Autores
Antônio Carlos Ferreira da Silva, engenheiro agrônomo, M.Sc., pesquisador aposentado da Epagri/Estação Experimental de Urussanga, SC, e-mail: ferreira51@ymail.comLuiz Augusto Martins Peruch, engenheiro agrônomo, Dr., pesquisador da Epagri/Estação Experimental de Urussanga, SC, e-mail: lamperuch@epagri.sc.gov.br
Publicação: O trabalho faz parte do Boletim Didático nº 88 “Produção orgânica de hortaliças no litoral sul catarinense” publicado pela Epagri. Interessados em adquirir a publicação completa e ilustrada com 205 páginas, devem entrar no site: www.epagri.sc.gov.br e acessar os link “Publicações” e “Boletim didático”.
Ainda nos dias atuais, grande número de pessoas ligadas à agricultura sustenta a ideia de que não é possível produzir alimentos sem o uso de adubos químicos solúveis e agrotóxicos. Em função disso, alguns mitos a respeito da agricultura orgânica foram criados e divulgados pelo mundo. Entre eles, destacam-se: “A agricultura orgânica é de alto risco, cara e que exige muita mão de obra. A agricultura orgânica, além de reduzir a produtividade, proporciona produtos orgânicos de padrão comercial inferior e inadequado às exigências dos consumidores”.
A literatura existente, embora ainda escassa, tem mostrado que as crenças sobre agricultura orgânica não são verdadeiras. Conforme pode ser verificado na bibliografia citada e consultada deste boletim, já existem vários trabalhos que comprovam as vantagens do cultivo orgânico em relação ao convencional para diversas espécies.
Dentre as culturas estudadas no sistema orgânico, as hortaliças, caracterizadas por grande número de espécies, ciclo curto, utilização intensiva do solo e insumos e alta susceptibilidade a doenças e pragas, especialmente quando mal manejadas, apresentam poucos resultados de pesquisa.
A Epagri, por meio das Estações Experimentais em todo o Estado de Santa Catarina, tem contribuído com trabalhos de pesquisa visando à produção de hortaliças no sistema orgânico com resultados promissores. A EEUr, a partir de 2000, concentrou esforços em pesquisas com base agroecológica em hortaliças, especialmente no cultivo de batata e, posteriormente, nas culturas de cebola, tomate, repolho, couve-flor, brócolis, cenoura, alface, beterraba, batata-doce e feijão-de-vagem, com o objetivo de verificar a viabilidade técnica e econômica do cultivo orgânico. A seguir, serão apresentados os resultados de destaque obtidos no cultivo orgânicos de batata.
Batata
Resultados obtidos em propriedades de produtores no litoral sul catarinense a partir de 2000 mostraram a viabilidade do cultivo orgânico de batata, validando resultados de pesquisa obtidos na EEUr.
Produtividade e qualidade da batata-consumo
Os resultados obtidos evidenciaram a superioridade dos cultivares Epagri 361 Catucha e SCS365 Cota sobre os demais quanto ao rendimento comercial de tubérculos (Silva et al., 2008). A maior adaptação desses cultivares nas condições de cultivo no litoral catarinense e a alta resistência à requeima explicam os resultados obtidos.
Figura 1. Cultivo orgânico de batata na EEUr – SCS 365 – Cota (cultivar catarinense) x Ágata (cultivar holandesa mais plantado no Brasil)
Figura 2. Cultivo orgânico de batata na EEUr – Epagri 361 – Catucha (cultivar catarinense) x Ágata (cultivar holandesa mais plantado no Brasil)
Figura 3. Rendimento comercial de batata orgânica para consumo obtido em oito unidades demonstrativas em propriedades de agricultores (plantio de inverno de 2000, 2001, 2005 e 2006), no litoral sul catarinense. Epagri, 2008.
Quanto ao aspecto comercial, observou-se que os cultivares apresentaram tubérculos com aparência razoável a boa quanto à uniformidade e película, e poucos danos de pragas do solo.
Figura 4. Tubérculos, batata-palha e “chips” do cultivar de batata Cota, lançado em dezembro de 2008 na Epagri/Estação Experimental de Urussanga, SC
Qualidade da batata processada
Com relação ao teor de matéria seca dos tubérculos obtidos, um dos principais requisitos para industrialização, especialmente na forma de batata-palha, “chips” e fritas, destacaram-se os cultivares Epagri 361 Catucha e SCS365 Cota, com 20,6% e 20,7%, em média, respectivamente.
Outro trabalho de pesquisa realizado na EEUr com o cultivar Catucha evidenciou que o uso de matéria orgânica à base de turfa aumentou significativamente a porcentagem de matéria seca dos tubérculos, quando comparado ao uso de apenas adubos químicos (Silva & Dittrich, 2002).
Ao se comparar a batata Catucha industrializada na forma de palitos pré-fritos congelados, produzida em dois sistemas de produção, verificou-se que a cultivada no sistema orgânico apresentou qualidade superior em relação à obtida no cultivo convencional.
Tabela 1. Avaliação dos atributos físico-sensoriais da batata Catucha produzida nos sistemas orgânico e convencional, após o processamento, na forma de palitos pré-fritos congelados.
Tabela 1. Avaliação dos atributos físico-sensoriais da batata Catucha produzida nos sistemas orgânico e convencional, após o processamento, na forma de palitos pré-fritos congelados.
Sistema
|
Parâmetros
físico-sensoriais(1)
|
||||
Aspecto
|
Textura
|
Sabor
|
Cor
|
“Crocância”
|
|
Orgânico
|
MB
|
MB
|
B
|
MB
|
MB
|
Convencional
|
R
|
R
|
B
|
B
|
R
|
(1) R = Regular (1
ponto); B = Bom (2 pontos); MB = Muito Bom (3 pontos). Avaliação feita por oito
degustadores.
Fonte: CCA/UFSC –
Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos.
Multiplicação própria de tubérculos-semente no sistema orgânico
Em função do alto custo da “semente” certificada, os produtores utilizam o descarte da própria lavoura (tubérculos miúdos), justamente os que possuem maior probabilidade de estar contaminados por viroses e ser originados de plantas fracas. A multiplicação própria de tubérculos-semente pode reduzir o custo de produção da batata e, principalmente, melhorar a produtividade, especialmente em lavouras de pequenos agricultores, que possuem baixo poder aquisitivo para adquirir “semente” certificada, que, em certos anos, chega a custar 50% do custo total da cultura.
Os cultivares Catucha e Cota destacaram-se dos demais quanto à produtividade total de tubérculos-semente, com rendimentos que variaram de 18 a 25t/ha e 14,8 a 20,2t/ha respectivamente. O cultivar Catucha apresentou uma taxa média de multiplicação de 1:12, o que significa que o plantio de cinco caixas de “semente” do tipo III possibilita a multiplicação de batata-semente de boa qualidade para cerca de um hectare.
Figura 5. Rendimento de tubérculos-semente orgânicos de batata obtidos em duas unidades de observação em propriedades de agricultores (plantio de inverno/2005) no litoral sul catarinense. Epagri, 2008
Efeito da rotação de culturas na produção de batata
Ao avaliar sistemas de rotação de culturas no período de 1993 a 1999, pesquisadores da EEUr constataram que o cultivo de gramíneas favoreceu a batata, elevando a produtividade em até 86%, melhorando a qualidade e reduzindo a incidência da sarna (Streptomyces scabies), doença propagada pela batata-semente e pelo solo (Vieira et al., 1999). Os autores concluíram que a rotação de culturas com gramíneas por dois anos é suficiente para dobrar a produtividade e melhorar significativamente a qualidade dos tubérculos.
Tabela 2. Rendimento de tubérculos comerciais em três sistemas de rotação de culturas para a batata e vantagem comparativa quanto à produtividade dos sistemas de rotação em relação ao sem rotação, no litoral sul catarinense, plantio de outono. EEUr, 1999.
Sistema de cultivo
|
Rendimento de tubérculos comerciais
(t/ha)
|
Vantagem comparativa dos sistemas de rotação (%)
| |||
1996
|
1997
|
1998
|
Média
| ||
Sem rotação
|
14,5
|
5,8
|
7,2
|
9,2
|
100
|
1 ano de rotação
|
19,3
|
12,2
|
19,8
|
17,1
|
186
|
2 anos de rotação
|
19,3
|
12,3
|
18,7
|
16,8
|
182
|
Fonte: Vieira et al. (1999).
Em função dos resultados obtidos, os autores da pesquisa sugerem o esquema de rotação para a batata, conforme a divisão da área.
Divisão da
área
|
Espécie
| ||||||
Outono/
inverno
|
Primavera/
verão
|
Outono/
inverno
|
Primavera/
verão
|
Outono/
inverno
|
Primavera/
verão
|
Outono/
inverno
| |
Ano 1
|
Ano 2
|
Ano 3
|
Ano 4
| ||||
Área 1
|
Batata
|
Milho
|
Azevém
|
Milho
|
Aveia
|
Milho
|
Batata
|
Área 2
|
Aveia
|
Milho
|
Batata
|
Milho
|
Aveia
|
Milho
|
Azevém
|
Área 3
|
Aveia
|
Milho
|
Azevém
|
Milho
|
Batata
|
Milho
|
Azevém
|
Fonte: Vieira et al. (1999).
Custo de produção dos insumos
No cultivo convencional, em um sistema relativamente tecnificado, são realizadas, normalmente, 12 a 15 pulverizações, incluindo fungicidas de contato e sistêmicos, além de inseticidas, quando necessário, com um custo aproximado de R$1.050,00/ha, enquanto no sistema orgânico 10 pulverizações com calda bordalesa a 0,5% para o manejo de doenças foliares e três aplicações com óleo vegetal de nim a 0,5% para o manejo de insetos, totalizando em torno de R$ 600,00/ha, normalmente, são suficientes durante o ciclo da cultura. Em relação à adubação, o custo no sistema orgânico é de cerca de 250,00/ha no caso de o produtor adquirir o esterco de aves, ao passo que no cultivo convencional alcança R$ 1.180,00/ha (Obs.: valores calculados em 2008).
Conclusões
Com base nos resultados obtidos na cultura da batata, conclui-se que:
1. Os cultivares Epagri 361 Catucha e SCS365 Cota são os mais promissores para a produção de batata no sistema de produção orgânica. A boa aptidão dos tubérculos para a indústria na forma de “chips”, batata palha e pré-fritas dos cultivares Catucha e Cota possibilitam aos produtores maior valor agregado pelo produto.
2. A rotação de culturas é uma prática indispensável, com os objetivos de auxiliar no manejo de pragas e doenças da batata, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos tubérculos e a fertilidade do solo.
3. É viável a multiplicação própria de tubérculos-semente no sistema orgânico a partir de batata-semente de boa qualidade fitossanitária, no plantio de inverno, utilizando-se cultivares adaptados, visando à produção de batata-consumo orgânica no litoral catarinense.
4. O custo de produção dos insumos (adubos e tratamentos fitossanitários), que pode representar até 25% do custo total da batata, é cerca de apenas uma terça parte no sistema orgânico quando comparado ao convencional. Essa vantagem, ao longo dos anos, poderá ser ainda maior, pois no cultivo orgânico a fertilidade do solo é mais duradoura em relação ao convencional.
5. A qualidade dos tubérculos produzidos (tamanho e aspectos externo e interno), seguindo-se as recomendações técnicas no sistema orgânico, é semelhante aos obtidos no cultivo convencional.
6. A adubação orgânica melhora a aptidão dos tubérculos dos cultivares indicados para industrialização.
7. A qualidade da batata processada, dos cultivares com aptidão para indústria, no cultivo orgânico, é superior à obtida no sistema convencional.
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