, as questões referentes à segurança alimentar devem ser encaradas como fator de extrema relevância, principalmente no que diz respeito ao setor de produção agropecuária. Este tipo de preocupação, embora com enfoques diferentes, é comum aos países desenvolvidos e, mormente, aos países menos desenvolvidos. A questão de segurança alimentar engloba duas perspectivas em função da localização das regiões em análise. O contraste entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é bastante acentuado também na questão alimentar. Para os primeiros, enfrentá-la foi um componente decisivo na conformação dos seus padrões de desenvolvimento, hoje caracterizada pela auto-suficiência produtiva agroalimentar e pela pequena importância dos problemas de acesso da população aos mesmos. Para os países em desenvolvimento, a preocupação com a segurança alimentar está mais voltada para a estabilidade no abastecimento e manutenção dos estoques estratégicos dos alimentos básicos, do que com programas institucionais destinados aos seguimentos mais débeis (MALUF et al, 1996).

Diante disso, é comum os países menos desenvolvidos utilizarem o conceito de segurança alimentar da maneira mais ampla ou “primitiva”, ou seja, o acesso físico e econômico das pessoas aos alimentos e a capacidade de satisfação das necessidades básicas do ser humano em quantidade e qualidade adequada. Haja vista que a alimentação inadequada ainda é um flagelo presente em muitas regiões do mundo, com conseqüências diretas e indiretas para a saúde e para a vida social.

Destarte, é extremamente importante identificar falhas no consumo alimentar e assim considerar soluções para corrigir essas deficiências. É nesse sentido, então, que a horticultura é vista como meio importante de melhorar as condições de vida da população e de promover a segurança alimentar e nutricional. Logo observa-se que os governos podem e devem exercer um papel importante tanto no estimulo como no aumento da produção, na melhoria da infraestrutura de distribuição e principalmente no que diz respeito à educação alimentar e nutricional.

Tamanha é a importância das hortaliças na alimentação, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) coloca o baixo consumo de hortifrutícolas como um dos dez principais fatores de risco para a mortalidade e morbilidade no mundo. De acordo com Silva (2009), estima-se que o baixo consumo de hortifrutícolas seja responsável por cerca de 19% dos cancros gastrointestinais, 31% da doença cardiovascular isquêmica e por 11% dos enfartes do miocárdio, e que potencialmente mais de 2,7 milhões de vidas podiam ser salvas todos os anos se cada pessoa consumisse porções adequadas de frutas, legumes e verduras (FLV).

E apesar de todas as evidências relacionadas ao consumo de hortifrutícolas, o consumo desses alimentos é significativamente inferior ao recomendado (80 kg de FLV por habitante por ano). E isso ocorre tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. Não é por outro motivo que a segurança alimentar coloca esse grupo de frutas e hortaliças como fonte mais acessível e sustentável de vitaminas, minerais, macro e micronutrientes, além de outros componentes indispensáveis para atividades orgânicas.

Assim, o aumento da produção e consumo de hortifrutícolas revela-se como a forma direta e de menor custo para melhorar a dieta alimentar da população dos países mais pobres. No entanto, esse aumento só pode ser oriundo da educação alimentar e vir através de incentivos do governo no sentido de atender à segurança alimentar local.

3. Agricultura Familiar

Devido à grande complexidade do universo agrário – sobre os aspectos das diferenças entre os tipos de agricultores, sobre os aspectos econômicos, sociais e culturais – é extremamente difícil definir a agricultura, principalmente, a agricultura familiar. Há múltiplas metodologias, critérios e variáveis para construir diversas tipologias de produtores.

Apesar da abordagem sobre a agricultura familiar, não foi o intuito principal desse trabalho o aprofundamento sobre a definição desse termo. De uma maneira simples, utilizou-se o termo assim como utilizado por Guanziroli e Cardim (2000) e Guanziroli et al. (2001). Nesta definição, o universo de produtores familiares é caracterizado como aquele que o produtor dirige sua produção e o trabalho familiar do estabelecimento é superior ao trabalho contratado. Por mais que se saiba que essa não é uma definição unânime (e tampouco muito operacional), é perfeitamente compreensível. Deve-se levar em consideração que os diferentes setores sociais e suas representações constroem categorias científicas que servirão a certas finalidades práticas e que a definição de agricultura familiar pode não ser exatamente a mesma daquela estabelecida para estudos acadêmicos sociais.

A concepção que prioriza a agricultura familiar como unidade de análise centra-se nos estudos da FAO/Incra (1994), que divide a exploração agrícola em modelo patronal e familiar (Quadro 1) e do estabelecimento do Programa Nacional de Produção Familiar (Pronaf) (MARAFON e RIBEIRO, 2006)

A renda total por estabelecimento apresenta a grande diferença entre os agricultores familiares e os patronais, assim como entre os agricultores da mesma região. A renda total média, em toda parte, dos agricultores patronais, é superior à dos familiares. No entanto, quando se considera a renda total por unidade área, os resultados da agricultura familiar são superiores aos dos estabelecimentos patronais em todas as regiões do país. Com relação à terra, 75% dos produtores familiares brasileiros são proprietários (MACHADO e SILVA, 2004).

Segundo o Censo Agropecuário 1995/96 (GUANZIROLI e CARDIM, 2000) existem no Brasil 4.859.864 estabelecimentos rurais ocupando uma área de 353,6 milhões de hectares. Os agricultores familiares representam, portanto, 85,2% do total de estabelecimentos e ocupam 30,5% da área total, além de serem responsáveis por 37,9% do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional, recebendo apenas 22,3% do financiamento destinado à agricultura. Existe ainda grande diferenciação entre agricultores familiares e patronais, sendo a renda patronal (19.085 reais) muito superior à encontrada entre os familiares (2.717 reais). A Renda total média por estabelecimento familiar foi de 2.717,00 reais, variando entre 1.159 reais/ano no nordeste e 5.152 reais/ano na região Sul. A Renda Total por hectare demonstra que a agricultura familiar é mais eficiente que a patronal, produzindo uma média de 104 reais/ha/ano.

Vale ressaltar que se optou por usar o Censo Agropecuário de 1995/6, porque essa pesquisa define agricultura familiar da mesma maneira que foi abordado neste trabalho. Em relação à ocupação pessoal, a agricultura familiar é a principal geradora de posto de trabalho no meio rural brasileiro. Mesmo dispondo de 30% da área, é responsável por 76,9% do Pessoal Ocupado. Os agricultores familiares são responsáveis por 16,8% do total de empregados permanentes contratados no Brasil, enquanto que os patronais são responsáveis por 81,7%.

Este segmento familiar tem um papel crucial na economia das pequenas cidades - 4.928 municípios têm menos de 50 mil habitantes e destes, mais de quatro mil têm menos de 20 mil habitantes. Estes produtores e seus familiares são responsáveis por inúmeros empregos no comércio e nos serviços prestados nas pequenas cidades. A melhoria de renda deste segmento por meio de sua maior inserção no mercado tem impacto importante no interior do país e por conseqüência nas grandes metrópoles. Esta inserção no mercado ou no processo de desenvolvimento depende de tecnologia e condições político-institucionais, representadas por acesso a crédito, informações organizadas, canais de comercialização, transporte, energia, dentre outros (PORTUGAL, 2004).

Do mesmo modo, os investimentos realizados na agricultura são inferiores para os produtores familiares. Dos investimentos realizados, a agricultura familiar é responsável por 32% e os patronais por 66,1% do total. Entretanto, os investimentos por hectare realizados pelos produtores familiares são mais elevados que os patronais: R$ 23,50/ha e R$ 21,30/ha, respectivamente. Os principais destinos dos investimentos realizados pelos agricultores familiares são a formação de novas plantações e a compra de animais, seguidas de máquinas e benfeitorias e compra de terras (MACHADO e SILVA, 2004).

O desafio é maior se for considerada a diversidade de situações. Quando se analisa o cenário em que se insere a agricultura familiar observa-se que os problemas são diferentes para cada região, estado ou município. No Norte há dificuldades de comercialização pela distância dos mercados consumidores e esgotamento da terra nas áreas de produção. No Nordeste são minifúndios inviáveis economicamente. No Sudeste é a exigência em qualidade e salubridade dos produtos por parte dos consumidores. No Sul é a concorrência externa de produtos do MERCOSUL (PORTUGAL, 2004).

Mesmo assim, é possível observar atualmente nas prateleiras dos supermercados uma grande diversidade de produtos oriundos da agricultura familiar, com marca própria e registro nos órgãos oficiais de defesa sanitária. São várias as Associações que procuram atingir padrões de qualidade e alcançar nichos de mercado.

4. Participação da Agricultura Familiar na Produção de Hortaliças

O Brasil é o terceiro maior produtor de frutas, legumes e verduras (FLV) do mundo, cujo valor de produção foi de R$19 bilhões em 1999, próximo à soma da produção dos principais grãos. Esse mercado possui ainda uma perspectiva de crescimento muito mais favorável do que os grãos. Em termos de consumo per capita, o Brasil consome 19kg/hab./ano de FLV, na Europa este consumo, em alguns países, chega a 120kg/hab./ano. Tal fato evidencia o potencial do mercado interno brasileiro. A olericultura - tanto comercial como de subsistência - tem um importante papel na atividade agrícola familiar, contribuindo para o seu fortalecimento e garantindo sua sustentabilidade (FAULIN e AZEVEDO, 2003).

No Estado de São Paulo, por exemplo, apesar de terem participação de apenas 1% na área total cultivada com as principais culturas, as olerícolas respondem por cerca de 9% do total da demanda da força de trabalho agrícola (DEL GROSSI e SILVA, 2002a). Esse fato, pelo ponto de vista econômico, é muito importante já que permite uma renda relativamente constante à família produtora de hortaliças e, pelo ponto de vista social, permite a ocupação dos membros da família em uma mesma atividade durante todos os períodos produtivos, o que garante a lida no mesmo lugar de moradia e a manutenção das relações familiares.

Ainda diante desse quadro, torna-se importante salientar que devido à demanda e à produção constante dessa atividade (menos dependente de longos ciclos produtivos) a mão-de-obra do estabelecimento não passa por oscilações severas. Afinal, para esse tipo de produção, praticamente todos os dias são dias para o preparo da terra, para o plantio, para a colheita, para o controle de pragas, dentre outras atividades. Além do mais, em função da maior exigência por mão-de-obra na olericultura (principalmente a orgânica) as ações públicas destinadas a promover os sistemas orgânicos têm maior receptividade junto aos produtores familiares, resultando em número maior de ocupações e, sobretudo, melhor renda para os membros da família ou contratados.

As principais vantagens na aquisição de hortaliças de agricultores familiares são a alta qualidade dos produtos e os baixos preços praticados. Entretanto, na época da chuva, os produtores familiares têm a qualidade dos produtos reduzida e dificuldades para manter a regularidade de entrega, o que contraria as principais exigências das empresas varejistas.

5. Novas Alternativas para a Olericultura Familiar: Produção Alternativa para um Mercado Alternativo

As tendências recentes do sistema agroalimentar caracterizam-se principalmente pelas tendências de processos de diferenciação no consumo dos alimentos, cujos reflexos vão até as etapas da produção agrícola. Gradativamente, a valorização de produtos com atributos diferenciados de qualidade cria novas oportunidades de mercado, muitas das quais, acessíveis aos diversos agricultores. As novas oportunidades incluem desde a inserção desses agricultores em mercados de nicho nacionais e internacionais, nos mercados com denominação de origem e nos mercados orgânicos, até o aprimoramento dos circuitos regionais de produção, distribuição e consumo de alimentos.

As novas possibilidades de inserção da agricultura familiar nos mercados agroalimentares com base em estratégias autônomas requerem uma ótica de “construção de mercados” adequada à realidade dos agentes econômicos de pequeno porte (MALUF e WILKISON, 1999). Ao se considerarem os mercados como resultado de construção social, elementos tais como os processos que levam a construção do próprio valor dos produtos; as relações que se estabelecem entre os agentes econômicos (produtivos, comerciais e financeiros) e a instituição de formas associativas unindo produtores ganham importância.

A agricultura familiar mantém vínculos simultâneos de distintos tipos com os mercados de produtos agroalimentares em razão do seu perfil produtivo diversificado. Assim, a reprodução das unidades familiares rurais baseia-se no conjunto das atividades produtivas por elas desenvolvidas e nos vínculos com os mercados que lhes são correspondentes. Há sempre que mencionar a parcela da produção que é destinada ao autoconsumo, importante componente da reprodução dessas famílias (da sua segurança alimentar). No que se refere aos fatores “dentro da porteira”, as opções de estratégia de inserção nos distintos mercados dependem da disponibilidaddisponibilidade de recursos e implicam distintas combinações dos recursos produtivos disponíveis no interior das unidades familiares. A essa combinação acrescentam-se as hortaliças e as frutas, que, em alguns casos, podem integrar o núcleo principal dos cultivos comerciais (MALUF, 2004). 

A estratégia sugerida nesse trabalho apóia-se, portanto, na maior agregação de valor ao produto final, através da utilização de métodos de cultivos não convencionais. Sua vantagem mais evidente está na apropriação, pelas famílias rurais, de maior parcela do valor do produto final de consumo. Contudo é importante que a estratégia voltada para o produtor familiar busque nos modelos existentes aprimorar um padrão diversificado e sustentável. Até porque a agregação de valor às matérias-primas agrícolas e as novas formas de inserção nos mercados fazem-se, em geral, de forma gradativa, sem romper, imediatamente, as relações comerciais preexistentes. 

Cada vez mais nota-se a presença de produção vegetal em sistemas protegidos e utilizando métodos alternativos como ocorre nas estufas e na produção hidropônica. A produção rural tem buscado novos fôlegos e nichos de mercado com pouca ou nenhuma exploração. Principalmente a agricultura familiar que encontrou muitas vezes entre os produtos orgânicos, os artesanais, no turismo ou em outras atividades não-agrícolas motivos para se multiplicar e fortalecer. 

Nesse sentido uma abordagem alternativa seria direcionar esses produtores para culturas de maior valor agregado, fora do segmento de commodities, cujos mercados ainda não estão tão bem organizados, como, por exemplo, o de algumas plantas medicinais, de fontes de corantes ou nutrientes naturais, de plantas aromáticas ou condimentares, certas frutas e hortaliças, cujas tecnologias de produção, mesmo as mais modernas, ainda são relativamente intensivas em mão-de-obra e se prestam à aplicação em escalas reduzidas de cultivo (VIEIRA, 1997). 

Ou seja, direcionar ainda mais esse segmento para atividades agropecuárias, ou a elas relacionadas, que permitissem algum grau de diferenciação de produtos ou sua associação a marcas. E nesse caso se enquadrariam, por exemplo, produtos agropecuários com atributos específicos para determinadas aplicações, como vegetais tecnologicamente adequados para conservas, frutas e hortaliças de maior resistência e vida útil, produtos orgânicos e outros. 

O expressivo crescimento da olericultura familiar é resposta, então, à grande expansão e diferenciação do mercado consumidor, alavancado principalmente pelas novas tendências de consumo. Houve nessas transformações mercadológicas (culturais, sociais, educacionais, legais), por exemplo, a aparição das redes fast food, da comida congelada, dos alimentos liofilizados e muitos outros. Além da grande manutenção daqueles mecanismos comerciais já existentes, como por exemplo, as feiras, os mercados, os supermercados e os demais. Esses que embora possam se auto-abastecer por meio de produção integrada, geralmente estabelecem parcerias com os agricultores. Segundo Del Grossi e Silva (2002a), essa relação dos agricultores com as redes de supermercado e de fast food, além do fornecimento para sofisticados hotéis e restaurantes, acaba por determinar mudanças na forma de produzir e comercializar esses produtos. 

Para se ter uma ideia, os estudos de Belik e Chaim (2002 apud FAULIN e AZEVEDO, 2003) informam que um supermercado de porte médio reserva 10,5% da sua área de venda para os hortifrutícolas, contribuindo com 7,5% do seu faturamento anual. Na França, a contribuição das frutas, legumes e ver-duras (FLV) no faturamento das lojas é de 4% a 6% para os hipermercados e de 10% a 12% para os supermercados. Esse aumento de impor¬tância tem feito com que os supermercados se preocupem mais com a qualidade dos produtos, não apenas com a aparência, mas também com o sabor e seus valores nutricionais. 

Já se nota, ainda que de maneira incipiente, que as empresas que atendem às novas demandas apresentam investimentos significativos em qualidade e apresentam um grande aumento na competição por esse segmento do mercado. Além do mais, dentro dos “novos” grupos de consumidores identificam-se subgrupos importantes, influenciados por costumes étnicos ou regionais, cuja demanda por alimentos tem significativas ligações com traços culturais específicos, e que além dos produtos da indústria de âmbito nacional, consomem produtos diferenciados, geralmente oferecidos por agroindústrias alimentícias de âmbito local ou regional. Ainda nesse sentido, Vieira (1997) faz previsões de que uma influência que deve crescer de importância nos próximos anos diz respeito à ação de entidades de proteção ao consumidor, que trabalham levantando e disseminando informações sobre características de segurança e qualidade de produtos. 

No entanto, deve-se levar em consideração que uma característica importante do mercado de alimentos é a não aceitação de mudanças rápidas ou radicais na forma dos produtos. A modernização e as mudanças mais profundas, em busca de maior produtividade e qualidade, acontecem nos processos de produção, na apresentação e embalagens dos produtos e nos processos gerenciais das empresas. As alterações no produto em si, tais como novas formulações ou outras mudanças nas características sensoriais, são operadas lentamente e com muita cautela (VIEIRA, 1997). 

Contudo, há uma maior diversificação da produção de olerícolas para garantir um melhor atendimento aos novos grupos de consumidores, um melhor abastecimento e uma maior receita. Também ocorrem mudanças nos sistemas de produção, com a introdução da hidropônica e do cultivo orgânico, por exemplo. Outra mudança importante diz respeito ao processamento das olerícolas e sua comercialização na forma de saladas ou produtos individuais prontos para o consumo, cujos preços chegam a ser 30% maiores que o produto in natura, constituindo-se num meio de agregação de valor para os agricultores, bem como de criação de empregos (DEL GROSSI e SILVA, 2002a). 

Essas novas possibilidades de geração de renda – conforme sugerido por Del Grossi e Silva (2002b) no “O Novo Rural”, tem como uma de suas características um conjunto de “novas” atividades agropecuárias, localizadas em nichos especiais de mercados. Quando esses autores utilizaram o termo ‘nova’, colocaram-no entre aspas justamente porque muitas dessas atividades, na verdade, são seculares no país, mas não tinham, até recentemente, importância econômica. Eram atividades de "fundo de quintal", hobbies pessoais ou pequenos negócios agropecuários intensivos (piscicultura, horticultura, floricultura, fruticultura de mesa, criação de pequenos animais e outros) que foram transformados em importantes alternativas de emprego e renda no meio rural nos anos mais recentes. 

Ainda nesse sentido é importante ressaltar Van Der Ploeg (2009) que toma o exemplo da disseminação da agricultura familiar na Europa, onde essa vem sendo, recentemente, fortalecida pelo processo de recampesinização. Deve-se eliminar, contudo, a idéia de que a agricultura familiar (camponesa, segundo o autor) seja atrasada, sendo que isso também não é obstáculo para o desenvolvimento e a mudança, mas pode ser um excelente ponto de partida para tanto. 

A característica fundamental do modo camponês, de acordo com Van Der Ploeg (2009), é ser orientado para a produção e para o aumento de valor agregado. O crescimento se realiza, no plano da unidade de produção, com base o processo do trabalho. O crescimento é realizado em ciclos prévios, ou no próprio ciclo corrente, e é chamado de “crescimento autônomo – orgânico”. Uma importante conseqüência do modo de produção camponês é que ele produz um crescimento contínuo do valor agregado, sobretudo, do valor agregado cultural. 

Nesse sentido, nota-se que boa parte dos agricultores tem começado a diversificar suas atividades a partir da efetivação de uma série de alternativas: novos produtos (e serviços) são produzidos, com criação simultânea de novos mercados e novos circuitos mercantis; distanciamento em relação aos principais mercados de insumos; reconexão da agricultura com a natureza; pluriatividade; novas formas de cooperação local e reintrodução do artesanato. Sendo que essa reintrodução está associada ao desenvolvimento e à implementação de uma nova geração de tecnologias baseadas na habilidade técnica e resulta na produção de inovações. Essas tendências de desenvolvimento são resumidas, por Van der Ploeg (2009), como desenvolvimento rural ou criação de multifuncionalidade (recampesinização). 

Muitas dessas atividades, antes pouco valorizadas e dispersas, hoje assumem importantes fontes de renda para valorização e fortalecimento da agricultura familiar, caso da produção de hortaliças sem uso de fertilizantes químicos e defensivos, com um valor agregado ancorado na sustentabilidade e na saúde. 

6. Produção Orgânica de Hortaliças 

A agricultura orgânica representa uma oportunidade de valorização da produção agrícola, principalmente de hortaliças, uma vez que existe demanda por esses produtos frescos, em particular nas grandes cidades. A agregação de valor que o sistema de produção acrescenta a esses produtos estimula a expansão da produção e garante a inserção em novos nichos de mercado. No entanto não basta ser orgânico para ter qualidade, o produto tem que ser um alimento com qualidade, isto é, no mínimo saudável - alimento sem resíduos de agrotóxicos, sem aditivos químicos (muito usados nos alimentos industrializados) e também sem contaminações microbiológicas prejudiciais a saúde humana. Por isso, de uma maneira geral, nota-se uma tendência em consumir alimentos frescos (“in natura”) e, sempre que possível, produzidos de forma orgânica. 

A produção orgânica de hortaliças é uma atividade que demanda recursos financeiros relativamente baixos, sobretudo para a produção familiar. Neste caso, os principais fatores limitantes são a falta de conhecimento técnico e a dificuldade de certificação do produto. Contudo, torna-se relevante destacar que, além de produção qualificada de alimentos, o agricultor e sua família promoverão a utilização sustentável da propriedade e ainda terão uma alimentação equilibrada, variada e garantida. Isso permite um auto-abastecimento do estabelecimento e gera um excedente que será comercializado a um preço mais favorável ao produtor. 

Dentre os vários aspectos que interferem a conversão da agricultura convencional para a orgânica estão os aspectos econômicos, políticos e sociais. Os quais precisam ser considerados quando o assunto é uma produção em maior escala. As dificuldades de mercado junto às perdas iniciais de produtividade (devido ao tempo para recondicionamento do solo) geram incertezas que por fim desestimulam uma maior receptividade da maioria dos agricultores - mesmo considerando os preços melhores que os consumidores estão dispostos a pagar. 

É evidente que historicamente, os primeiros movimentos ligados à agricultura orgânica no Brasil sempre estiveram relacionados à produção de hortigranjeiros. O chamado segmento de FLV (frutas, legumes e verduras) frescos, principalmente hortaliças (legumes e verduras). 

Em relação à comercialização de hortaliças orgânicas, ela teve origem em dois sistemas principais: as feiras livres e a entrega de cestas à domicílio que, apesar do sucesso inicial, têm representado dificuldades para a expansão da olericultura orgânica para um grande número de agricultores. Diante desse quadro, os supermercados aparecem cada vez mais como um caminho para uma efetiva expansão desse mercado. No Brasil, seguindo uma tendência mundial, grandes redes de supermercados têm mostrado interesse crescente nesses produtos, que é para muitos agricultores orgânicos uma importante alternativa para comercialização de seus produtos (AMARAL, 1996 e MEIRELLES, 1997 apud ASSIS e ROMERO, 2007). 

Para se ter uma ideia da importância que esse setor pode trazer à agricultura familiar, segundo pesquisa feita pelo Instituto Gallup (1996) na cidade de São Paulo sobre o mercado de legumes e verduras (LV) orgânicos, há um enorme potencial de crescimento desse mercado, já que os compradores desses produtos possuem consciência dos problemas de contaminação das hortaliças produzidas com agrotóxicos. A mesma pesquisa coloca ainda que a grande maioria prefere hortaliças orgânicas e admitem pagar de 20% a 30% mais caro por isso, desde que a venda seja feita em condições atraentes e garantidas. 

Para se ter uma noção da importância e da evolução da agricultura orgânica no Brasil, do ano de 2001 ao ano de 2003 houve um crescimento na área planta de mais de 210%. Ou seja, no ano de 2001 a área plantada era apenas de 270.000 hectares enquanto que em 2003 ultrapassava o 840.000 hectares (Figura 1). E a distribuição dessa produção, neste ano, se fazia da seguinte forma: Sudeste 60%; Sul 25%; Nordeste 9%; Centro-Oeste 3% e Norte 3%. 

De acordo com as estatísticas apresentadas pelo SEBRAE (PEIXOTO, 2004), o Brasil é o segundo país no mundo com o maior número de propriedades com lavoura orgânica – na ocasião estudada havia cerca de 19 mil agricultores. E nestas propriedades, de 70 a 80% são agricultores familiares. É uma nação com grande potencial para esse tipo de agricultura por apresentar uma ótima localização, riqueza da biodiversidade e condições climáticas variadas para cada tipo de cultura, potencial de produção de produtos com alto valor agregado, possibilidades de verticalização da produção e principalmente pela demanda dos mercados internos e externos. Porém, há quem veja essas variações ou “faces do Brasil” como dificuldades para a padronização e organização da produção. Embora esse fato seja verdade para o estudo desses estabelecimentos familiares, há outros muito mais otimistas que vêem a diversidade como grande oportunidade. Por isso, Bellon e Abreu (2005) afirmam que o desenvolvimento da agricultura orgânica no Brasil tem múltiplas formas, além de diversos nichos de mercado ou de oportunidades de exportação. Consiste, portanto, numa prática social alternativa, que recria espaços de produção e novas relações entre produtores, mercado e consumidores. 

Entende-se que a agricultura orgânica não é somente uma forma de produção ou um método cultural, mas também um instrumento articulador de prática social. Ou seja, a agricultura orgânica funciona no sentido de renovar as relações entre produtores e consumidores e, também, estabelece interações como os agentes de certificação (públicos ou privados). A diferenciação dessa forma de organização se faz por conjunto de valores que necessitam ser caracterizados. A Agricultura Orgânica não se resume a uma substituição de fatores químicos de produção, freqüentemente qualificados de agrotóxicos ou de veneno, pelos produtores orgânicos. A atividade orgânica convida a conhecer novas formas de explorar e monitorar o solo, que podem resultar numa exploração racional dos recursos hídricos e numa efetiva aplicação das disposições legais, conforme relatam BELLON E ABREU (2005). 

7. Selos e Certificações 

Os selos e as certificações são importantes ferramentas a serem utilizados pelos produtores familiares de orgânicos, ou seja, servem para garantir e atestar a real forma de cultivo empregada durante o processo produtivo. Além de receber o amparo legal para inserção em alguns programas de governo que auxiliam de maneira relevante esse setor. 

Além da dificuldade em produzir orgânicos, o produtor encontra uma grande dificuldade na certificação. Existem diversas etapas (muitas vezes burocráticas) de reconhecimento dos orgânicos. Segundo Bellon e Abreu (2005), a primeira etapa de reconhecimento da agricultura orgânica consiste na elaboração de normas relativas à produção, transformação, identificação e certificação da qualidade de produtos vegetais e animais. De acordo com a pesquisa apresentada pelo SEBRAE (PEIXOTO 2004), no Brasil, observa-se a divisão da quantidade de certificadoras por região da seguinte forma: Sudeste 16% (15); Sul 24% (6); Nordeste 12% (3); Centro Oeste 4% (1) e a região Norte não possui certificadoras. 

No entanto, a opção de certificação em grupo permite uma considerável redução do custo de certificação, além das diversas possibilidades de certificação filiadas a associações. Conseqüentemente, seria importante que os produtores orgânicos fizessem parte de organizações ou tivessem um meio de controle que fosse capaz de imprimir confiança ou estivesse de acordo com a legislação. 

Com o intuito de alcançar nichos de mercado, com um valor mais elevado para o produto, independente dos entraves, a produção de orgânicos tem compensando o maior custo de produção. Então, a presença de "selos" certificando a origem orgânica dos produtos, tem-se tornado necessária em nossos mercados, fornecendo um enorme diferencial de competitividade desses produtos. Analiticamente a certificação de produtos abriu um amplo leque de atuação de garantia de qualidade, tanto para instituições governamentais como não governamentais, seguindo normas nacionais e até internacionais. Os certificados vão desde os orgânicos, naturais, não transgênicos, de origem regional, ou mesmo com maior apelo social, como a ausência de trabalho infantil. 

De acordo com Caldas et al. (2007), a lógica de atuação das empresas certificadoras, que funcionam atualmente nos mercados de produtos agropecuários, mostra-se invariavelmente refratária à realidade do agricultor familiar. As contradições decorrem, entre outros aspectos, da cobrança de taxas elevadas, da ausência de compromissos sociais e da falta de identidade com os princípios democráticos e participativos. É justamente por isso que se tenta construir em algumas situações uma proposta de certificação social e solidária que requeira uma filosofia de atuação estribada, entre outras coisas, na participação dos atores sociais em todas as etapas do processo de construção, mormente os que se orientam no intuito de forjar uma identidade enquanto produtores de artigos com um forte apelo social. 

Contudo, de nada serve as diversas tentativas sociais e os benefícios dessas estratégias se os próprios atores não tiverem consciência do processo de certificação. Os participantes devem reconhecer e se esforçarem juntos aos demais setores sociais para definir o sucesso de suas iniciativas. 

O Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento (MAPA) publicou, em junho de 2004, a Instrução Normativa nº 016/04, que altera alguns pontos da Instrução Normativa 007/99, a qual estabelece, entre outras coisas, a Declaração de Conformidade do Produtor como instrumento voltado à garantia da qualidade dos produtos orgânicos registrados no MAPA (insumos, matéria prima – grãos, cereais, carnes e bebidas), conforme relata Caldas et al. (2007). 
Para obtenção do registro junto ao MAPA, torna-se necessário que se cumpra alguns critérios de avaliação da conformidade, tais como o fato de ser membro de um grupo ou associação. Isso gera uma série de desafios a serem superados para levar a frente o processo de certificação. Dessa forma, há a possibilidade de incremento na renda e ampliação do universo de possibilidades de comercialização. Tal certificação é oriunda de uma proposta que vai muito além da garantia de um produto sem agrotóxicos, que tem como pretensão transmitir uma identidade social com diferentes formas de relação entre as pessoas e o mercado. Na prática observa-se que a certificação participativa é resultado do compromisso/confiança das famílias com o grupo envolvido. 

Certificação solidária pode ser entendida como uma iniciativa com características que permitem a auto-gestão. Gestão esta exercida e fiscalizada, durante todo o processo produtivo, pelos próprios participantes da produção. Isso garante qualidade dos produtos no sentido mais amplo, pois além de trazer melhorias para o produto final, garante qualidade econômica, social e ambiental. De acordo com Prezotto (2005), as diretrizes promocionais de mercado tendem a modelar os gostos alimentares da população que, depois da segunda guerra mundial, têm se orientado por alimentos cosmeticamente perfeitos, sem manchas e imperfeições visuais de nenhum tipo. Sendo esse um papel totalmente irrelevante a qualidade do produto. Se o agricultor não aplica determinada quantidade de pesticida na produção, por exemplo, de maçãs, não poderá lançar no mercado maçãs visualmente perfeitas e não obterá o máximo preço possível. 

Na ansiedade por convencer os consumidores a comprar determinada mercadoria e na ausência de mecanismos claros e precisos de controle, um produto de boa aparência e praticidade e com boa estratégia de marketing, mas de qualidade duvidosa quanto à sanidade, à higiene e à pureza química, por exemplo, pode passar uma imagem enganosa aos consumidores. No entanto, um produto de qualidade ampla, além de atender a critérios pré-estabelecidos pelo mercado, deve contemplar o caráter de desenvolvimento e de inclusão social que contribua para a formação da cidadania. Deve ser bem mais que um produto bonito ou sadio, precisa trazer qualidade também para aqueles que participam do processo produtivo, conforme relata Prezotto (2005). 

Essa certificação é oriunda de uma proposta que vai muito além da garantia de um produto sem agrotóxicos, que tem como pretensão transmitir uma identidade social com diferentes formas de relação entre as pessoas e o mercado. Na pratica observa-se que a certificação participativa é resultado do compromisso/confiança das famílias com o grupo envolvido. 

Considerações Finais 

Durante muitas décadas tem sido possível constatar a importância da agricultura familiar para produção de hortaliças e para manutenção da segurança alimentar. Por maior que sejam as variações e diversidades da agricultura familiar no território nacional, observa-se que as tendências de mercado abrem um espaço significativo para a entrada da produção orgânica. Mercado esse transformado e alternativo que tem dado muita importância à qualidade, diversidade, sustentabilidade e saúde. Assim sendo, diante das características específicas da agricultura familiar, da olericultura e, sobretudo, da produção orgânica, torna-se possível traçar expectativas de agregação de valor e melhorias na renda para um setor que tem enfrentado dificuldades no Brasil - o setor agrícola familiar. 

Como forma de suprir as deficiências das diferentes categorias socioeconômicas vê-se que a agricultura orgânica tem um papel extremamente relevante no processo de construção de valor agregado. Segundo Assis e Romero (2007), no caso da olericultura orgânica especificamente, não se observam diferenças marcantes entre produção familiar e não-familiar no que tange à interação com o mercado e o acesso a informações. É nesse sentido, então, que se sugere a horticultura orgânica como forma de produção alternativa para a agricultura familiar. 


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