quarta-feira, 22 de janeiro de 2014



    

Circular Técnica, 62 - Embrapa Hortaliças
Brasília, DFJulho, 2008

Autores

Welington Pereira -  Eng. Agr., PhD, Embrapa Café Brasília-DF


Werito Fernandes de Melo -  Eng. Agr., MSc,.Embrapa Hortaliças Brasília-DF



     Plantas invasoras ou ervas daninhas são termos que têm sido muito empregados na literatura agrícola e botânica brasileira, gerando confusões e controvérsias a respeito de seus conceitos. Em um conceito amplo, planta daninha refere-se a “toda e qualquer planta que ocorre onde não é desejada”. Esta definição ampla inclui as soqueiras ou plantas voluntárias de certas culturas, como por exemplo, batata e batata-doce que crescem em outras culturas implantadas em sucessão. Em termos agrícolas, planta daninha pode ser conceituada como “toda e qualquer planta que germine espontaneamente em áreas de interesse humano e que, de alguma forma, interfere prejudicialmente nas suas atividades agropecuárias”.

     Em termos agroecológicos, plantas ou ervas espontâneas e plantas invasoras são as espécies de plantas que se originam na área de cultivo, podendo ser espécies nativas ou exóticas já estabelecidas. As espécies nativas referem-se àquelas que se  apresentam naturalmente na região, originárias da própria área, ao passo que espécies exóticas são as espécies introduzidas na região, que não são nativas ou originárias da própria área. A Instrução Normativa nº 007 do MAPA, de 17 de maio de 1999, adota, entre outras normas disciplinares para a produção vegetal orgânica, o termo plantas invasoras, sendo, entretanto, muito comum o uso do termo plantas espontâneas nos sistemas de produção orgânica.

     Uma das diferenças fundamentais do sistema orgânico em relação ao convencional é a promoção da agrobiodiversidade e da manutenção dos ciclos biológicos na unidade produtiva, procurando a sustentabilidade econômica, social e ambiental da unidade, no tempo e no espaço. Neste contexto, a flora presente assume grande importância quando as espécies da comunidade atuam como protetoras do solo, como hospedeiras alternativas de inimigos naturais, pragas, patógenos ou como mobilizadoras ou cicladoras de nutrientes, competição por água, etc. (Figura 1).

                                Foto: Gilmar Henz

Fig. 1. A manutenção da biodiversidade é muito importante na agricultura orgânica.


     O uso do termo “plantas daninhas” (Figura 2) não é apropriado para a agricultura orgânica, pois leva em conta apenas os efeitos negativos que elas causam sobre a produção agrícola, ignorando os seus efeitos positivos. É muito importante considerar a maneira pela qual as plantas interagem com seus vizinhos no agroecossistema, uma vez que há vários tipos, maneiras e graus de intensidade da interação entre elas. Assim, tem-se a protocooperação como o tipo positivo de interação ou associação, onde os dois parceiros são estimulados quando estão próximos o bastante para participar na interação. A associação de insetos benéficos com as plantas invasoras e as culturas representa provavelmente o exemplo mais conhecido de protocooperação na agricultura. Por outro lado, as plantas cultivadas e silvestres são hospedeiras de grande número de pragas e patógenos, servindo também de abrigo e fonte de alimento para os insetos benéficos. É importante observar que o conceito de planta daninhas é relativo, pois muitas delas podem trazer vantagens ao homem pelo enriquecimento da fauna benéfica, apesar de danificarem a produtividade biológica em determinadas fases dos cultivos.

                                Foto: Gilmar Henz

 Fig. 2. Em agricultura orgãnica, o uso do termo “plantas daninhas” não é apropriado.

  
     O crescimento das plantas espontâneas ao redor das hortaliças ou o estabelecimento de áreas ou faixas de vegetação espontânea, fora da área cultivada comercialmente, tem a vantagem de preservar ao máximo os aspectos naturais estabelecidos pelo ecossistema local.
     Na divisão dos talhões de cultivo, deve-se deixar as faixas de vegetação espontânea, também chamadas de corredores de refúgio (Figura 3), de 2 a 4 m de largura, para abrigar a fauna local benéfica. Em complemento, deve-se realizar o manejo da vegetação espontânea por meio de capinas em faixas para as culturas com maiores espaçamentos nas entrelinhas e a manutenção da vegetação entre os canteiros. Estas técnicas têm a vantagem de promover uma maior estabilidade do sistema produtivo, reduzindo normalmente os problemas com pragas e doenças. Sistemas diversificados podem diminuir a incidência de pragas e aumentar a atividade de inimigos naturais. Entre outras vantagens, a vegetação espontânea pode colaborar para a ciclagem de nutrientes de fácil mobilidade e, por cobrir o solo, pode protegê-lo contra a erosão.

                               Foto: Gilmar Henz
Fig. 3. Faixas de vegetação são importantes em agricultura orgânica como corredores de refúgio.


     Algumas plantas espontâneas podem ser indicadoras de solo pobre ou com  desequilíbrio de nutrientes (Tabela 1).

Tabela 1. Plantas espontâneas indicadoras de solos pobres ou com desequilibrio de
                 nutrientes.

Planta Espontânea
Características Indicadoras
Amendoim bravo ou leiteiro                        (Euphorbia heterophylla)
Desequilíbrio entre nitrogênio (N) e micronutrientes, sobretudo molibdênio (Mo) e cobre (Cu)
Azedinha (Oxalis oxyptera)
Solo argiloso, pH baixo, falta de cálcio (Ca), falta de molibdênio
Barba de bode (Aristilla pallens)
Terra de queimadas, pobre em fósforo (P), cálcio e potássio (K), solos com pouca água
Cabelo de porco (Carex spp.)
Pouco cálcio
Capim amargoso ou capim açu                     (Digitaria insularis)
Solos de baixa fertilidade
Capim caninha ou capim colorado
(Andropogon incanis)
Solos temporariamente encharcados, periodicamente queimados e com deficiência de fósforo
Capim-arroz (Echinochloa crusgalli var. crusgalli)
Solo rico em elementos tóxicos, como o alumínio na forma reduzida
Capim marmelada ou papuã                       (Brachiaria plantaginea)
Típico de solos constantemente arados, gradeados, com deficiência de zinco (Zn)
Capim rabo de burro (Andropogon sp.)
Indica solos ácidos com baixo teor de cálcio, camada impermeável entre 60 e 120 cm de profundidade
Capim-amoroso ou carrapicho                     (Cenchrus ciliatus)
Terra de lavoura empobrecida e muito compacta, pobre em cálcio
Caraguatá (Erygium ciliatum)
É freqüente em solos onde se praticam queimadas,com húmus ácido
Carrapicho-de-carneiro                    (Acanthosperum hispidum)
Deficiência em cálcio
Cavalinha (Equisetum sp.)
Solo com acidez de médio a elevado
Guanxuma (Sida spp.)
Quando tem um baixo crescimento, indica que o solo é pouco fértil
Mio-mio (Bacharis coridifolia)
Deficiência de molibdênio
Nabo (Raphanus raphanistrum)
Deficiência de boro (B) e manganês (Mn)
Picão branco (Galinsoga parviflora)
Solo com excesso de nitrogênio e deficiente em micronutrientes. É beneficiado pela deficiência de cobre
Samambaia (Pteridium auilinum)
Solo com altos teores de alumínio tóxico
Sapé (Imperata exaltata)
Solo ácidos. Ocorre também em solos deficientes em magnésio (Mg)
Tiririca (Cyperus rotundus)
Solo ácido, com carência de magnésio
Urtiga (Urtica urens)
Carência em cobre



      Entre as plantas indicadoras de solo fértil (Figura 4), pode-se citar a beldroega (Portulaca  oleracea), a chirca (Ruppatorium sp), o dente-de-leão (Taraxum oficialis) e a guanxuma  (Sida spp).

                                Foto: Gilmar Henz


Fig. 4. A beldroega (A) e a guanxuma (B) são indicadoras de solo fértil.


     Já o capim amargoso (Digitaria insularis) e o carrapicho (Cenchrus ciliatus) são  indicadores de solos de baixa fertilidade. Outras plantas predominam em áreas de queimadas, como barba-de-bode, capim colorado e o caraguatá, além de solos com desequilíbrio de nutrientes ou muito ácidos.
     A incidência das plantas espontâneas nas áreas de cultivo depende de vários fatores, que variam de acordo com o tipo de hortaliça, uma vez que são cultivadas em  diferentes espaçamentos, arranjos, densidades populacionais e ciclos culturais. Além disto, as hortaliças apresentam diferentes taxas de crescimento e arquitetura (Figura 5), que resultam em diferenças nos índices de área foliar, cobertura do solo e graus de interceptação da luz solar, fator essencial para o estímulo, germinação de sementes e ocorrência das plantas espontâneas.

                          
                                                Foto: Gilmar Henz


 Fig. 5. O milho-verde interfere na incidência de plantas espontâneas devido à arquitetura das plantas e sua velocidade de crescimento.



     As hortaliças que conseguem cobrir mais rapidamente o solo geralmente reduzem a incidência das plantas espontâneas na área cultivada.


O que é alelopatia?

     O termo alelopatia, segundo o interesse específico da área de manejo de plantas invasoras, se refere aos efeitos biológicos negativos das plantas de uma espécie vegetal sobre o desenvolvimento e o crescimento de plantas de outra espécie, por meio da  liberação de substâncias químicas orgânicas no ambiente comum. Assim, algumas plantas (cultivadas ou não) complementam sua agressividade pela liberação de substâncias tóxicas ou substâncias inibidoras de crescimento chamadas de aleloquímicos, por meio de exsudações pelas raízes (Figura 6) e lixiviação da matéria orgânica produzida.
     Em geral, quando essas substâncias são absorvidas por outras espécies, modificam o seu crescimento, reduzindo ou eliminando sua habilidade de competição. A  comprovação dos efeitos diretos dos aleloquímicos nas condições de campo é difícil, devendo, portanto, ter-se o cuidado de separar a alelopatia de outras formas de interferência negativa, especialmente a competição. Vários trabalhos na literatura demonstram que as hortaliças são bastante suscetíveis aos aleloquímicos. As leguminosas mucuna-preta e feijão-de-porco têm-se mostrado eficientes no processo de competição, alelopatia e, conseqüentemente, na redução do banco de sementes do solo.

                               Foto: Gilmar Henz

Fig. 6. A tiririca e o trevo são plantas espontâneas de difícil manejo na agricultura orgânica.


Redução de plantas espontâneas no início do cultivo das hortaliças

     A presença das plantas espontâneas no início do cultivo das hortaliças pode ser reduzida por meio de técnicas de manejo em pré-semeadura ou transplante da mudas. Também se pode planejar o uso de glebas associado a um programa de solarização dos talhões no período de altas temperaturas e antecipado aos plantios. O preparo do solo (Figura 7) e a pré-irrigação estimulam a germinação e o desenvolvimento das plantas invasoras. Recomenda-se fazer o preparo do solo de três a quatro semanas antes do plantio para permitir a germinação, o crescimento inicial e o controle pós-emergente das plantas emergidas ou em processo de germinação, por meio de capina manual, gradagem ou encanteiramento, todos de forma superficial para evitar revolver muito o solo novamente e provocar novos estímulos de germinação das sementes. O controle das plântulas espontâneas pode ser também feito com o uso do fogo, por meio de bicos aplicadores a gás, contribuindo assim para reduzir a presença das plantas espontâneas emergidas ou em processo de germinação, no início ou por ocasião do primeiro cultivo da hortaliça.
            

                               Foto: Gilmar Henz


Fig. 7. A aração e a gradagem são práticas agrícolas que interferem no ciclo de vida das plantas espontâneas.



Capina seletiva

     A capina seletiva consiste em arrancar aquelas plantas espontâneas que vêm amadurecendo, tendo já cumprido com o seu papel ecofisiológico, mantendo apenas as plantas jovens. A capina seletiva deve eliminar somente as espécies mais agressivas e/ou que estejam interferindo biologicamente. A matéria orgânica capinada é deixada sobre o solo.
     A análise do período em que as espécies de plantas invasoras competem com as hortaliças pelos fatores de crescimento é importante, sendo que a época e a duração do período em que a cultura e as plantas espontâneas coexistem influenciam na intensidade da interferência biológica.


Fontes de sementes de plantas espontâneas

     O uso de suplementos orgânicos, como o esterco de gado, pode constituir-se em fonte de plantas invasoras ou espontâneas, sobretudo quando o esterco de gado não tenha sido tratado suficientemente antes da sua aplicação no solo. Por exemplo, cerca de 20% das sementes de ançarinha-branca (Chenopodium album) permaneceram viáveis após a ingestão e obtenção do estrume curtido de gado. Em 1 kg de esterco foram contadas 42 sementes viáveis. O uso de compostagem pode aliviar esse problema, pois, as temperaturas normalmente alcançadas durante o processo de compostagem são suficientemente altas para matar a maioria das sementes (Figura 8). Assim, a perda total da viabilidade das sementes de várias espécies foi observada após a compostagem do esterco de gado por quatro semanas, alcançando temperaturas de 55 ºC a 65 ºC. Para alcançar uma redução significativa na viabilidade das sementes, a temperatura requerida deve ser acima de 46 ºC, sendo o tempo de compostagem menos importante do que a temperatura requerida.

  

                                              Foto: Gilmar Henz


Fig. 8. Solarização e coberturas inertes reduzem a incidência de plantas espontâneas.



Banco de sementes

     O banco de sementes do solo (BSS) consiste na reserva de sementes e propágulos vegetativos presentes na superfície e no interior do solo, composta das novas sementes produzidas anualmente, bem como das sementes “velhas” que persistem vivas no solo por vários anos ou mesmo décadas (Figura 9). O banco de sementes no solo representa um “arquivo de informações” das condições ambientais e das práticas culturais usadas, sendo também um fator importante da avaliação do potencial de infestação das plantas invasoras no presente e no futuro. O seu estudo permite estabelecer as relações quantitativas entre as populações de plantas presentes, sendo muito importante para os programas de manejo integrado. Práticas inadequadas de manejo tendem a aumentar o banco de sementes das plantas invasoras no solo agravando ainda mais o problema em cultivos sucessivos.
     Estima-se que somente 1 a 9% das sementes viáveis produzidas em um determinado ano germinam naquele mesmo ano, ficando, portanto, a grande maioria das sementes com germinação escalonada nos anos subseqüentes, dependendo do nível de  dormência, da distribuição no perfil do solo e dos estímulos recebidos para germinar.
     O tamanho e a composição botânica do BSS variam de acordo com os sistemas de cultivos. As sementes de espécies cultivadas geralmente não são muito competitivas porque apresentam baixa longevidade e rápida germinação.
     A grande diversidade de espécies de plantas espontâneas que infestam as áreas de cultivos de hortaliças está normalmente associada a ambientes com distúrbios constantes.
     Isto ocorre devido principalmente às suas características biológicas e reprodutivas que promovem elevada produção de sementes, eficiente dispersão de algumas espécies, dormência e longevidade das sementes e sobrevivência das plantas. Estas características, aliadas às peculiaridades do manejo realizado, normalmente, contribuem na geração de grandes bancos de sementes no solo, o que garante o potencial regenerativo de várias espécies. Assim, o BSS constitui–se na principal fonte das plantas espontâneas que ocorrem nos sistemas agroecológicos.
     Vários autores relataram que a rotação de culturas e o uso de adubos verdes reduzem o tamanho do banco de sementes no solo. As seqüências de cultivos propiciam diferentes modelos de competição, alelopatia e distúrbios do solo, com variação da pressão de seleção para plantas invasoras específicas. Isto se deve ao fato de que cada cultura apresenta uma gama de plantas ‘associadas’ variando normalmente com a localização geográfica. O uso de adubos orgânicos e a água de irrigação podem constituir em fonte de introdução sementes ou propágulos vegetativos de plantas na área cultivada.

                                           Foto: Ronessa Souza


Fig. 9. A compostagem reduz a viabilidade das sementes presentes nos estercos.


                   
                                Foto: Gilmar Henz

Fig. 10. O ‘Banco de Sementes no Solo (BSS)’ é a reserva de sementes e propágulos vegetativos das plantas na superfície e no interior do solo.


                                          Foto: Gilmar Henz

Fig. 11. Técnica corrente na agricultura convencional, o uso de herbicidas e dessecantes é expressamente proibido na agricultura orgânica.



Manejo da vegetação espontânea no cultivo orgânico

Em conformidade com a Instrução Normativa nº 007 do MAPA, de 17 de maio de 1999, o manejo das plantas invasoras deverá ser realizado mediante a adoção de uma ou mais das seguintes técnicas:

• emprego de cobertura vegetal, viva ou morta, no solo;
• meios mecânicos de controle;
• rotação de culturas;
• alelopatia;
• controle biológico;
• cobertura inerte, que não cause contaminação e poluição, a critério da certificadora;
• solarização;
• sementes e mudas isentas de plantas invasoras.





Circular Técnica, 62

Exemplares desta edição podem ser adquiridos na:  Embrapa Hortaliças
Endereço: BR 060 km 9 Rod. Brasília-Anápolis C. Postal 218, 70.531-970 Brasília-DF
Fone: (61) 3385-9115 ; Fax: (61) 3385-9042

1ª edição
1ª impressão (2008): 1000 exemplares

Comitê de  Publicações
Presidente: Gilmar P. Henz
Editor Técnico: Flávia A. Alcântara
Membros: Alice Maria Quezado Duval Edson Guiducci Filho Milza M. Lana

Expediente
Normalização Bibliográfica: Rosane M. Parmagnani
Editoração eletrônica: José Miguel dos Santos




Ferreira On 1/22/2014 10:15:00 AM 1 comment

Um comentário:

  1. Bom Dia
    Parabéns pela matéria...muito importante o conteúdo..
    Sabe dizer algo sobre o desenvolvimento tanto de Caruru como de Chá Quebra Pedra espontaneamente, o que indicam sobre o solo? Grato

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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Manejo de plantas espontâneas no sistema de produção orgânica de hortaliças



    

Circular Técnica, 62 - Embrapa Hortaliças
Brasília, DFJulho, 2008

Autores

Welington Pereira -  Eng. Agr., PhD, Embrapa Café Brasília-DF


Werito Fernandes de Melo -  Eng. Agr., MSc,.Embrapa Hortaliças Brasília-DF



     Plantas invasoras ou ervas daninhas são termos que têm sido muito empregados na literatura agrícola e botânica brasileira, gerando confusões e controvérsias a respeito de seus conceitos. Em um conceito amplo, planta daninha refere-se a “toda e qualquer planta que ocorre onde não é desejada”. Esta definição ampla inclui as soqueiras ou plantas voluntárias de certas culturas, como por exemplo, batata e batata-doce que crescem em outras culturas implantadas em sucessão. Em termos agrícolas, planta daninha pode ser conceituada como “toda e qualquer planta que germine espontaneamente em áreas de interesse humano e que, de alguma forma, interfere prejudicialmente nas suas atividades agropecuárias”.

     Em termos agroecológicos, plantas ou ervas espontâneas e plantas invasoras são as espécies de plantas que se originam na área de cultivo, podendo ser espécies nativas ou exóticas já estabelecidas. As espécies nativas referem-se àquelas que se  apresentam naturalmente na região, originárias da própria área, ao passo que espécies exóticas são as espécies introduzidas na região, que não são nativas ou originárias da própria área. A Instrução Normativa nº 007 do MAPA, de 17 de maio de 1999, adota, entre outras normas disciplinares para a produção vegetal orgânica, o termo plantas invasoras, sendo, entretanto, muito comum o uso do termo plantas espontâneas nos sistemas de produção orgânica.

     Uma das diferenças fundamentais do sistema orgânico em relação ao convencional é a promoção da agrobiodiversidade e da manutenção dos ciclos biológicos na unidade produtiva, procurando a sustentabilidade econômica, social e ambiental da unidade, no tempo e no espaço. Neste contexto, a flora presente assume grande importância quando as espécies da comunidade atuam como protetoras do solo, como hospedeiras alternativas de inimigos naturais, pragas, patógenos ou como mobilizadoras ou cicladoras de nutrientes, competição por água, etc. (Figura 1).

                                Foto: Gilmar Henz

Fig. 1. A manutenção da biodiversidade é muito importante na agricultura orgânica.


     O uso do termo “plantas daninhas” (Figura 2) não é apropriado para a agricultura orgânica, pois leva em conta apenas os efeitos negativos que elas causam sobre a produção agrícola, ignorando os seus efeitos positivos. É muito importante considerar a maneira pela qual as plantas interagem com seus vizinhos no agroecossistema, uma vez que há vários tipos, maneiras e graus de intensidade da interação entre elas. Assim, tem-se a protocooperação como o tipo positivo de interação ou associação, onde os dois parceiros são estimulados quando estão próximos o bastante para participar na interação. A associação de insetos benéficos com as plantas invasoras e as culturas representa provavelmente o exemplo mais conhecido de protocooperação na agricultura. Por outro lado, as plantas cultivadas e silvestres são hospedeiras de grande número de pragas e patógenos, servindo também de abrigo e fonte de alimento para os insetos benéficos. É importante observar que o conceito de planta daninhas é relativo, pois muitas delas podem trazer vantagens ao homem pelo enriquecimento da fauna benéfica, apesar de danificarem a produtividade biológica em determinadas fases dos cultivos.

                                Foto: Gilmar Henz

 Fig. 2. Em agricultura orgãnica, o uso do termo “plantas daninhas” não é apropriado.

  
     O crescimento das plantas espontâneas ao redor das hortaliças ou o estabelecimento de áreas ou faixas de vegetação espontânea, fora da área cultivada comercialmente, tem a vantagem de preservar ao máximo os aspectos naturais estabelecidos pelo ecossistema local.
     Na divisão dos talhões de cultivo, deve-se deixar as faixas de vegetação espontânea, também chamadas de corredores de refúgio (Figura 3), de 2 a 4 m de largura, para abrigar a fauna local benéfica. Em complemento, deve-se realizar o manejo da vegetação espontânea por meio de capinas em faixas para as culturas com maiores espaçamentos nas entrelinhas e a manutenção da vegetação entre os canteiros. Estas técnicas têm a vantagem de promover uma maior estabilidade do sistema produtivo, reduzindo normalmente os problemas com pragas e doenças. Sistemas diversificados podem diminuir a incidência de pragas e aumentar a atividade de inimigos naturais. Entre outras vantagens, a vegetação espontânea pode colaborar para a ciclagem de nutrientes de fácil mobilidade e, por cobrir o solo, pode protegê-lo contra a erosão.

                               Foto: Gilmar Henz
Fig. 3. Faixas de vegetação são importantes em agricultura orgânica como corredores de refúgio.


     Algumas plantas espontâneas podem ser indicadoras de solo pobre ou com  desequilíbrio de nutrientes (Tabela 1).

Tabela 1. Plantas espontâneas indicadoras de solos pobres ou com desequilibrio de
                 nutrientes.

Planta Espontânea
Características Indicadoras
Amendoim bravo ou leiteiro                        (Euphorbia heterophylla)
Desequilíbrio entre nitrogênio (N) e micronutrientes, sobretudo molibdênio (Mo) e cobre (Cu)
Azedinha (Oxalis oxyptera)
Solo argiloso, pH baixo, falta de cálcio (Ca), falta de molibdênio
Barba de bode (Aristilla pallens)
Terra de queimadas, pobre em fósforo (P), cálcio e potássio (K), solos com pouca água
Cabelo de porco (Carex spp.)
Pouco cálcio
Capim amargoso ou capim açu                     (Digitaria insularis)
Solos de baixa fertilidade
Capim caninha ou capim colorado
(Andropogon incanis)
Solos temporariamente encharcados, periodicamente queimados e com deficiência de fósforo
Capim-arroz (Echinochloa crusgalli var. crusgalli)
Solo rico em elementos tóxicos, como o alumínio na forma reduzida
Capim marmelada ou papuã                       (Brachiaria plantaginea)
Típico de solos constantemente arados, gradeados, com deficiência de zinco (Zn)
Capim rabo de burro (Andropogon sp.)
Indica solos ácidos com baixo teor de cálcio, camada impermeável entre 60 e 120 cm de profundidade
Capim-amoroso ou carrapicho                     (Cenchrus ciliatus)
Terra de lavoura empobrecida e muito compacta, pobre em cálcio
Caraguatá (Erygium ciliatum)
É freqüente em solos onde se praticam queimadas,com húmus ácido
Carrapicho-de-carneiro                    (Acanthosperum hispidum)
Deficiência em cálcio
Cavalinha (Equisetum sp.)
Solo com acidez de médio a elevado
Guanxuma (Sida spp.)
Quando tem um baixo crescimento, indica que o solo é pouco fértil
Mio-mio (Bacharis coridifolia)
Deficiência de molibdênio
Nabo (Raphanus raphanistrum)
Deficiência de boro (B) e manganês (Mn)
Picão branco (Galinsoga parviflora)
Solo com excesso de nitrogênio e deficiente em micronutrientes. É beneficiado pela deficiência de cobre
Samambaia (Pteridium auilinum)
Solo com altos teores de alumínio tóxico
Sapé (Imperata exaltata)
Solo ácidos. Ocorre também em solos deficientes em magnésio (Mg)
Tiririca (Cyperus rotundus)
Solo ácido, com carência de magnésio
Urtiga (Urtica urens)
Carência em cobre



      Entre as plantas indicadoras de solo fértil (Figura 4), pode-se citar a beldroega (Portulaca  oleracea), a chirca (Ruppatorium sp), o dente-de-leão (Taraxum oficialis) e a guanxuma  (Sida spp).

                                Foto: Gilmar Henz


Fig. 4. A beldroega (A) e a guanxuma (B) são indicadoras de solo fértil.


     Já o capim amargoso (Digitaria insularis) e o carrapicho (Cenchrus ciliatus) são  indicadores de solos de baixa fertilidade. Outras plantas predominam em áreas de queimadas, como barba-de-bode, capim colorado e o caraguatá, além de solos com desequilíbrio de nutrientes ou muito ácidos.
     A incidência das plantas espontâneas nas áreas de cultivo depende de vários fatores, que variam de acordo com o tipo de hortaliça, uma vez que são cultivadas em  diferentes espaçamentos, arranjos, densidades populacionais e ciclos culturais. Além disto, as hortaliças apresentam diferentes taxas de crescimento e arquitetura (Figura 5), que resultam em diferenças nos índices de área foliar, cobertura do solo e graus de interceptação da luz solar, fator essencial para o estímulo, germinação de sementes e ocorrência das plantas espontâneas.

                          
                                                Foto: Gilmar Henz


 Fig. 5. O milho-verde interfere na incidência de plantas espontâneas devido à arquitetura das plantas e sua velocidade de crescimento.



     As hortaliças que conseguem cobrir mais rapidamente o solo geralmente reduzem a incidência das plantas espontâneas na área cultivada.


O que é alelopatia?

     O termo alelopatia, segundo o interesse específico da área de manejo de plantas invasoras, se refere aos efeitos biológicos negativos das plantas de uma espécie vegetal sobre o desenvolvimento e o crescimento de plantas de outra espécie, por meio da  liberação de substâncias químicas orgânicas no ambiente comum. Assim, algumas plantas (cultivadas ou não) complementam sua agressividade pela liberação de substâncias tóxicas ou substâncias inibidoras de crescimento chamadas de aleloquímicos, por meio de exsudações pelas raízes (Figura 6) e lixiviação da matéria orgânica produzida.
     Em geral, quando essas substâncias são absorvidas por outras espécies, modificam o seu crescimento, reduzindo ou eliminando sua habilidade de competição. A  comprovação dos efeitos diretos dos aleloquímicos nas condições de campo é difícil, devendo, portanto, ter-se o cuidado de separar a alelopatia de outras formas de interferência negativa, especialmente a competição. Vários trabalhos na literatura demonstram que as hortaliças são bastante suscetíveis aos aleloquímicos. As leguminosas mucuna-preta e feijão-de-porco têm-se mostrado eficientes no processo de competição, alelopatia e, conseqüentemente, na redução do banco de sementes do solo.

                               Foto: Gilmar Henz

Fig. 6. A tiririca e o trevo são plantas espontâneas de difícil manejo na agricultura orgânica.


Redução de plantas espontâneas no início do cultivo das hortaliças

     A presença das plantas espontâneas no início do cultivo das hortaliças pode ser reduzida por meio de técnicas de manejo em pré-semeadura ou transplante da mudas. Também se pode planejar o uso de glebas associado a um programa de solarização dos talhões no período de altas temperaturas e antecipado aos plantios. O preparo do solo (Figura 7) e a pré-irrigação estimulam a germinação e o desenvolvimento das plantas invasoras. Recomenda-se fazer o preparo do solo de três a quatro semanas antes do plantio para permitir a germinação, o crescimento inicial e o controle pós-emergente das plantas emergidas ou em processo de germinação, por meio de capina manual, gradagem ou encanteiramento, todos de forma superficial para evitar revolver muito o solo novamente e provocar novos estímulos de germinação das sementes. O controle das plântulas espontâneas pode ser também feito com o uso do fogo, por meio de bicos aplicadores a gás, contribuindo assim para reduzir a presença das plantas espontâneas emergidas ou em processo de germinação, no início ou por ocasião do primeiro cultivo da hortaliça.
            

                               Foto: Gilmar Henz


Fig. 7. A aração e a gradagem são práticas agrícolas que interferem no ciclo de vida das plantas espontâneas.



Capina seletiva

     A capina seletiva consiste em arrancar aquelas plantas espontâneas que vêm amadurecendo, tendo já cumprido com o seu papel ecofisiológico, mantendo apenas as plantas jovens. A capina seletiva deve eliminar somente as espécies mais agressivas e/ou que estejam interferindo biologicamente. A matéria orgânica capinada é deixada sobre o solo.
     A análise do período em que as espécies de plantas invasoras competem com as hortaliças pelos fatores de crescimento é importante, sendo que a época e a duração do período em que a cultura e as plantas espontâneas coexistem influenciam na intensidade da interferência biológica.


Fontes de sementes de plantas espontâneas

     O uso de suplementos orgânicos, como o esterco de gado, pode constituir-se em fonte de plantas invasoras ou espontâneas, sobretudo quando o esterco de gado não tenha sido tratado suficientemente antes da sua aplicação no solo. Por exemplo, cerca de 20% das sementes de ançarinha-branca (Chenopodium album) permaneceram viáveis após a ingestão e obtenção do estrume curtido de gado. Em 1 kg de esterco foram contadas 42 sementes viáveis. O uso de compostagem pode aliviar esse problema, pois, as temperaturas normalmente alcançadas durante o processo de compostagem são suficientemente altas para matar a maioria das sementes (Figura 8). Assim, a perda total da viabilidade das sementes de várias espécies foi observada após a compostagem do esterco de gado por quatro semanas, alcançando temperaturas de 55 ºC a 65 ºC. Para alcançar uma redução significativa na viabilidade das sementes, a temperatura requerida deve ser acima de 46 ºC, sendo o tempo de compostagem menos importante do que a temperatura requerida.

  

                                              Foto: Gilmar Henz


Fig. 8. Solarização e coberturas inertes reduzem a incidência de plantas espontâneas.



Banco de sementes

     O banco de sementes do solo (BSS) consiste na reserva de sementes e propágulos vegetativos presentes na superfície e no interior do solo, composta das novas sementes produzidas anualmente, bem como das sementes “velhas” que persistem vivas no solo por vários anos ou mesmo décadas (Figura 9). O banco de sementes no solo representa um “arquivo de informações” das condições ambientais e das práticas culturais usadas, sendo também um fator importante da avaliação do potencial de infestação das plantas invasoras no presente e no futuro. O seu estudo permite estabelecer as relações quantitativas entre as populações de plantas presentes, sendo muito importante para os programas de manejo integrado. Práticas inadequadas de manejo tendem a aumentar o banco de sementes das plantas invasoras no solo agravando ainda mais o problema em cultivos sucessivos.
     Estima-se que somente 1 a 9% das sementes viáveis produzidas em um determinado ano germinam naquele mesmo ano, ficando, portanto, a grande maioria das sementes com germinação escalonada nos anos subseqüentes, dependendo do nível de  dormência, da distribuição no perfil do solo e dos estímulos recebidos para germinar.
     O tamanho e a composição botânica do BSS variam de acordo com os sistemas de cultivos. As sementes de espécies cultivadas geralmente não são muito competitivas porque apresentam baixa longevidade e rápida germinação.
     A grande diversidade de espécies de plantas espontâneas que infestam as áreas de cultivos de hortaliças está normalmente associada a ambientes com distúrbios constantes.
     Isto ocorre devido principalmente às suas características biológicas e reprodutivas que promovem elevada produção de sementes, eficiente dispersão de algumas espécies, dormência e longevidade das sementes e sobrevivência das plantas. Estas características, aliadas às peculiaridades do manejo realizado, normalmente, contribuem na geração de grandes bancos de sementes no solo, o que garante o potencial regenerativo de várias espécies. Assim, o BSS constitui–se na principal fonte das plantas espontâneas que ocorrem nos sistemas agroecológicos.
     Vários autores relataram que a rotação de culturas e o uso de adubos verdes reduzem o tamanho do banco de sementes no solo. As seqüências de cultivos propiciam diferentes modelos de competição, alelopatia e distúrbios do solo, com variação da pressão de seleção para plantas invasoras específicas. Isto se deve ao fato de que cada cultura apresenta uma gama de plantas ‘associadas’ variando normalmente com a localização geográfica. O uso de adubos orgânicos e a água de irrigação podem constituir em fonte de introdução sementes ou propágulos vegetativos de plantas na área cultivada.

                                           Foto: Ronessa Souza


Fig. 9. A compostagem reduz a viabilidade das sementes presentes nos estercos.


                   
                                Foto: Gilmar Henz

Fig. 10. O ‘Banco de Sementes no Solo (BSS)’ é a reserva de sementes e propágulos vegetativos das plantas na superfície e no interior do solo.


                                          Foto: Gilmar Henz

Fig. 11. Técnica corrente na agricultura convencional, o uso de herbicidas e dessecantes é expressamente proibido na agricultura orgânica.



Manejo da vegetação espontânea no cultivo orgânico

Em conformidade com a Instrução Normativa nº 007 do MAPA, de 17 de maio de 1999, o manejo das plantas invasoras deverá ser realizado mediante a adoção de uma ou mais das seguintes técnicas:

• emprego de cobertura vegetal, viva ou morta, no solo;
• meios mecânicos de controle;
• rotação de culturas;
• alelopatia;
• controle biológico;
• cobertura inerte, que não cause contaminação e poluição, a critério da certificadora;
• solarização;
• sementes e mudas isentas de plantas invasoras.





Circular Técnica, 62

Exemplares desta edição podem ser adquiridos na:  Embrapa Hortaliças
Endereço: BR 060 km 9 Rod. Brasília-Anápolis C. Postal 218, 70.531-970 Brasília-DF
Fone: (61) 3385-9115 ; Fax: (61) 3385-9042

1ª edição
1ª impressão (2008): 1000 exemplares

Comitê de  Publicações
Presidente: Gilmar P. Henz
Editor Técnico: Flávia A. Alcântara
Membros: Alice Maria Quezado Duval Edson Guiducci Filho Milza M. Lana

Expediente
Normalização Bibliográfica: Rosane M. Parmagnani
Editoração eletrônica: José Miguel dos Santos




Um comentário:

  1. Bom Dia
    Parabéns pela matéria...muito importante o conteúdo..
    Sabe dizer algo sobre o desenvolvimento tanto de Caruru como de Chá Quebra Pedra espontaneamente, o que indicam sobre o solo? Grato

    ResponderExcluir

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