Reportagem
realizada por Cinthia Andruchak Freitas, jornalista da Epagri, publicada na Revista Agropecuária
Catarinense, v.24, n.3, nov.2011
A
lavoura em nada lembra uma horta tradicional. Dentro de uma estrutura coberta
por plástico e protegida por telas nas laterais, tomates saudáveis e graúdos
crescem livres de qualquer insumo químico. Eles são produzidos no abrigo de
cultivo desenvolvido pela Epagri/Estação Experimental de Itajaí (EEI), que
viabilizou a produção de tomate orgânico em solo barriga-verde – proeza
impensável até a década de 90, antes do surgimento dessa tecnologia. “O abrigo funciona como um guarda-chuva”,
explica o engenheiro agrônomo José Ângelo Rebelo. A cobertura evita as chuvas
em excesso sobre a planta, dificultando o surgimento de doenças, enquanto a
tela barra a entrada de insetos. “Algumas pragas, como a
broca--pequena-do-tomate, dificilmente são controladas por produtos
alternativos usados na agricultura orgânica”, justifica o engenheiro-agrônomo
Euclides Schallenberger. Simples e barata, a solução exigiu anos de estudo e
hoje abarca uma série de tecnologias desenvolvidas pelos pesquisadores. Um
exemplo é o tutoramento dos tomateiros, que deve ser vertical – e não cruzado,
como era feito tradicionalmente – para ventilar melhor as plantas. Pelo mesmo
motivo, as linhas de plantio devem ser feitas no sentido norte-sul. Sob os
beirados do abrigo, calhas coletam a água da chuva e a conduzem até
reservatórios que abastecem um sistema de irrigação por gotejamento. “Ele
fornece água de acordo com a demanda da planta”, explica Rebelo. Além de ser
mais econômico, o gotejamento evita o surgimento de doenças porque direciona a
água apenas para as raízes. Hoje, produtores catarinenses de tomate orgânico
usam esse modelo de abrigo e muitos aproveitam as vantagens do sistema para
produzir outras hortaliças. “Não há impedimento para o cultivo de nenhuma
hortaliça em abrigo. A única recomendação é evitar o plantio em épocas em que a
temperatura dentro dele prejudica o desenvolvimento da cultura”, orienta
Schallenberger. Na produção de pepino, esse sistema oferece uma vantagem a
mais. Os pesquisadores descobriram que, nos abrigos revestidos por tela, a
semeadura dos pepineiros pode ser feita diretamente no solo, sem a necessidade
de produzir as mudas em bandejas. Nas plantações do Estado, a técnica reduz
custos, adianta a colheita em cerca de cinco dias e eleva a produtividade em
20%.
Futuro sustentável
Essas e outras tecnologias para a produção
orgânica vêm sendo estudadas desde 1990 pelo Programa de Pesquisa em Hortaliças
da Estação Experimental de Itajaí. O desafio é buscar alternativas que garantam
a produção competitiva, sustentável e de qualidade. Há cerca de 60 espécies de
hortaliças importantes no consumo humano e isso explica a complexidade dos
estudos sobre os quais os cientistas se debruçam. A importância econômica das
culturas é outro ponto forte: Santa Catarina é um dos principais produtores
brasileiros de alho, cebola, batata, tomate, repolho, pepino para picles,
beterraba e batata-salsa, com lavouras distribuídas em todas as regiões. Por
meio de cursos, dias de campo, visitas e da ação dos extensionistas, pequenos e
grandes produtores têm acesso a um pacote de tecnologias que não beneficiam
apenas quem trabalha com a produção orgânica. “Disponibilizamos um sistema
completo para qualquer agricultor, inclusive do modelo convencional, adotar as
técnicas que quiser. O uso adequado dos agrotóxicos já é uma arma importante na
defesa das plantas e na redução dos impactos ambientais”, diz Rebelo.
Mudança de vida
Essas técnicas provocaram grandes
transformações na propriedade da família Tribess, de Blumenau. Por muitos anos,
o casal Maria Cristina e Werner produziu hortaliças no sistema convencional. “A
situação foi ficando difícil. Era muita mão de obra, a chuva prejudicava as
hortaliças e às vezes não tínhamos o que colher”, lembra Maria Cristina. Em
busca de uma solução, o casal e os filhos Ademir, hoje com 33 anos, e Alfredo,
de 19, fizeram cursos para conhecer as tecnologias da Epagri. Ainda
desconfiados, mas bastante motivados pelo filho mais velho, os agricultores
testaram o que aprenderam em uma área pequena. “Em 1996 construímos um abrigo
de 7 x 3m para tomates que, na primeira safra, deu mais dinheiro do que 250 pés
plantados fora dele. Depois disso, nunca mais plantamos em campo aberto”, conta
Werner. Os resultados de cada colheita pagavam a ampliação do abrigo para a
safra seguinte e a produção foi crescendo. “Mudamos toda a nossa forma de
pensar e trabalhar”, revela a agricultora. Hoje a família cultiva tomate,
pepino, feijão, alface, pimentão, berinjela e cebolinha. São colhidas cerca de
3 toneladas de tomate por mês e 2 toneladas mensais de pepino no verão. A
produção é vendida para uma rede de supermercados que, em parceria com a
Epagri, está organizando os olericultores que trabalham com cultivo protegido
no município. As mudanças na vida dos Tribess são marcantes. A renda cresceu e
é suficiente para sustentar uma família com cinco adultos. A velha casa de
madeira foi substituída por uma nova, de alvenaria. O volume de produção
praticamente dobrou, enquanto o serviço ficou mais leve. “Antes a gente
produzia menos e faltava mão de obra. Agora não trabalhamos mais na chuva e o
esforço é menor”, compara Werner. Na lavoura, o uso de insumos químicos já caiu
90%. Animada com os resultados, a família quer evoluir ainda mais e está em
transição para a produção orgânica. “Não quero mandar para os outros os
alimentos que não como, por isso reduzimos o uso de agrotóxicos”, revela Maria
Cristina.
Nutrição na medida
Nutrição na medida
Os pesquisadores Rebelo e Schallenberger
contam que o segredo da agricultura sustentável é dar à planta as condições que
ela precisa para revelar seu potencial de produção e de defesa contra pragas e
doenças. Esse processo passa por uma nutrição equilibrada e, por esse motivo,
desde 1995 os agrônomos estudam a compostagem de materiais orgânicos buscando
atender as necessidades de cada hortaliça. Analisando combinações de materiais,
como capim-elefante, palha de arroz, crotalária, feijão-de--porco e estercos,
eles trabalham para obter compostos com teores diferenciados de nutrientes. Esse
processo é feito em um modelo de composteira que foi desenvolvido na EEI:
trata-se de um abrigo com piso impermeável para evitar perda de nutrientes e
contaminações ambientais. “A compostagem reduz os custos de produção, utiliza o
que existe na propriedade e dá um fim adequado para resíduos com potencial
poluente”, destaca Schallenberger. Praticamente todos os agricultores da região
de Itajaí que produzem hortaliças de forma ecológica conhecem essas vantagens e
fazem o próprio adubo. Além dos compostos, os pesquisadores estudam as melhores
formas de aplicá-los. “Nossa hipótese é que podemos substituir qualquer
adubação mineral pela orgânica; só precisamos saber quando e como aplicar”,
explica Schallenberger. Após uma série de testes, eles descobriram que o
composto orgânico pode ser aplicado todo de uma vez no plantio de tomate,
pepino e repolho, substituindo o fertilizante mineral. “Essa técnica reduz a
mão de obra do produtor, já que a adubação mineral geralmente é parcelada em
três, quatro ou até cinco vezes”, diz o pesquisador. Agora, eles estudam a
adubação de cenoura e alface.
Terra saudável
O solo onde as hortaliças vão se
desenvolver também precisa de atenção. Para reciclar os nutrientes, uma
recomendação é semear espécies como aveia, ervilhaca, feijão-de-porco e
crotalária. Mas para determinar o melhor manejo para cada hortaliça, os
pesquisadores estão testando a eficiência de técnicas como plantio direto,
cultivo mínimo e cobertura de palha. “Esses sistemas reduzem significativamente
os custos com mão de obra para capina e mecanização do solo”, destaca Schallenberger.
E se o objetivo é eliminar doenças do solo e controlar plantas espontâneas, a
Epagri ensina os agricultores a fazer a solarização, um método ecológico e
barato que foi adaptado pela EEI em 1995. Depois de revolver e molhar uma
camada de terra, o agricultor cobre a área com um plástico. O calor do sol e a
umidade eliminam nematoides, fungos e bactérias que causam murchas nas plantas,
mas preservam os microrganismos que fazem bem para a lavoura. Outra opção para
driblar os problemas do solo é usar porta-enxertos mais resistentes aos agentes
dessas doenças. Para dar essa alternativa aos produtores, o pesquisador Rafael
Cantú avalia porta-enxertos de tomateiro resistentes a nematoides, fungos e
bactérias que provocam murchas.
Tesouro genético
Nem mesmo as melhores técnicas de produção
podem salvar a lavoura se as plantas não tiverem boa qualidade genética. Por
isso, a motivação da seleção de cultivares de hortaliças para a produção
orgânica é obter plantas mais produtivas, resistentes a doenças e com as
qualidades que o mercado procura. No Banco Ativo de Germoplasma da EEI, uma
espécie de tesouro genético que serve como fonte para essas pesquisas, são
preservadas mais de 200 variedades de sementes “crioulas” de hortaliças como
tomate, alface, pimentão, feijão, pepino, aipim e batata-doce com potencial
para se transformar em renda nas lavouras do futuro. Outra preocupação é obter
cultivares que permitam ao agricultor produzir as próprias sementes, o que nem
sempre é possível com as variedades híbridas do mercado. “Além disso, nas
indústrias de sementes as plantas são cruzadas entre si para serem uniformes e,
por isso, não têm muitos genes de defesa”, acrescenta Rebelo. Depois das
avaliações agronômicas, as variedades são testadas em pesquisas participativas
pelos maiores interessados no assunto. Os agricultores acompanham todo o ciclo
da cultura e, após a colheita, avaliam as características que julgam
importantes para cada hortaliça, como tamanho, formato, facilidade de
descascamento, tempo de cozimento e sabor em diferentes formas de preparo. O
trabalho de seleção mais adiantado é o da alface. Cinco variedades estão em
avaliação pelos produtores e, em breve, será lançada a primeira: a Litorânea.
“Falta apenas fazer o último teste, mas os agricultores precisam estar
organizados em associações para receber as sementes”, explica Rebelo. Em três
anos, a EEI planeja lançar novos cultivares de batata-doce, em parceria com a
Estação Experimental de Ituporanga, e tomateiros resistentes a doenças que
permitirão ao agricultor retirar as próprias sementes, economizando cerca de R$
10 mil por hectare em cada safra. Outra boa promessa são as variedades de aipim
que devem chegar às propriedades em dois anos para incrementar a renda de mais
de 3 mil famílias catarinenses que sobrevivem dessa cultura. Também de olho no
mercado, os pesquisadores iniciaram a seleção de cultivares de pimenteira.
“Estamos avaliando sabores, cores, formas e teores de capsaicina, a substância
que confere o gosto picante à pimenta”, adianta Schallenberger.
Mudas e oportunidades
Seja qual for a hortaliça, a qualidade das
mudas é determinante para que a planta expresse seu potencial produtivo. No
sistema desenvolvido na EEI, elas são feitas em canteiros móveis sob abrigos,
com substratos adequados para cada espécie. “Há mais de dez anos nós produzimos
mudas sem aplicar nenhum agroquímico, apenas com o manejo adequado do ambiente,
da irrigação e da nutrição das plantas”, conta Rebelo. Com o treinamento
oferecido pela Epagri, vários olericultores se especializaram nessa tarefa e,
hoje, 100% das mudas de hortaliças são produzidos dessa forma em Santa
Catarina. Um desses produtores é Heinz Passold. Da propriedade de 40 mil metros
quadrados em Blumenau saem de 2 mil a 10 mil bandejas de mudas por mês,
dependendo da época do ano. São hortaliças como repolho, couve-flor, beterraba,
brócolis, nabo, couve-chinesa, alface, tomate, pimenta, berinjela, rúcula,
chicória, almeirão, além de algumas flores, totalizando 140 espécies que
abastecem 50 agropecuárias, floriculturas e produtores no Vale do Itajaí e no
norte do Estado. Mas quem visita o empreendimento não imagina que há cerca de
15 anos Heinz não tinha dinheiro nem para comprar sementes. Demitido de uma
indústria metalúrgica, ele procurou alternativas para sustentar a família, fez
cursos da Epagri com a esposa Norma e, em um terreno de apenas 800m2, o filho
de agricultores voltou às origens e começou a produzir frutas e hortaliças. Os
primeiros anos foram difíceis. “Um dia, sem dinheiro, ofereci duas bandejas de
mudas de alface para a dona de uma agropecuária em troca de sementes”, lembra.
Troca feita, a comerciante pediu mais mudas, mas Heinz não tinha dinheiro para
comprar material. “Eu tinha apenas vontade de trabalhar, então ela me deu
algumas bandejas e sementes e comecei a fornecer mudas para a loja”, conta. De
muda em muda, os resultados se multiplicaram. Hoje o negócio emprega toda a
família – Heinz, a esposa, o filho e a nora –, além de 16 funcionários, sem
contar a geração de empregos indiretos. Para chegar aonde estão, além de
dedicação e força de vontade, Heinz e Norma contaram com a Epagri para aprender
a produzir plantas saudáveis e de qualidade. Embora as mudas não sejam
orgânicas, eles aplicam técnicas como cultivo protegido e produção de composto.
“Antes eu não sabia o que era uma fórmula de adubo, os nutrientes que uma
planta precisa, o que era uma doença, por que ela aparece, nem conhecia as
pragas”, lembra Heinz. Aos 50 anos, o produtor planeja a sucessão do negócio.
Em nove anos, quer se aposentar e passar as rédeas da propriedade para o filho
e a nora. Jefferson, que tem 23 anos, está certo do que quer para seu futuro:
“A gente tem que trabalhar onde se sente realizado, e eu estou feliz aqui”.
Produtividade do pepino
salta 1.000%
Grande parte das transformações pelas
quais a produção de pepino de Santa Catarina passou nos últimos anos pode ser
atribuída ao trabalho da Epagri. Antes dos estudos sobre o tutoramento da
hortaliça, ela era cultivada de forma rasteira, o que provocava perda de
frutos, reduzia a produtividade e o ciclo da planta e favorecia a entrada de
doenças. Além disso, o manejo e a colheita eram difíceis e as plantas eram
facilmente pisoteadas. Por volta de 1998, os pesquisadores começaram a avaliar
diferentes tipos de tutoramento e concluíram que o método mais econômico e que
exige menos mão de obra é o sistema vertical com fitilho. “Em ambiente mais
seco e ventilado, cai o risco de doenças. Além disso, a colheita fica mais
fácil e a produtividade aumenta de 30% a 40%”, detalha o pesquisador Euclides
Schallenberger. Hoje, todo o pepino para picles produzido em Santa Catarina é
tutorado dessa forma. A soma dessa e de outras tecnologias da EEI com as que
foram lançadas pelo mercado, como cultivares mais produtivos, provocaram uma
revolução nas plantações do Estado: nos últimos 15 anos, a produtividade média
saltou de 8 para 80t/ha. “De todas as hortaliças, o pepino registrou a maior
evolução em aumento de produtividade”, afirma o agrônomo. Santa Catarina é o
principal produtor nacional de pepinos para picles, concentrando o maior parque
agroindustrial brasileiro de conservas de hortaliças. A produção envolve mais
de 3.500 famílias de agricultores que cultivam cerca de 1.800ha e têm na
atividade uma das principais fontes de renda.
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