Matéria publicada no blog: http://unaic.blogspot.com.br
A UNAIC - União das Associações
Comunitárias do Interior de Canguçu e Região, é uma associação onde estão
filiadas inúmeras associações e grupos de agricultores familiares. Fundada em
18/03/1988, a UNAIC é uma instituiçao com mais de 20 anos de atuação na defesa
dos direitos dos agricultores familiares, e na promoção do desenvolvimento
rural sustentável baseado em ações de agroecologia e no apoio ao associativismo
e ao cooperativismo.
A riqueza biológica não esta distribuída
uniformemente pelo globo terrestre. Ela se concentra nos países tropicais do
terceiro mundo. Contudo, a maioria dos planos para conservação da
Biodiversidade tem sua origem em países do norte e trazem em seu bojo
categorias sociais de desenvolvimento e planejamento de países industrializados
e afluentes (SHIVA, 1992).
O desaparecimento dos meios de vida e de sustento das populações
encontra-se intimamente ligado a erosão da biodiversidade. A proteção desta só
pode ser assegurada se ela voltar a ser à base da produção agrícola, da
silvicultura e da produção animal. A prática da biodiversidade é a chave para sua
conservação. (SHIVA, 1992).
A agricultura de subsistência cultiva as principais
plantas alimentícias há mais de 10.000 anos. Privá-los desse recurso é, pelo
menos, uma perversidade, porque as sementes crioulas são originárias das
seleções dos agricultores. Proibi-los da reprodução destas variedades é roubar
a herança de milênios. As famílias de agricultores protegerão melhor nossos
recursos genéticos vegetais que os bancos de genes. O acesso ao material
genético é um direito natural da Humanidade, Não tem dono. Muitos agricultores
familiares, já abriram seus olhos, e começam a proteger suas sementes, buscando
a independência em relação as grandes corporações. O plantio das sementes
crioulas (tradicionais) remete o agricultor novamente as suas raízes. A semente
não representa somente o grão, mas também toda a cultura perdida desde a implantação
da revolução verde. É neste sentido que temos que trabalhar o valor das coisas
simples como solidariedade, esperança e trabalho. Não se busca o retrocesso,
mas independência da agricultura familiar, buscando intercambio entre as
facilidades de trabalho da modernidade e a sustentabilidade e auto-suficiência
alimentar que foram as marcas do pequeno agricultor.
Toda essa riqueza de biodiversidade vem sendo
amplamente ameaçada pela inserção na agricultura de uma nova categoria de
sementes, as sementes transgênicas ou geneticamente modificadas, que são
aquelas que tiveram genes estranhos, de qualquer outro ser vivo, inseridos em
seu código genético. O processo consiste na transferência de um ou mais genes
responsáveis por determinada característica num organismo para outro organismo
ao qual se pretende incorporar esta característica. Pode-se, com essa
tecnologia, inserir genes de porcos em seres humanos, de vírus ou bactérias em
milho e assim por diante. As sementes transgênicas são patenteadas pelas
empresas que as desenvolveram. Quando o agricultor compra essas sementes, ele
assina um contrato que o proíbe de replantá-las no ano seguinte (prática de
guardar sementes, tradicional da agricultura), comercializá-las, trocá-las ou
passá-las adiante. Do ponto de vista agronômico, os principais usos desta
técnica encontram-se nas culturas da soja, milho, canola, batata e algodão, com
genes de resistência aos herbicidas, a insetos e vírus, sendo os dois últimos
isolados ou conjuntamente. Através da biotecnologia, empresas públicas e
privadas estão trabalhando para o desenvolvimento de plantas transgênicas de
alfafa, canola, melão, milho, pepino, uva, batata, abóbora, soja e tomate
resistentes a doenças causadas por vírus, além de tomate e pimenta, mais
especificamente, resistentes a doenças causadas por fungos organismos vivos,
como por exemplo, nematóides, bactérias, fungos, vírus, etc.
Com base nessas constatações a produção de Sementes
Crioulas na UNAIC começou a ser realizada em setembro de 1994, motivados pela
assessoria técnica das entidades parceiras da UNAIC, Pastoral Rural da Igreja
Católica e CAPA - Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor, entidade que é ligada
a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB. O programa passa
então a receber também o apoio da EMBRAPA, que contribuiu com o programa através
da realização de troca de material genético entre a empresa e os agricultores.
No ano de 1997, foi criado o banco Comunitário de
Sementes, que tem como objetivo promover a troca de cultivares entre os
agricultores e consequentemente a reprodução e preservação dessas variedades.
Em 1999 a produção de sementes crioulas de Milho e
Feijão passa a ser um programa institucional da UNAIC, para isso foi realizado
o cadastro junto ao antigo Departamento de Produção Vegetal - DPV do governo do
Estado do Rio Grande do Sul, que oficializa a UNAIC como produtora de sementes,
com isso a UNAIC passa a buscar e atender novos mercados de comercialização
dentre os quais se destacaram a comercialização de sementes via o programa
Troca Troca do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que propiciou o acesso
de Comunidades tradicionais como as Indígenas e Quilombolas além de Assentados
da Reforma Agrária a essas sementes.
No ano de 2001 a UNAIC recebe através de um
programa do governo do Estado do Rio Grande do Sul, uma Unidade de
Beneficiamento de Sementes - UBS, que foi a primeira da América Latina a
processar grãos, e também sendo a primeiras e únicas UBS na América Latina a
ser administrada exclusivamente por agricultores familiares. Essa UBS foi
inaugurada em Agosto de 2002, na ocasião da realização da 1ª Feira Estadual de
Sementes Crioulas e Tecnologias Populares que tinha como principais objetivos,
a divulgação do trabalho de preservação de sementes realizado em Canguçu,
além de possibilitar trocas de experiências de produção de Sementes Crioulas de
todo o Estado, além desses objetivos a Feira despertou na comunidade local a
importância da preservação e conservação da biodiversidade, A Feira já foi
realizada em outras duas oportunidades sendo a 2ª edição em 2004 e a 3ª edição
em 2006, evento que reuniu mais de 20.000 pessoas e discutiu a necessidade da
preservação da biodiversidade como um projeto de desenvolvimento sustentável.
Em 2005, com a mudança da Lei de Sementes a UNAIC e
com o repasse da responsabilidade de credenciamento da produção de Sementes do
DPV, para o Ministério da Agricultura, foi necessário refazer todo o processo
de recadastramento junto a esta instituição.
Ao longo desses 14 anos de projeto a UNAIC já
conseguiu, resgatar e reproduzir 19 cultivares de Semente de Milho, 7
cultivares de semente de feijão , 2 cultivares de semente trigo e 4 cultivares
de Sementes de Adubação Verde Crioulas.
Porém somente a partir de 2004 conseguimos produzir
sementes em quantidade suficiente para garantir a comercialização das mesmas.
Hoje já estamos produzindo e comercializando 11 cultivares de milho crioulo:
Argentino Branco, Argentino Amarelo, Cunha, Caiano Rajado, Caiano Amarelo,
Lombo Baio, Amarelão, Branco Dentado, Bagualão, Branco Índio e Oito Carreiros e
ainda variedades de milho varietal sendo elas: BRS Missões, Al 25, Brs 451,
F35, Al 30 e Planalto, além de 3 cultivares de Feijão sendo Guapo Brilhante,
Valente e FT Nobre.
Atualmente nossa produção média de sementes é de 40
toneladas, O programa emprega em torno de 150 pessoas que estão envolvidas
diretamente na preservação e reprodução das sementes Crioulas, e também na
produção de Sementes Varietais (Sementes Crioulas que foram melhoradas em
pesquisas e seleção de campo, pela EMBRAPA em parceria com os agricultores da
UNAIC).As ações do projeto têm beneficiado diretamente 40 famílias de
agricultores familiares, e indiretamente inúmeras famílias de agricultores
familiares, assentados de reforma agrária, quilombolas e demais povos
tradicionais que tem adquirido as sementes crioulas produzidas e
comercializadas pela UNAIC.
Com base nos resultados que já alcançamos,
acreditamos que a preservação das sementes crioulas é uma ação estratégica na
construção de um novo modelo produtivo.
Você sabe o que é semente crioula?
Matéria publicada em 16/07/2009 no site: www.dodesign-s.com.br
Autor: Valdemar Arl*
Membro-fundador da Rede Ecovida de Agroecologia
*Valdemar Arl é
engenheiro agrônomo e educador popular, especialista em agroecologia e desenvolvimento
sustentável e, administração rural, mestre em agroecologia – doutorando em
agroecologia – consultor autônomo; professor no Curso de Desenvolvimento Rural
Sustentável e Agroecologia da UnC/ Concórdia, SC. valdemar@ecovida.org.br
Sementes da Esperança
É
muito comum quando ando por aí, colocar a mão no bolso e encontrar algumas
sementes. Moro na cidade há muitos anos, mas não perdi essa prática da troca e
da disseminação de sementes que herdei da minha história de vivência e
convivência junto ao campo.
Sempre
que as famílias de agricultores se visitam, uma prática bem presente ainda hoje
é a troca de mudas, sementes ou animais reprodutores. Essa prática era uma
condição fundamental no melhoramento das espécies ou variedades de plantas e
raças de animais. Quando um agricultor ou uma agricultora doa uma semente ou
faz uma troca percebe-se um sentimento de realização, felicidade e expectativa
em ambas as partes. Essa prática é cultural e faz parte da condição do “ser
camponês”.
Alicerçada
nessas práticas a humanidade produziu e se alimentou por mais de 10.000 anos.
Mas, em apenas pouco mais de 50 anos, a produção de alimentos sofreu grandes
transformações. O modelo industrial agroquímico aplicado no campo negou essas
práticas populares de manutenção e melhoramento das espécies e raças
classificando-as como atrasadas.
Sim,
a nova ciência e tecnologia proporcionaram muitos avanços na área do
melhoramento, mas teve um efeito negativo em relação à continuidade das
espécies ou raças, e, ao negar a prática acima mencionada, criou-se alguns sérios problemas:
- Redução drástica na base alimentar dos povos: existem mais de 10.000 espécies de plantas comestíveis – os povos primitivos se alimentavam de 1.500 a 3.000 espécies – a agricultura antiga produzia com base em mais de 500 espécies – a agricultura industrial restringiu a base da nossa alimentação a 9 (nove) espécies, que são aquelas que dão mais lucro ao mercado. O trigo, arroz, milho e soja representam 85% do consumo de grãos no mundo.
- Crescente deficiência nutricional na alimentação humana: isso é conseqüência direta da redução de diversidade alimentar e também porque essas espécies oferecidas pelo mercado são pobres em muitos minerais e proteínas.
- Redução da biodiversidade: muitas espécies e variedades já se perderam e as monoculturas vão tomando conta do campo. Há também uma perda da diversidade genética e as plantas vão se tornando cada vez mais susceptíveis a pragas e doenças. A perda da diversidade desequilibra os sistemas – tanto os sistemas naturais como os cultivados.
- Crescente dependência de grande corporações empresariais: Algumas poucas empresas querem dominar a produção e distribuição de alimentos no mundo. Estamos cada vez mais dependentes dessas empresas para nos alimentarmos e, portanto sujeitos às suas decisões quanto ao que devemos comer e quanto devemos pagar por isso. A ofensiva dos transgênicos é parte dessa estratégia de controle e dominação.
As
sementes não podem ser privatizadas ou contaminadas com genes estranhos à
espécie, como acontece nos transgênicos, e nem tornar-se objeto de dominação
dos povos por parte de corporações empresariais.
As
sementes são patrimônio da humanidade, pois são um legado de nossos
antepassados. Tão importantes para a existência humana que são constantemente
celebradas e consagradas.
Uma
grande quantidade de espécies que usamos na nossa alimentação é nativa das
Américas e foram deixadas pelos indígenas (Astecas, Maias, Incas e outros) como
por exemplo: milho, batata, mandioca, feijão, algodão tomate, pimenta,
amendoim, cacau, abóbora e outros. Outras foram trazidas de outros continentes,
como o trigo e o arroz, mas já por centenas de anos são conservadas e
melhoradas pelas famílias agricultoras. Essas sementes que são conservadas e
melhoradas pelas famílias de agricultores são chamadas de sementes crioulas.
A
disponibilidade e continuidade dessas sementes é virtude e missão da
agricultura familiar/camponesa e não depende de nenhuma empresa ou país e, são
fundamentais para a garantia de segurança e soberania alimentar dos povos. As
sementes crioulas são adaptadas aos ambientes locais, portanto mais
resistentes, e menos dependentes de insumos. São também a garantia da
diversidade alimentar e contribuem com a biodiversidade dentro dos sistemas de
produção. A biodiversidade é a base para a sustentabilidade dos ecossistemas
(sistemas naturais) e também dos agroecossistemas (sistemas cultivados).
O futuro pertence àqueles que conservam e multiplicam as
sementes crioulas!
A
Rede Ecovida de
Agroecologia é um espaço de articulação de agricultores
familiares, técnicos e consumidores reunidos em associações, cooperativas e
grupos informais que, juntamente com pequenas agroindústrias, comerciantes
ecológicos e pessoas comprometidas com o desenvolvimento da agroecologia no Sul
do Brasil. Tem como objetivos com o objetivo de:
- Garantir a identidade popular e transformadora na construção da agroecologia e, responder de forma coletiva e propositiva a desafios concretos, às questões políticas, técnicas e outras, no cenário local, regional, nacional e internacional;
- Desenvolver e multiplicar as iniciativas em agroecologia;
- Estimular o trabalho associativo na produção e no consumo de produtos ecológicos;
- Articular e disponibilizar informações entre as organizações e pessoas;
- Aproximar, de forma solidária, agricultores e consumidores;
- Estimular o intercâmbio, o resgate e a valorização do saber popular;
- Ter uma marca e um selo que expressam o processo, o compromisso e a qualidade.
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