terça-feira, 26 de agosto de 2014



     Ainda nos dias atuais, grande número de pessoas ligadas à agricultura sustenta a ideia de que não é possível produzir alimentos sem o uso de adubos químicos solúveis e agrotóxicos. Em função disso, alguns mitos a respeito da agricultura orgânica foram criados e divulgados pelo mundo. Entre eles, destacam-se: “A agricultura orgânica é de alto risco, cara e que exige muita mão de obra. A agricultura orgânica, além de reduzir a produtividade, proporciona produtos orgânicos de padrão comercial inferior e inadequado às exigências dos consumidores”.
   A literatura existente, embora ainda escassa, tem mostrado que as crenças sobre agricultura orgânica não são verdadeiras. Conforme pode ser verificado na bibliografia citada e consultada deste boletim, já existem trabalhos que comprovam as vantagens do cultivo orgânico em relação ao convencional para diversas espécies.
Dentre as culturas estudadas no sistema orgânico, as hortaliças, caracterizadas por grande número de espécies, ciclo curto, utilização intensiva do solo e insumos e alta susceptibilidade a doenças e pragas, especialmente quando mal manejadas, apresentam poucos resultados de pesquisa.
     A Epagri, por meio das Estações Experimentais em todo o Estado de Santa Catarina, tem contribuído com trabalhos de pesquisa visando à produção de hortaliças no sistema orgânico com resultados promissores. A EEUr, a partir de 2000, concentrou esforços em pesquisas com base agroecológica em hortaliças, especialmente no cultivo de batata e, posteriormente, nas culturas de cebola, tomate, repolho, couve-flor, brócolis, cenoura, alface, beterraba, batata-doce e feijão-de-vagem, com o objetivo de verificar a viabilidade técnica e econômica do cultivo orgânico. A seguir, serão apresentados os resultados de destaque obtidos nos cultivos orgânicos de alface, batata-doce, feijão-de-vagem, beterraba, bem como os resultados de pesquisa com compostagem e as considerações finais.



Alface

     A exemplo da cenoura, a cultura da alface não apresentou nenhuma limitação quanto a doenças e pragas para produção nos diferentes sistemas de produção.

Efeito da rotação de culturas em sistemas de cultivo orgânico e convencional
     Os resultados obtidos na EEUr, utilizando-se o cultivar Regina, semeado em dezembro e transplantado em janeiro, com proteção de sombrite, evidenciaram, na média de três anos (2005, 2006 e 2007), que não houve efeito da rotação de culturas nos sistemas de cultivo convencional e orgânico. As culturas da couve-flor e cenoura, transplantada e semeada em fevereiro e agosto respectivamente, foram utilizadas em sucessão à alface. Quando se compararam os sistemas de produção quanto ao rendimento de alface, constatou-se que o cultivo orgânico (17,4t/ha) foi superior ao convencional (12,3t/ha) em 41,4%.


     Figura 1. Alface tipo lisa (cv. Regina) produzida no sistema orgânico na EEUr




Conclusão

      A alface cultivada no sistema orgânico apresenta maior produtividade e melhor qualidade quando comparada ao cultivo convencional.

Batata-doce

     Esta hortaliça, conhecida por sua rusticidade, apresenta o menor custo de produção devido ao sistema radicular profundo, que aproveita a adubação residual dos cultivos anteriores. As culturas da aveia e cebola, semeadas e transplantadas em abril e junho respectivamente, foram utilizadas em sucessão à batata-doce. Pela cobertura do solo que proporciona no verão e também pela reciclagem de nutrientes que realiza, é uma espécie recomendada para ser incluída em sistemas de rotação de culturas.

Efeito da rotação de culturas em sistemas de cultivo orgânico e convencional
      Os resultados obtidos na EEUr (plantio de ramas em novembro e colheita em março/abril) evidenciaram, na média de três anos (2005, 2006 e 2007), o efeito da rotação de culturas nos dois sistemas de produção. O sistema com rotação superou o monocultivo em 66,6% e 38,8%, quanto ao rendimento de raízes, nos cultivos convencional e orgânico, respectivamente.Quando se compararam os sistemas de produção quanto ao rendimento de raízes comerciais de batata-doce, constatou-se que o cultivo orgânico (23,6t/ha) foi superior ao convencional (18,2t/ha) em 29,6%.

     Novos materiais de batata-doce têm sido desenvolvidos pela pesquisa em Santa Catarina pelas Estações Experimentais de Urussanga e de Ituporanga[1].

[1] Foram lançados os cultivares SCS367 Favorita; SCS368 Ituporanga e SCS369 Águas Negras. Favorita apresenta coloração laranja da polpa e rendimento comercial de 28t/ha. Ituporanga apresenta polpa creme a branca com rendimento comercial de 34t/ha. Água Negra apresenta polpa creme e rendimento comercial de 36t/ha.


Conclusões

1. A batata-doce cultivada no sistema orgânico apresenta maior produtividade e melhor qualidade de raízes quando comparada ao cultivo convencional.

2. A rotação de culturas é uma prática essencial no cultivo da batata-doce nos sistemas de produção orgânico e convencional.


Feijão-de-vagem

      Esta hortaliça apresentou baixa produtividade e qualidade das vagens nos diferentes sistemas de produção, no cultivo de verão/outono, devido às altas temperaturas e precipitações pluviométricas pesadas associadas ao aumento de doenças e pragas nesta época.

Efeito da rotação de culturas em sistemas de cultivo orgânico e convencional

     Os resultados obtidos na EEUr (semeadura do final de janeiro), em sucessão à cultura do tomate, aproveitando o mesmo tutor e os adubos residuais, evidenciaram, na média de três anos (2005, 2006 e 2007), o efeito da rotação de culturas para o feijão-de-vagem nos dois sistemas de produção. O sistema com rotação superou o monocultivo em 60% e 12,1% quanto ao rendimento comercial de vagens, nos sistemas de cultivo convencional e orgânico respectivamente.Quando foram comparados os sistemas de produção quanto ao rendimento de vagens comerciais, constatou-se que o cultivo convencional (8,3t/ha) foi superior ao orgânico (6,7t/ha) em 23,8%.

Conclusões
1. O cultivo orgânico de feijão-vagem, embora com produtividade menor, é viável técnica e economicamente.

2. A rotação de culturas é uma prática essencial no cultivo do feijão-de-vagem nos sistemas de produção orgânico e convencional.

3. Novas tecnologias precisam ser geradas ou adaptadas com o objetivo de melhorar a produtividade e a qualidade das vagens na semeadura de verão, nos diferentes sistemas de produção.



Beterraba
     A exemplo da cenoura, alface e batata-doce, a beterraba não apresentou nenhuma limitação para produção nos diferentes sistemas de produção.
     Trabalho de pesquisa realizado na EEUr no período de 1994 a 2000 revelou a superioridade do sistema de rotação de culturas quanto à produção de raízes em 16,8% quando comparado ao monocultivo.


Conclusão

1. A rotação de culturas é uma prática essencial no cultivo da beterraba nos sistemas de produção orgânico e convencional.



Compostagem


É o processo mais eficiente de produção de adubo orgânico de qualidade, essencial para o sucesso do cultivo orgânico de hortaliças.


A qualidade do composto orgânico produzido na EEUr

     A análise de macro- e micronutrientes dos diferentes tipos de composto orgânico tem mostrado variações em sua qualidade. Segundo a literatura, um composto de qualidade satisfatória contém 1% de nitrogênio, 0,6% de fósforo e 0,8% de nitrogênio.




Tabela 1. Análise de macro- e micronutrientes de compostos orgânicos elaborados na EEUr no período de 2002 a 2006(1)
Tipo de composto orgânico
Macronutriente
Micronutriente
N
P
K
Ca
Mg
Fe
Mn
Zn
Cu
B
.….....................%...........................
...................mg/kg = ppm...................
A
2,99
3,24
2,61
6,04
1,62
2.293
691
549
169
46
B
2,75
1,39
1,44
2,60
0,72
4.105
526
401
64
13
C
2,00
1,93
1,30
3,82
1,10
5.326
379
280
21
39
D
1,91
2,16
1,04
4,04
1,10
6.553
494
290
45
30
E
1,39
1,28
1,28
1,82
0,58
26.026
538
358
91
26
F
1,75
1,54
0,70
2,68
0,76
5.662
822
392
104
22
G
1,59
2,05
0,95
4,03
0,98
6.051
929
484
107
24
Média
2,05
1,94
1,33
3,6
0,98
5145
626
393
85
28
(1) Análises realizadas pelo Laboratório de Nutrição Vegetal da Estação Experimental de Caçador.
A − Composto orgânico elaborado na EEUr em fevereiro/2002 (capim-elefante-anão novo – 3 meses + cama de aviário).
B − Composto orgânico elaborado na EEUr em maio/2002 (capim-elefante-anão mais velho – 4 a 5 meses + cama de aviário).
C – Composto orgânico elaborado na EEUr em fevereiro/2003 (capim-elefante-anão + cama de aviário).
D − Composto orgânico elaborado na EEUr em maio/2003 (capim-elefante-anão + cama de aviário).
E − Composto orgânico elaborado na EEUr em 2004 (capim-elefante anão velho + cama de aviário).
F − Composto orgânico elaborado na EEUr em março/2006 (capim-elefante-anão + cama de aviário).
G − Composto orgânico elaborado na EEUr em setembro/2006 (capim elefante-anão + cama de aviário).            

                                                                     

     Conforme se verifica na Tabela 1, obtiveram-se em média os valores de 2,05%, 1,94% e 1,33% de N, P e K respectivamente e, no máximo, 2,99% de N, 3,24% de P e 2,61% de K nos compostos orgânicos elaborados na EEUr. Destacam-se também os altos teores de cálcio e boro, nutrientes importantes para as hortaliças, especialmente para repolho, couve-flor, brócolis e tomate.


Figura 2. Composto orgânico elaborado na EEUr, pronto para ser utilizado no cultivo orgânico e hortaliças


Efeito do composto orgânico na fertilidade do solo
      O uso de composto no cultivo orgânico no período de 2002 a 2007 melhorou consideravelmente a fertilidade do solo na EEUr quando comparado ao sistema convencional (uso de adubos químicos), conforme análise do solo realizada anualmente no experimento sobre sistemas de rotação de culturas para hortaliças. Na média dos três últimos anos (2005, 2006 e 2007), os valores do pH (índice SMP), pH (água), P, K, matéria orgânica, Ca e Mg encontrados no solo, em cultivo orgânico, foram superiores aos obtidos no cultivo convencional.



Tabela 2. Valores médios do pH, fósforo, potássio, matéria orgânica, cálcio e magnésio no solo, em cultivos convencional e orgânico de hortaliças. Epagri/EEUr, 2008(1)
Indicador
Sistema de cultivo
Convencional
Orgânico
pH (índice SMP)
6,3
6,8
pH (água)
5,9
6,8
Fósforo (mg/L)
251
422
Potássio (mg/L)
128
220
Matéria orgânica (%)
1,9
2,6
Cálcio (cmolc/L)
5,4
6,9
Magnésio (cmolc/L)
1,0
2,4
(1) Média das análises químicas realizadas em junho de 2005, 2006 e 2007.
Nota: mg/L = ppm; cmolc/L = me/dl.




     Pelos resultados obtidos, o pH no cultivo orgânico manteve-se estável na média dos três últimos anos, ao contrário do sistema convencional, que necessita novamente em 2007 de correção da acidez do solo (a primeira calagem foi efetuada em 2001). O uso de compostagem no cultivo orgânico (matéria orgânica estabiliza) explica esses resultados.


Conclusões


    1. A qualidade do adubo orgânico utilizado varia muito conforme os materiais utilizados (estercos e resíduos vegetais), indicando a necessidade de análise dos nutrientes no composto orgânico com antecedência, visando a uma adubação equilibrada das plantas.

    2.  A variação dos teores de potássio e, principalmente, os altos teores de fósforo no solo, nos diferentes sistemas de produção, indicam a necessidade de monitorar, anualmente, por meio de análises químicas do solo, esses nutrientes, visando à recomendação de uma adubação mais equilibrada.

   3.  No cultivo orgânico, praticamente não há necessidade de correção da acidez do solo através da calagem, enquanto no sistema convencional essa prática deve ser realizada periodicamente.



Considerações finais

      Os resultados obtidos no período de 2001 a 2007 na EEUr indicam que o cultivo orgânico de hortaliças é viável técnica e economicamente. O sistema orgânico não deixa nada a desejar quanto à produtividade e à qualidade quando comparado ao sistema convencional e, o mais importante, não oferece riscos à saúde do produtor e do consumidor, nem ao meio ambiente.
      O cultivo orgânico é uma boa opção de renda aos produtores, pois além de agregar maior valor aos produtos através do sistema de produção, reduz o custo de produção com insumos que podem ser preparados na propriedade, proporcionando maior autonomia do produtor, que não fica dependente de insumos importados cada vez mais caros. É importante destacar que no período de 12 meses (junho/2007 a maio/2008), os fertilizantes e os agrotóxicos que o Brasil importa, em sua grande maioria (cerca de 70%) tiveram um aumento de 120% e 70% respectivamente.
     O cultivo de hortaliças associado com a bovinocultura ou a criação de aves é altamente recomendável, pois, além de fornecer o esterco, reduzindo o custo da adubação, possibilita a rotação de culturas com pastagens (gramíneas), espécies recomendadas devido à resistência a doenças e pragas.
     Convém destacar que, embora a rotação de culturas não tenha sido eficiente no aumento da produtividade de algumas espécies como alface, couve-flor e cenoura, recomenda-se essa prática como se fosse um investimento no terreno. Mesmo que não traga retorno econômico imediato, a rotação de culturas garante uma fertilidade do solo mais duradoura, proporcionando sustentabilidade e menor dependência de insumos. A inclusão de outras espécies com diferentes sistemas radiculares e necessidades nutricionais em esquemas de rotação de culturas para hortaliças favorece a reciclagem de nutrientes e uma adubação equilibrada das plantas.
     Os resultados obtidos evidenciaram também que o cultivo orgânico, especialmente das espécies de hortaliças mais exigentes em insumos (batata, cebola e tomate), é mais barato que o sistema convencional. Portanto, o mito de que a agricultura orgânica é cara comparada à agricultura moderna é falso.
     Convém destacar, ainda, que, havendo na propriedade a integração da agricultura com pecuária, o custo do adubo no sistema orgânico é mais barato e, o mais importante, ainda melhora as condições físico-químicas e biológicas do solo, tornando a fertilidade mais duradoura.
     É importante ressaltar que embora algumas culturas pesquisadas como couve-flor, feijão-de-vagem e cebola ainda tenham produzido um pouco menos no sistema orgânico quando comparado ao convencional, a evolução do rendimento nos últimos anos indica que a tendência é não haver diferenças significativas, em função da melhoria da fertilidade do solo. É importante ressaltar que mesmo ocorrendo alguma perda na produtividade no sistema orgânico, ela é compensada pela redução das despesas com o uso de agroquímicos utilizados no cultivo convencional e pelo maior valor do produto orgânico em função da grande demanda por alimentos sadios.
     Ao se comparar o uso da mão de obra nos sistemas de produção, observa-se que, para as culturas estudadas, praticamente não há diferenças significativas quando são aplicadas todas as técnicas recomendadas. Atualmente existe uma resistência por parte dos agricultores em utilizar composto orgânico devido ao maior uso de mão de obra no preparo e aplicação quando comparado à adubação química. No entanto, os resultados obtidos na EEUr têm mostrado que a quantidade necessária de composto utilizado no cultivo orgânico é maior apenas no início. Posteriormente, seu uso é cada vez menor por causa da maior estabilidade do composto e menor lixiviação quando comparado ao sistema convencional, além de melhorar a vida do solo e manter por mais tempo a fertilidade em relação a macro e micronutrientes. Além disso, o uso do composto orgânico corrige naturalmente a acidez do solo, ao passo que no sistema convencional, periodicamente, poderá haver necessidade de aplicação de calcário demandando mão de obra e recursos financeiros. Caso o composto orgânico seja aplicado em quantidade excessiva, sem análise do solo e do composto, poderá haver também salinização do solo e contaminação do meio ambiente. No entanto, convém ressaltar que, mesmo utilizando o composto orgânico, este deve ser aplicado com base na análise do solo, pois tanto a falta como o excesso podem desequilibrar o solo e as plantas, proporcionando a ocorrência de doenças e pragas e afetando a qualidade das hortaliças.
     Apesar do sucesso obtido no cultivo orgânico das hortaliças, novas pesquisas são necessárias no sentido de fornecer novas alternativas de produtos aceitos nesse sistema, visando ao manejo de doenças e pragas, especialmente nas culturas de tomate, batata, cebola, repolho, couve-flor e brócolis. A calda bordalesa, fungicida antigo utilizado com eficiência no manejo de doenças nessas hortaliças e em outras, hoje ainda tolerado por algumas certificadoras no cultivo orgânico, poderá ser proibida futuramente.


Autores
Antônio Carlos Ferreira da Silva, engenheiro agrônomo, M.Sc., pesquisador aposentado da Epagri/Estação Experimental de Urussanga, SC, e-mail: ferreira51@ymail.com


Luiz Augusto Martins Peruch, engenheiro agrônomo, Dr., pesquisador da Epagri/Estação Experimental de Urussanga, SC, e-mail: lamperuch@epagri.sc.gov.br


Publicação: O trabalho faz parte do Boletim Didático nº 88 “Produção orgânica de hortaliças no litoral sul catarinense” publicado pela Epagri. Interessados em adquirir a publicação completa e ilustrada com 205 páginas, devem entrar no site: www.epagri.sc.gov.br e acessar os link “Publicações” e “Boletim didático”.




Ferreira On 8/26/2014 10:54:00 AM Comentarios LEIA MAIS

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Produção orgânica de hortaliças no litoral sul catarinense: Resultados de pesquisa – Parte IV (final)



     Ainda nos dias atuais, grande número de pessoas ligadas à agricultura sustenta a ideia de que não é possível produzir alimentos sem o uso de adubos químicos solúveis e agrotóxicos. Em função disso, alguns mitos a respeito da agricultura orgânica foram criados e divulgados pelo mundo. Entre eles, destacam-se: “A agricultura orgânica é de alto risco, cara e que exige muita mão de obra. A agricultura orgânica, além de reduzir a produtividade, proporciona produtos orgânicos de padrão comercial inferior e inadequado às exigências dos consumidores”.
   A literatura existente, embora ainda escassa, tem mostrado que as crenças sobre agricultura orgânica não são verdadeiras. Conforme pode ser verificado na bibliografia citada e consultada deste boletim, já existem trabalhos que comprovam as vantagens do cultivo orgânico em relação ao convencional para diversas espécies.
Dentre as culturas estudadas no sistema orgânico, as hortaliças, caracterizadas por grande número de espécies, ciclo curto, utilização intensiva do solo e insumos e alta susceptibilidade a doenças e pragas, especialmente quando mal manejadas, apresentam poucos resultados de pesquisa.
     A Epagri, por meio das Estações Experimentais em todo o Estado de Santa Catarina, tem contribuído com trabalhos de pesquisa visando à produção de hortaliças no sistema orgânico com resultados promissores. A EEUr, a partir de 2000, concentrou esforços em pesquisas com base agroecológica em hortaliças, especialmente no cultivo de batata e, posteriormente, nas culturas de cebola, tomate, repolho, couve-flor, brócolis, cenoura, alface, beterraba, batata-doce e feijão-de-vagem, com o objetivo de verificar a viabilidade técnica e econômica do cultivo orgânico. A seguir, serão apresentados os resultados de destaque obtidos nos cultivos orgânicos de alface, batata-doce, feijão-de-vagem, beterraba, bem como os resultados de pesquisa com compostagem e as considerações finais.



Alface

     A exemplo da cenoura, a cultura da alface não apresentou nenhuma limitação quanto a doenças e pragas para produção nos diferentes sistemas de produção.

Efeito da rotação de culturas em sistemas de cultivo orgânico e convencional
     Os resultados obtidos na EEUr, utilizando-se o cultivar Regina, semeado em dezembro e transplantado em janeiro, com proteção de sombrite, evidenciaram, na média de três anos (2005, 2006 e 2007), que não houve efeito da rotação de culturas nos sistemas de cultivo convencional e orgânico. As culturas da couve-flor e cenoura, transplantada e semeada em fevereiro e agosto respectivamente, foram utilizadas em sucessão à alface. Quando se compararam os sistemas de produção quanto ao rendimento de alface, constatou-se que o cultivo orgânico (17,4t/ha) foi superior ao convencional (12,3t/ha) em 41,4%.


     Figura 1. Alface tipo lisa (cv. Regina) produzida no sistema orgânico na EEUr




Conclusão

      A alface cultivada no sistema orgânico apresenta maior produtividade e melhor qualidade quando comparada ao cultivo convencional.

Batata-doce

     Esta hortaliça, conhecida por sua rusticidade, apresenta o menor custo de produção devido ao sistema radicular profundo, que aproveita a adubação residual dos cultivos anteriores. As culturas da aveia e cebola, semeadas e transplantadas em abril e junho respectivamente, foram utilizadas em sucessão à batata-doce. Pela cobertura do solo que proporciona no verão e também pela reciclagem de nutrientes que realiza, é uma espécie recomendada para ser incluída em sistemas de rotação de culturas.

Efeito da rotação de culturas em sistemas de cultivo orgânico e convencional
      Os resultados obtidos na EEUr (plantio de ramas em novembro e colheita em março/abril) evidenciaram, na média de três anos (2005, 2006 e 2007), o efeito da rotação de culturas nos dois sistemas de produção. O sistema com rotação superou o monocultivo em 66,6% e 38,8%, quanto ao rendimento de raízes, nos cultivos convencional e orgânico, respectivamente.Quando se compararam os sistemas de produção quanto ao rendimento de raízes comerciais de batata-doce, constatou-se que o cultivo orgânico (23,6t/ha) foi superior ao convencional (18,2t/ha) em 29,6%.

     Novos materiais de batata-doce têm sido desenvolvidos pela pesquisa em Santa Catarina pelas Estações Experimentais de Urussanga e de Ituporanga[1].

[1] Foram lançados os cultivares SCS367 Favorita; SCS368 Ituporanga e SCS369 Águas Negras. Favorita apresenta coloração laranja da polpa e rendimento comercial de 28t/ha. Ituporanga apresenta polpa creme a branca com rendimento comercial de 34t/ha. Água Negra apresenta polpa creme e rendimento comercial de 36t/ha.


Conclusões

1. A batata-doce cultivada no sistema orgânico apresenta maior produtividade e melhor qualidade de raízes quando comparada ao cultivo convencional.

2. A rotação de culturas é uma prática essencial no cultivo da batata-doce nos sistemas de produção orgânico e convencional.


Feijão-de-vagem

      Esta hortaliça apresentou baixa produtividade e qualidade das vagens nos diferentes sistemas de produção, no cultivo de verão/outono, devido às altas temperaturas e precipitações pluviométricas pesadas associadas ao aumento de doenças e pragas nesta época.

Efeito da rotação de culturas em sistemas de cultivo orgânico e convencional

     Os resultados obtidos na EEUr (semeadura do final de janeiro), em sucessão à cultura do tomate, aproveitando o mesmo tutor e os adubos residuais, evidenciaram, na média de três anos (2005, 2006 e 2007), o efeito da rotação de culturas para o feijão-de-vagem nos dois sistemas de produção. O sistema com rotação superou o monocultivo em 60% e 12,1% quanto ao rendimento comercial de vagens, nos sistemas de cultivo convencional e orgânico respectivamente.Quando foram comparados os sistemas de produção quanto ao rendimento de vagens comerciais, constatou-se que o cultivo convencional (8,3t/ha) foi superior ao orgânico (6,7t/ha) em 23,8%.

Conclusões
1. O cultivo orgânico de feijão-vagem, embora com produtividade menor, é viável técnica e economicamente.

2. A rotação de culturas é uma prática essencial no cultivo do feijão-de-vagem nos sistemas de produção orgânico e convencional.

3. Novas tecnologias precisam ser geradas ou adaptadas com o objetivo de melhorar a produtividade e a qualidade das vagens na semeadura de verão, nos diferentes sistemas de produção.



Beterraba
     A exemplo da cenoura, alface e batata-doce, a beterraba não apresentou nenhuma limitação para produção nos diferentes sistemas de produção.
     Trabalho de pesquisa realizado na EEUr no período de 1994 a 2000 revelou a superioridade do sistema de rotação de culturas quanto à produção de raízes em 16,8% quando comparado ao monocultivo.


Conclusão

1. A rotação de culturas é uma prática essencial no cultivo da beterraba nos sistemas de produção orgânico e convencional.



Compostagem


É o processo mais eficiente de produção de adubo orgânico de qualidade, essencial para o sucesso do cultivo orgânico de hortaliças.


A qualidade do composto orgânico produzido na EEUr

     A análise de macro- e micronutrientes dos diferentes tipos de composto orgânico tem mostrado variações em sua qualidade. Segundo a literatura, um composto de qualidade satisfatória contém 1% de nitrogênio, 0,6% de fósforo e 0,8% de nitrogênio.




Tabela 1. Análise de macro- e micronutrientes de compostos orgânicos elaborados na EEUr no período de 2002 a 2006(1)
Tipo de composto orgânico
Macronutriente
Micronutriente
N
P
K
Ca
Mg
Fe
Mn
Zn
Cu
B
.….....................%...........................
...................mg/kg = ppm...................
A
2,99
3,24
2,61
6,04
1,62
2.293
691
549
169
46
B
2,75
1,39
1,44
2,60
0,72
4.105
526
401
64
13
C
2,00
1,93
1,30
3,82
1,10
5.326
379
280
21
39
D
1,91
2,16
1,04
4,04
1,10
6.553
494
290
45
30
E
1,39
1,28
1,28
1,82
0,58
26.026
538
358
91
26
F
1,75
1,54
0,70
2,68
0,76
5.662
822
392
104
22
G
1,59
2,05
0,95
4,03
0,98
6.051
929
484
107
24
Média
2,05
1,94
1,33
3,6
0,98
5145
626
393
85
28
(1) Análises realizadas pelo Laboratório de Nutrição Vegetal da Estação Experimental de Caçador.
A − Composto orgânico elaborado na EEUr em fevereiro/2002 (capim-elefante-anão novo – 3 meses + cama de aviário).
B − Composto orgânico elaborado na EEUr em maio/2002 (capim-elefante-anão mais velho – 4 a 5 meses + cama de aviário).
C – Composto orgânico elaborado na EEUr em fevereiro/2003 (capim-elefante-anão + cama de aviário).
D − Composto orgânico elaborado na EEUr em maio/2003 (capim-elefante-anão + cama de aviário).
E − Composto orgânico elaborado na EEUr em 2004 (capim-elefante anão velho + cama de aviário).
F − Composto orgânico elaborado na EEUr em março/2006 (capim-elefante-anão + cama de aviário).
G − Composto orgânico elaborado na EEUr em setembro/2006 (capim elefante-anão + cama de aviário).            

                                                                     

     Conforme se verifica na Tabela 1, obtiveram-se em média os valores de 2,05%, 1,94% e 1,33% de N, P e K respectivamente e, no máximo, 2,99% de N, 3,24% de P e 2,61% de K nos compostos orgânicos elaborados na EEUr. Destacam-se também os altos teores de cálcio e boro, nutrientes importantes para as hortaliças, especialmente para repolho, couve-flor, brócolis e tomate.


Figura 2. Composto orgânico elaborado na EEUr, pronto para ser utilizado no cultivo orgânico e hortaliças


Efeito do composto orgânico na fertilidade do solo
      O uso de composto no cultivo orgânico no período de 2002 a 2007 melhorou consideravelmente a fertilidade do solo na EEUr quando comparado ao sistema convencional (uso de adubos químicos), conforme análise do solo realizada anualmente no experimento sobre sistemas de rotação de culturas para hortaliças. Na média dos três últimos anos (2005, 2006 e 2007), os valores do pH (índice SMP), pH (água), P, K, matéria orgânica, Ca e Mg encontrados no solo, em cultivo orgânico, foram superiores aos obtidos no cultivo convencional.



Tabela 2. Valores médios do pH, fósforo, potássio, matéria orgânica, cálcio e magnésio no solo, em cultivos convencional e orgânico de hortaliças. Epagri/EEUr, 2008(1)
Indicador
Sistema de cultivo
Convencional
Orgânico
pH (índice SMP)
6,3
6,8
pH (água)
5,9
6,8
Fósforo (mg/L)
251
422
Potássio (mg/L)
128
220
Matéria orgânica (%)
1,9
2,6
Cálcio (cmolc/L)
5,4
6,9
Magnésio (cmolc/L)
1,0
2,4
(1) Média das análises químicas realizadas em junho de 2005, 2006 e 2007.
Nota: mg/L = ppm; cmolc/L = me/dl.




     Pelos resultados obtidos, o pH no cultivo orgânico manteve-se estável na média dos três últimos anos, ao contrário do sistema convencional, que necessita novamente em 2007 de correção da acidez do solo (a primeira calagem foi efetuada em 2001). O uso de compostagem no cultivo orgânico (matéria orgânica estabiliza) explica esses resultados.


Conclusões


    1. A qualidade do adubo orgânico utilizado varia muito conforme os materiais utilizados (estercos e resíduos vegetais), indicando a necessidade de análise dos nutrientes no composto orgânico com antecedência, visando a uma adubação equilibrada das plantas.

    2.  A variação dos teores de potássio e, principalmente, os altos teores de fósforo no solo, nos diferentes sistemas de produção, indicam a necessidade de monitorar, anualmente, por meio de análises químicas do solo, esses nutrientes, visando à recomendação de uma adubação mais equilibrada.

   3.  No cultivo orgânico, praticamente não há necessidade de correção da acidez do solo através da calagem, enquanto no sistema convencional essa prática deve ser realizada periodicamente.



Considerações finais

      Os resultados obtidos no período de 2001 a 2007 na EEUr indicam que o cultivo orgânico de hortaliças é viável técnica e economicamente. O sistema orgânico não deixa nada a desejar quanto à produtividade e à qualidade quando comparado ao sistema convencional e, o mais importante, não oferece riscos à saúde do produtor e do consumidor, nem ao meio ambiente.
      O cultivo orgânico é uma boa opção de renda aos produtores, pois além de agregar maior valor aos produtos através do sistema de produção, reduz o custo de produção com insumos que podem ser preparados na propriedade, proporcionando maior autonomia do produtor, que não fica dependente de insumos importados cada vez mais caros. É importante destacar que no período de 12 meses (junho/2007 a maio/2008), os fertilizantes e os agrotóxicos que o Brasil importa, em sua grande maioria (cerca de 70%) tiveram um aumento de 120% e 70% respectivamente.
     O cultivo de hortaliças associado com a bovinocultura ou a criação de aves é altamente recomendável, pois, além de fornecer o esterco, reduzindo o custo da adubação, possibilita a rotação de culturas com pastagens (gramíneas), espécies recomendadas devido à resistência a doenças e pragas.
     Convém destacar que, embora a rotação de culturas não tenha sido eficiente no aumento da produtividade de algumas espécies como alface, couve-flor e cenoura, recomenda-se essa prática como se fosse um investimento no terreno. Mesmo que não traga retorno econômico imediato, a rotação de culturas garante uma fertilidade do solo mais duradoura, proporcionando sustentabilidade e menor dependência de insumos. A inclusão de outras espécies com diferentes sistemas radiculares e necessidades nutricionais em esquemas de rotação de culturas para hortaliças favorece a reciclagem de nutrientes e uma adubação equilibrada das plantas.
     Os resultados obtidos evidenciaram também que o cultivo orgânico, especialmente das espécies de hortaliças mais exigentes em insumos (batata, cebola e tomate), é mais barato que o sistema convencional. Portanto, o mito de que a agricultura orgânica é cara comparada à agricultura moderna é falso.
     Convém destacar, ainda, que, havendo na propriedade a integração da agricultura com pecuária, o custo do adubo no sistema orgânico é mais barato e, o mais importante, ainda melhora as condições físico-químicas e biológicas do solo, tornando a fertilidade mais duradoura.
     É importante ressaltar que embora algumas culturas pesquisadas como couve-flor, feijão-de-vagem e cebola ainda tenham produzido um pouco menos no sistema orgânico quando comparado ao convencional, a evolução do rendimento nos últimos anos indica que a tendência é não haver diferenças significativas, em função da melhoria da fertilidade do solo. É importante ressaltar que mesmo ocorrendo alguma perda na produtividade no sistema orgânico, ela é compensada pela redução das despesas com o uso de agroquímicos utilizados no cultivo convencional e pelo maior valor do produto orgânico em função da grande demanda por alimentos sadios.
     Ao se comparar o uso da mão de obra nos sistemas de produção, observa-se que, para as culturas estudadas, praticamente não há diferenças significativas quando são aplicadas todas as técnicas recomendadas. Atualmente existe uma resistência por parte dos agricultores em utilizar composto orgânico devido ao maior uso de mão de obra no preparo e aplicação quando comparado à adubação química. No entanto, os resultados obtidos na EEUr têm mostrado que a quantidade necessária de composto utilizado no cultivo orgânico é maior apenas no início. Posteriormente, seu uso é cada vez menor por causa da maior estabilidade do composto e menor lixiviação quando comparado ao sistema convencional, além de melhorar a vida do solo e manter por mais tempo a fertilidade em relação a macro e micronutrientes. Além disso, o uso do composto orgânico corrige naturalmente a acidez do solo, ao passo que no sistema convencional, periodicamente, poderá haver necessidade de aplicação de calcário demandando mão de obra e recursos financeiros. Caso o composto orgânico seja aplicado em quantidade excessiva, sem análise do solo e do composto, poderá haver também salinização do solo e contaminação do meio ambiente. No entanto, convém ressaltar que, mesmo utilizando o composto orgânico, este deve ser aplicado com base na análise do solo, pois tanto a falta como o excesso podem desequilibrar o solo e as plantas, proporcionando a ocorrência de doenças e pragas e afetando a qualidade das hortaliças.
     Apesar do sucesso obtido no cultivo orgânico das hortaliças, novas pesquisas são necessárias no sentido de fornecer novas alternativas de produtos aceitos nesse sistema, visando ao manejo de doenças e pragas, especialmente nas culturas de tomate, batata, cebola, repolho, couve-flor e brócolis. A calda bordalesa, fungicida antigo utilizado com eficiência no manejo de doenças nessas hortaliças e em outras, hoje ainda tolerado por algumas certificadoras no cultivo orgânico, poderá ser proibida futuramente.


Autores
Antônio Carlos Ferreira da Silva, engenheiro agrônomo, M.Sc., pesquisador aposentado da Epagri/Estação Experimental de Urussanga, SC, e-mail: ferreira51@ymail.com


Luiz Augusto Martins Peruch, engenheiro agrônomo, Dr., pesquisador da Epagri/Estação Experimental de Urussanga, SC, e-mail: lamperuch@epagri.sc.gov.br


Publicação: O trabalho faz parte do Boletim Didático nº 88 “Produção orgânica de hortaliças no litoral sul catarinense” publicado pela Epagri. Interessados em adquirir a publicação completa e ilustrada com 205 páginas, devem entrar no site: www.epagri.sc.gov.br e acessar os link “Publicações” e “Boletim didático”.




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