quinta-feira, 26 de dezembro de 2013


     É muito comum, tanto na cidade como no campo, as pessoas acreditarem que a existência de plantas espontâneas, “mato” ou “inços” na horta, pomar ou lavoura é sinal de desleixo por parte do produtor.  Esta ideia, desenvolvida na agricultura “moderna”, especialmente com o surgimento dos herbicidas, é baseada no fato de que o “mato” compete com os cultivos por água, nutrientes e luz. As plantas espontâneas, é bem verdade,  competem com as espécies cultivadas por luz, água e nutrientes, especialmente nos primeiros 30 dias  após a implantação dos cultivos, dai a importância de retirar-se estas plantas ainda pequenas, mas somente na linha de cultivo (faixa de 20 cm aproximadamente), com a enxada ou implementos adaptados ou,  ainda manualmente. A competição por água e nutrientes de que são acusadas as plantas espontâneas é uma preocupação para o hemisfério norte, onde a estação de crescimento é fria, única e curta. Nas condições do Brasil, onde predomina o clima tropical e subtropical, a competição do “mato” com os cultivos é menos problemática do que a falta de cobertura do solo. As plantas espontâneas não merecem ser chamadas de “daninhas” e, por isso, devem ser consideradas como uma reação da natureza à falta de cobertura do solo. O uso do termo “plantas daninhas” não é apropriado para a agricultura orgânica, pois leva em conta apenas seus efeitos negativos sobre a produção, ignorando os efeitos positivos.  Após o período crítico (aproximadamente 30 dias), as plantas espontâneas nas entrelinhas dos cultivos com espaçamentos maiores (Figura 1), são consideradas "plantas amigas" devido à uma série de benefícios que serão enumerados a seguir.

Cobertura do solo

     As plantas espontâneas ajudam a cobrir o solo, reduzindo a erosão e o aquecimento superficial, nossos principais problemas, contribuindo para melhorar a disponibilidade de água e a absorção de nutrientes pelas raízes. No Brasil a cada hectare cultivado perde-se, em média, 25 toneladas/ha/ano (1 cm de camada superficial).  A cobertura do solo é capaz de reduzir as perdas de solo provocadas pela erosão em mais de 90% em relação ao preparo convencional. Esse benefício vai além das propriedades agrícolas e evita uma série de problemas; a água da chuva, especialmente no verão quando são frequentes e intensas, escorre para fora das lavouras em menor quantidade e é mais limpa, o que reduz a poluição e o assoreamento dos rios.  Ao impedir o carregamento de terra e nutrientes para fora da lavoura (erosão), as plantas espontâneas formam uma barreira que protege o solo do impacto das gotas de chuva, facilita a infiltração da água, reduz o escoamento superficial e diminui a evaporação da umidade, melhorando a capacidade do solo de armazenar água. Em relação ao sistema convencional (solo no limpo sem cobertura), a perda de água é pelo menos 70% menor, reduzindo os impactos que os períodos de estiagem causam às plantas, além de permitir melhor germinação e emergência mais uniforme das sementes dos cultivos.  Com mais água no solo, o período para o plantio das culturas aumenta; é possível fazer a semeadura de 6 a 12 dias após uma chuva, enquanto no sistema convencional (solo sem cobertura) o prazo é de 3 a 6 dias. Portanto,  o agricultor tem mais flexibilidade para implantar a lavoura na época mais propícia ou ampliar o período de plantio e, com isso, cultivar uma área maior.  Além da conservação da umidade do solo, pesquisas também revelam que a temperatura do solo descoberto alcança até 9ºC a mais quando comparado ao solo coberto e, que ao atingir 32ºC, as plantas param de absorver nutrientes. Por ocasião das estiagens, as plantas espontâneas fecham os estômatos para reduzir a sua própria perda de umidade e com isto também economizam a do solo, mantendo-o coberto e protegido da insolação.


Figura 1. Transplante de mudas (repolho, couve-flor e brócolis) no inverno, na Epagri/Estação Experimental de Urussanga, em área com plantas espontâneas (“mato”) nas entrelinhas



Melhoria das características física, química e biológica do solo
     Embora os adubos verdes, consorciados ou não com os cultivos, seja a melhor alternativa para melhorar o solo, as plantas espontâneas (“mato”) também contribuem para aumentar a densidade e a diversidade radicular,  favorecendo a reciclagem de nutrientes e melhorando as características físicas, químicas e biológicas do solo e, ainda servindo como fonte de biomassa. As culturas encontram um ambiente muito mais favorável para se desenvolver, quando são implantadas (plantio direto ou cultivo mínimo) em áreas com cobertura vegetal. Os resíduos vegetais são capazes de aumentar a quantidade de matéria orgânica no solo em cerca de 500 kg por hectare a cada ano. Esse material se decompõe lentamente, melhorando o processo de reciclagem dos nutrientes e mantendo alto o nível de atividade biológica do solo. No longo prazo, a fertilidade aumenta.  As plantas espontâneas ajudam também na descompactação do solo, contribuindo para  adubação verde e reciclam os nutrientes, em função da grande diversidade radicular (tamanho e forma). Além disso,  a cobertura do solo é fundamental para a vida deste solo, especialmente as minhocas (consideradas o “arado” do solo), uma vez que elas não gostam de luz e ainda precisam de uma maior oferta de matéria orgânica através desta cobertura para alimentá-las.

Diversificação e equilíbrio ecológico
     A monocultura, ou seja, o cultivo de apenas uma espécie numa área, é um dos maiores problemas da agricultura “moderna”, pois não existindo diversificação de espécies, as pragas e doenças ocorrem de forma mais intensa, por ser a única espécie presente no local, tornando o sistema de produção mais instável e mais sujeito às adversidades. O equilíbrio ecológico não pode ser mantido com as monoculturas.  Daí a importância dos consórcios de culturas e até a manutenção de faixas ou refúgios com “mato” e até consórcios dos cultivos com plantas espontâneas que podem servir para atrair insetos predadores  e até como alimento preferencial das pragas das culturas e também como abrigo e alimento de inimigos naturais dos insetos-pragas. Portanto,  no sistema de produção orgânico é fundamental buscar-se em primeiro lugar uma maior diversificação da paisagem geral com espécies de interesse comercial ou não, de forma a restabelecer a cadeia alimentar entre todos os seres vivos, desde microrganismos até animais maiores e pássaros, pois somente assim se obterá sistemas de produção mais estáveis, garantindo o lucro dos produtores, mesmo em condições climáticas adversas.


Indicadoras de problemas no solo
     As plantas espontâneas são espécies adaptadas ao seu ambiente, por isso são consideradas indicadoras das condições químicas ou físicas do solo, podendo indicar também o manejo que está sendo praticado. Ou seja, ao mesmo tempo que indica um problema, também ajuda a solucioná-lo. A seguir, alguns exemplos de plantas espontâneas indicadoras de problemas no solo:  
•    Picão e urtiga – excesso de matéria orgânica  e carência de cobre (Cu)
•    Carqueja, guanxuma, língua-de-vaca, maria mole e tanchagem – solo compactado
•    Samambaia – solo ácido com alto teor de alumínio
•    Barba-de-bode e capim-amargoso – solo com baixa fertilidade
•    Capim marmelada ou papuã – solo muito arado e gradeado, com deficiência de zinco
•    Nabo – solo com deficiência de boro e manganês
•    Capim-arroz  - solo rico em alumínio
•    Tiririca ou junça – solo ácido, com carência de magnésio
•    Caraguatá e barba-de-bode – é frequente em solos onde se praticam queimadas
•    Azedinha - solo argiloso, ácido, carência de cálcio e molibdênio
• Capim-caninha ou capim-colorado – solos temporariamente encharcados, periodicamente queimados e com deficiência de fósforo
•   Capim-amoroso ou carrapicho – solos de baixa fertilidade, compactado e pobre em cálcio.       
   
     O uso de vegetação espontânea, a grande maioria, pode ser utilizada como planta de cobertura. Normalmente há predominância de gramíneas, especialmente no verão e folhas largas no inverno. Entretanto, é importante observar que algumas plantas espontâneas são muito problemáticas e podem dominar a área (ex.: grama-seda, trapoeraba, tiririca, losna, entre outras), competindo por água e nutrientes durante o ciclo da cultura principal  e, dessa forma prejudicando seriamente a lavoura. Para estas espécies mais agressivas, deve-se ter um cuidado especial, no sentido de não multiplicá-las cada vez mais. Especialmente para a tiririca, o manejo é muito importante no sentido de não favorecer a multiplicação, procurando abafá-las e  controlar com outras espécies (ex.: adubos verdes) com efeito alelopático. Para maiores informações sobre o manejo da tiririca, recomenda-se ver a matéria postada neste blog “Manejo da tiririca no sistema  orgânico de produção de hortaliças“,  em 15/03/2013.
     Também é importante ressaltar que algumas plantas espontâneas são indicadoras de solo fértil, tais como a beldroega (Portulaca oleracea).

 Manejo das plantas espontâneas
     Quando uma planta se torna agressiva, chamada de “invasora” ou “inço” e domina uma área, o problema não está na planta, mas no solo e/ou no ambiente que o envolve. As medidas de controle devem considerar o grau de interferência sobre as plantas espontâneas e destas sobre os cultivos, antes e depois do manejo.
     Havendo necessidade de manejo, as plantas espontâneas não devem ser totalmente eliminadas. A intervenção deverá ser no sentido de auxiliar a natureza para que este processo ocorra ao longo do tempo, para que a população de plantas mais “agressivas” seja reduzida a níveis toleráveis, cedendo espaço para as mais “comportadas” e de mais fácil manejo. Dependendo do cultivo, é possível permitir o crescimento das plantas espontâneas. Em certos casos, amassar o “mato” pode ser mais vantajoso do que roçar e roçar mais vantajoso do que capinar. Este manejo pode ser feito da seguinte maneira:

   Práticas de prevenção: evitar a multiplicação; uso de sementes e mudas isentas de plantas espontâneas; em áreas muito inçadas preparar o solo com antecedência para permitir a emergência e eliminação de plantas espontâneas; utilizar composto orgânico ao invés de esterco de gado (fonte de sementes de plantas espontâneas); controle manual; rotação e consorciação de culturas;

     Plantas de cobertura (adubos verdes) em rotação, sucessão ou consorciadas com os cultivos e com efeitos alelopáticos: mucuna (abafamento), feijão de porco (tiririca), aveia e nabo forrageiro (papuã), ervilhaca e outras;

     Roçada das plantas espontâneas: elas podem conviver com os cultivos, especialmente de maior espaçamento entre as linhas, após o período crítico de competição, principalmente por luz, nos 30 dias após o plantio. Quando necessário, recomenda-se a roçada nas entrelinhas. No caso de espécies de espaçamento curto como a cenoura, cultivada em canteiros, recomenda-se  entre os canteiros, ou até nas proximidades, a manutenção de faixas de plantas espontâneas, roçando-as quando necessário;

    O uso de papel é uma ótima opção para os cultivos de espaçamento menor entre plantas (canteiros) tais como cenoura e mudas de cebola, com o objetivo de atrasar a emergência das plantas espontâneas:   Ver como proceder através da matéria “Uso do papel em canteiros de mudas de cebola” postada em 13/01/2013;

    Cobertura vegetal viva (Figuras 2 e 3) ou morta (Figuras 4 e 5), utilizando o cultivo mínimo ou plantio direto – reduz a incidência de plantas espontâneas impedindo a germinação ou abafando-as.


Figura 2. Cultivo de repolho em cobertura de adubos verdes (aveia)



Figura 3. Cultivo mínimo de tomate em cobertura de aveia + ervilhaca + nabo forrageiro



Figura 4. Cultivo de couve-flor em cobertura morta de palha de arroz


Figura 5. Cultivo de repolho em cobertura morta de palha de milho


Capina química (uso de herbicidas), solução encontrada pela agricultura “moderna” para o controle do “mato”
     Na agricultura convencional, o "mato" ou "inços" são chamados de "plantas daninhas" pois leva-se em conta somente os efeitos negativos sobre a produção. Em uma conceituação ampla, planta daninha "é toda e qualquer planta que ocorre onde não é desejada". Em termos agrícolas, planta “daninha” pode ser conceituada como "toda e qualquer planta que germine espontaneamente em áreas de interesse humano e que, de alguma forma, interfere prejudicialmente em suas atividades agropecuárias". A solução encontrada pela agricultura "moderna" são os inúmeros herbicidas que acabam contaminando as fontes de água e, o que é pior, contaminando as pessoas, especialmente quando o uso for nas cidades. Felizmente, em Santa Catarina, esta prática é proibida por lei. Precisamos estar atentos e denunciar para a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária em seu município, esta prática irregular, especialmente realizado por algumas prefeituras.

Lei  que proíbe a capina química nas cidades em Santa Catarina

     A lei nº 14.734 que proíbe a capina química em áreas de faixa de domínio de ferrovias, rodovias, vias públicas, ruas, praças, passeios, calçadas, avenidas, terrenos baldios, margem de arroios e valas em todo o território de Santa Catarina, foi sancionada pelo governador Luiz Henrique da Silveira em 17/06/2009. A lei nº 15.117 de 19/01/2010 alterou a redação, incluindo o parágrafo único: "a proibição contida na lei 14.734 não se aplica em áreas rurais e nas capinas amadoras em imóveis particulares devidamente protegidos do acesso público".

Capina química nas cidades: Por que proibir?
    Devido a ausência de segurança toxicológica, desde 2003, a Anvisa não permite a aplicação de herbicidas em ambientes urbanos, pois não tem como proibir o trânsito de pessoas, por pelo menos 24 horas após a aplicação; todos os produtos registrados para uso agrícola, possuem, como regra, um período de reentrada mínimo de 24 horas, ou seja, após a aplicação do produto, a área deve ser isolada e sinalizada e, no caso de necessidade de entrada no local durante este intervalo, o uso de equipamentos de proteção individual é obrigatório. Em ambientes urbanos, o isolamento de uma área por 24 horas é impraticável, isto é, não tem como assegurar que a população, especialmente as crianças, analfabetos e deficientes visuais, sejam avisados e impedidos de entrar na área, principalmente logo após aplicação, quando ainda está molhado, o que aumenta muito o risco de intoxicação.
      A capina química com herbicidas nas cidades (Figura 6) expõe a população ao risco de intoxicação, além de contaminar os animais, os vegetais, o solo e as fontes de água. Além disso, estudos recentes, mostram que o herbicida glifosato (roundup), um dos mais utilizados, é suspeito de provocar malformações em bebês, desregulação endócrina e mutagenicidade; na Argentina (Chaco), na última década, quando o uso deste herbicida aumentou drasticamente, relatório informa que quadruplicou os nascimentos de bebês com malformações. Outra pesquisa com embriões de anfíbios, mostrou que concentrações. 5.000 vezes menor do que o produto comercial, provocou deformações nestes.  Mas o que é ainda pior, é que o uso deste herbicida aumentou mais de 600%, passando de 39.515 toneladas em 2000, para 299.965 toneladas em 2009.

 Figura 6.  Por força de lei esta cena não pode ser mais vista nas cidades de Santa Catarina e, o que é pior, sem nenhum equipamento de proteção ao aplicador.


     São vários os fatores para proibir a capina química nas cidades, uma questão muito importante para resguardar a saúde pública. Dentre estes, destacam-se:

.  É praticamente inviável interditar praças e ruas da circulação de um grande número de pessoas durante e após a aplicação do agrotóxico;

.  Os solos agrícolas são permeáveis o que diminui o acúmulo e o escoamento superficial do produto aplicado, diferente das cidades que favorecem o acúmulo e a formação poças com elevadas concentrações de herbicida (ruas pavimentadas) e, por isso aumentando o risco de exposição de adultos, crianças e animais domésticos.. As crianças,  são mais sujeitas as intoxicações pois quanto menor o peso menor a dose de veneno necessária para intoxicar.

    Para orientar municípios de todo país sobre os perigos do uso de herbicidas nas cidades, a Anvisa publicou a seguinte nota técnica em 15/01/2010: "os herbicidas são produtos essencialmente perigosos e sua utilização, mesmo no meio rural, deve ser feita sob condições de intenso controle, não apenas por ocasião da aplicação, mas também com o isolamento da área na qual foi aplicado" . Na mesma nota, acrescenta: "fica evidenciado que não seria possível aplicar medidas que garantam condições ideais de segurança para o uso de agrotóxicos em ambiente urbano".


Ferreira On 12/26/2013 09:47:00 AM 1 comment

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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O “mato”, entre as plantas cultivadas, especialmente no verão, não significa que o produtor não é caprichoso


     É muito comum, tanto na cidade como no campo, as pessoas acreditarem que a existência de plantas espontâneas, “mato” ou “inços” na horta, pomar ou lavoura é sinal de desleixo por parte do produtor.  Esta ideia, desenvolvida na agricultura “moderna”, especialmente com o surgimento dos herbicidas, é baseada no fato de que o “mato” compete com os cultivos por água, nutrientes e luz. As plantas espontâneas, é bem verdade,  competem com as espécies cultivadas por luz, água e nutrientes, especialmente nos primeiros 30 dias  após a implantação dos cultivos, dai a importância de retirar-se estas plantas ainda pequenas, mas somente na linha de cultivo (faixa de 20 cm aproximadamente), com a enxada ou implementos adaptados ou,  ainda manualmente. A competição por água e nutrientes de que são acusadas as plantas espontâneas é uma preocupação para o hemisfério norte, onde a estação de crescimento é fria, única e curta. Nas condições do Brasil, onde predomina o clima tropical e subtropical, a competição do “mato” com os cultivos é menos problemática do que a falta de cobertura do solo. As plantas espontâneas não merecem ser chamadas de “daninhas” e, por isso, devem ser consideradas como uma reação da natureza à falta de cobertura do solo. O uso do termo “plantas daninhas” não é apropriado para a agricultura orgânica, pois leva em conta apenas seus efeitos negativos sobre a produção, ignorando os efeitos positivos.  Após o período crítico (aproximadamente 30 dias), as plantas espontâneas nas entrelinhas dos cultivos com espaçamentos maiores (Figura 1), são consideradas "plantas amigas" devido à uma série de benefícios que serão enumerados a seguir.

Cobertura do solo

     As plantas espontâneas ajudam a cobrir o solo, reduzindo a erosão e o aquecimento superficial, nossos principais problemas, contribuindo para melhorar a disponibilidade de água e a absorção de nutrientes pelas raízes. No Brasil a cada hectare cultivado perde-se, em média, 25 toneladas/ha/ano (1 cm de camada superficial).  A cobertura do solo é capaz de reduzir as perdas de solo provocadas pela erosão em mais de 90% em relação ao preparo convencional. Esse benefício vai além das propriedades agrícolas e evita uma série de problemas; a água da chuva, especialmente no verão quando são frequentes e intensas, escorre para fora das lavouras em menor quantidade e é mais limpa, o que reduz a poluição e o assoreamento dos rios.  Ao impedir o carregamento de terra e nutrientes para fora da lavoura (erosão), as plantas espontâneas formam uma barreira que protege o solo do impacto das gotas de chuva, facilita a infiltração da água, reduz o escoamento superficial e diminui a evaporação da umidade, melhorando a capacidade do solo de armazenar água. Em relação ao sistema convencional (solo no limpo sem cobertura), a perda de água é pelo menos 70% menor, reduzindo os impactos que os períodos de estiagem causam às plantas, além de permitir melhor germinação e emergência mais uniforme das sementes dos cultivos.  Com mais água no solo, o período para o plantio das culturas aumenta; é possível fazer a semeadura de 6 a 12 dias após uma chuva, enquanto no sistema convencional (solo sem cobertura) o prazo é de 3 a 6 dias. Portanto,  o agricultor tem mais flexibilidade para implantar a lavoura na época mais propícia ou ampliar o período de plantio e, com isso, cultivar uma área maior.  Além da conservação da umidade do solo, pesquisas também revelam que a temperatura do solo descoberto alcança até 9ºC a mais quando comparado ao solo coberto e, que ao atingir 32ºC, as plantas param de absorver nutrientes. Por ocasião das estiagens, as plantas espontâneas fecham os estômatos para reduzir a sua própria perda de umidade e com isto também economizam a do solo, mantendo-o coberto e protegido da insolação.


Figura 1. Transplante de mudas (repolho, couve-flor e brócolis) no inverno, na Epagri/Estação Experimental de Urussanga, em área com plantas espontâneas (“mato”) nas entrelinhas



Melhoria das características física, química e biológica do solo
     Embora os adubos verdes, consorciados ou não com os cultivos, seja a melhor alternativa para melhorar o solo, as plantas espontâneas (“mato”) também contribuem para aumentar a densidade e a diversidade radicular,  favorecendo a reciclagem de nutrientes e melhorando as características físicas, químicas e biológicas do solo e, ainda servindo como fonte de biomassa. As culturas encontram um ambiente muito mais favorável para se desenvolver, quando são implantadas (plantio direto ou cultivo mínimo) em áreas com cobertura vegetal. Os resíduos vegetais são capazes de aumentar a quantidade de matéria orgânica no solo em cerca de 500 kg por hectare a cada ano. Esse material se decompõe lentamente, melhorando o processo de reciclagem dos nutrientes e mantendo alto o nível de atividade biológica do solo. No longo prazo, a fertilidade aumenta.  As plantas espontâneas ajudam também na descompactação do solo, contribuindo para  adubação verde e reciclam os nutrientes, em função da grande diversidade radicular (tamanho e forma). Além disso,  a cobertura do solo é fundamental para a vida deste solo, especialmente as minhocas (consideradas o “arado” do solo), uma vez que elas não gostam de luz e ainda precisam de uma maior oferta de matéria orgânica através desta cobertura para alimentá-las.

Diversificação e equilíbrio ecológico
     A monocultura, ou seja, o cultivo de apenas uma espécie numa área, é um dos maiores problemas da agricultura “moderna”, pois não existindo diversificação de espécies, as pragas e doenças ocorrem de forma mais intensa, por ser a única espécie presente no local, tornando o sistema de produção mais instável e mais sujeito às adversidades. O equilíbrio ecológico não pode ser mantido com as monoculturas.  Daí a importância dos consórcios de culturas e até a manutenção de faixas ou refúgios com “mato” e até consórcios dos cultivos com plantas espontâneas que podem servir para atrair insetos predadores  e até como alimento preferencial das pragas das culturas e também como abrigo e alimento de inimigos naturais dos insetos-pragas. Portanto,  no sistema de produção orgânico é fundamental buscar-se em primeiro lugar uma maior diversificação da paisagem geral com espécies de interesse comercial ou não, de forma a restabelecer a cadeia alimentar entre todos os seres vivos, desde microrganismos até animais maiores e pássaros, pois somente assim se obterá sistemas de produção mais estáveis, garantindo o lucro dos produtores, mesmo em condições climáticas adversas.


Indicadoras de problemas no solo
     As plantas espontâneas são espécies adaptadas ao seu ambiente, por isso são consideradas indicadoras das condições químicas ou físicas do solo, podendo indicar também o manejo que está sendo praticado. Ou seja, ao mesmo tempo que indica um problema, também ajuda a solucioná-lo. A seguir, alguns exemplos de plantas espontâneas indicadoras de problemas no solo:  
•    Picão e urtiga – excesso de matéria orgânica  e carência de cobre (Cu)
•    Carqueja, guanxuma, língua-de-vaca, maria mole e tanchagem – solo compactado
•    Samambaia – solo ácido com alto teor de alumínio
•    Barba-de-bode e capim-amargoso – solo com baixa fertilidade
•    Capim marmelada ou papuã – solo muito arado e gradeado, com deficiência de zinco
•    Nabo – solo com deficiência de boro e manganês
•    Capim-arroz  - solo rico em alumínio
•    Tiririca ou junça – solo ácido, com carência de magnésio
•    Caraguatá e barba-de-bode – é frequente em solos onde se praticam queimadas
•    Azedinha - solo argiloso, ácido, carência de cálcio e molibdênio
• Capim-caninha ou capim-colorado – solos temporariamente encharcados, periodicamente queimados e com deficiência de fósforo
•   Capim-amoroso ou carrapicho – solos de baixa fertilidade, compactado e pobre em cálcio.       
   
     O uso de vegetação espontânea, a grande maioria, pode ser utilizada como planta de cobertura. Normalmente há predominância de gramíneas, especialmente no verão e folhas largas no inverno. Entretanto, é importante observar que algumas plantas espontâneas são muito problemáticas e podem dominar a área (ex.: grama-seda, trapoeraba, tiririca, losna, entre outras), competindo por água e nutrientes durante o ciclo da cultura principal  e, dessa forma prejudicando seriamente a lavoura. Para estas espécies mais agressivas, deve-se ter um cuidado especial, no sentido de não multiplicá-las cada vez mais. Especialmente para a tiririca, o manejo é muito importante no sentido de não favorecer a multiplicação, procurando abafá-las e  controlar com outras espécies (ex.: adubos verdes) com efeito alelopático. Para maiores informações sobre o manejo da tiririca, recomenda-se ver a matéria postada neste blog “Manejo da tiririca no sistema  orgânico de produção de hortaliças“,  em 15/03/2013.
     Também é importante ressaltar que algumas plantas espontâneas são indicadoras de solo fértil, tais como a beldroega (Portulaca oleracea).

 Manejo das plantas espontâneas
     Quando uma planta se torna agressiva, chamada de “invasora” ou “inço” e domina uma área, o problema não está na planta, mas no solo e/ou no ambiente que o envolve. As medidas de controle devem considerar o grau de interferência sobre as plantas espontâneas e destas sobre os cultivos, antes e depois do manejo.
     Havendo necessidade de manejo, as plantas espontâneas não devem ser totalmente eliminadas. A intervenção deverá ser no sentido de auxiliar a natureza para que este processo ocorra ao longo do tempo, para que a população de plantas mais “agressivas” seja reduzida a níveis toleráveis, cedendo espaço para as mais “comportadas” e de mais fácil manejo. Dependendo do cultivo, é possível permitir o crescimento das plantas espontâneas. Em certos casos, amassar o “mato” pode ser mais vantajoso do que roçar e roçar mais vantajoso do que capinar. Este manejo pode ser feito da seguinte maneira:

   Práticas de prevenção: evitar a multiplicação; uso de sementes e mudas isentas de plantas espontâneas; em áreas muito inçadas preparar o solo com antecedência para permitir a emergência e eliminação de plantas espontâneas; utilizar composto orgânico ao invés de esterco de gado (fonte de sementes de plantas espontâneas); controle manual; rotação e consorciação de culturas;

     Plantas de cobertura (adubos verdes) em rotação, sucessão ou consorciadas com os cultivos e com efeitos alelopáticos: mucuna (abafamento), feijão de porco (tiririca), aveia e nabo forrageiro (papuã), ervilhaca e outras;

     Roçada das plantas espontâneas: elas podem conviver com os cultivos, especialmente de maior espaçamento entre as linhas, após o período crítico de competição, principalmente por luz, nos 30 dias após o plantio. Quando necessário, recomenda-se a roçada nas entrelinhas. No caso de espécies de espaçamento curto como a cenoura, cultivada em canteiros, recomenda-se  entre os canteiros, ou até nas proximidades, a manutenção de faixas de plantas espontâneas, roçando-as quando necessário;

    O uso de papel é uma ótima opção para os cultivos de espaçamento menor entre plantas (canteiros) tais como cenoura e mudas de cebola, com o objetivo de atrasar a emergência das plantas espontâneas:   Ver como proceder através da matéria “Uso do papel em canteiros de mudas de cebola” postada em 13/01/2013;

    Cobertura vegetal viva (Figuras 2 e 3) ou morta (Figuras 4 e 5), utilizando o cultivo mínimo ou plantio direto – reduz a incidência de plantas espontâneas impedindo a germinação ou abafando-as.


Figura 2. Cultivo de repolho em cobertura de adubos verdes (aveia)



Figura 3. Cultivo mínimo de tomate em cobertura de aveia + ervilhaca + nabo forrageiro



Figura 4. Cultivo de couve-flor em cobertura morta de palha de arroz


Figura 5. Cultivo de repolho em cobertura morta de palha de milho


Capina química (uso de herbicidas), solução encontrada pela agricultura “moderna” para o controle do “mato”
     Na agricultura convencional, o "mato" ou "inços" são chamados de "plantas daninhas" pois leva-se em conta somente os efeitos negativos sobre a produção. Em uma conceituação ampla, planta daninha "é toda e qualquer planta que ocorre onde não é desejada". Em termos agrícolas, planta “daninha” pode ser conceituada como "toda e qualquer planta que germine espontaneamente em áreas de interesse humano e que, de alguma forma, interfere prejudicialmente em suas atividades agropecuárias". A solução encontrada pela agricultura "moderna" são os inúmeros herbicidas que acabam contaminando as fontes de água e, o que é pior, contaminando as pessoas, especialmente quando o uso for nas cidades. Felizmente, em Santa Catarina, esta prática é proibida por lei. Precisamos estar atentos e denunciar para a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária em seu município, esta prática irregular, especialmente realizado por algumas prefeituras.

Lei  que proíbe a capina química nas cidades em Santa Catarina

     A lei nº 14.734 que proíbe a capina química em áreas de faixa de domínio de ferrovias, rodovias, vias públicas, ruas, praças, passeios, calçadas, avenidas, terrenos baldios, margem de arroios e valas em todo o território de Santa Catarina, foi sancionada pelo governador Luiz Henrique da Silveira em 17/06/2009. A lei nº 15.117 de 19/01/2010 alterou a redação, incluindo o parágrafo único: "a proibição contida na lei 14.734 não se aplica em áreas rurais e nas capinas amadoras em imóveis particulares devidamente protegidos do acesso público".

Capina química nas cidades: Por que proibir?
    Devido a ausência de segurança toxicológica, desde 2003, a Anvisa não permite a aplicação de herbicidas em ambientes urbanos, pois não tem como proibir o trânsito de pessoas, por pelo menos 24 horas após a aplicação; todos os produtos registrados para uso agrícola, possuem, como regra, um período de reentrada mínimo de 24 horas, ou seja, após a aplicação do produto, a área deve ser isolada e sinalizada e, no caso de necessidade de entrada no local durante este intervalo, o uso de equipamentos de proteção individual é obrigatório. Em ambientes urbanos, o isolamento de uma área por 24 horas é impraticável, isto é, não tem como assegurar que a população, especialmente as crianças, analfabetos e deficientes visuais, sejam avisados e impedidos de entrar na área, principalmente logo após aplicação, quando ainda está molhado, o que aumenta muito o risco de intoxicação.
      A capina química com herbicidas nas cidades (Figura 6) expõe a população ao risco de intoxicação, além de contaminar os animais, os vegetais, o solo e as fontes de água. Além disso, estudos recentes, mostram que o herbicida glifosato (roundup), um dos mais utilizados, é suspeito de provocar malformações em bebês, desregulação endócrina e mutagenicidade; na Argentina (Chaco), na última década, quando o uso deste herbicida aumentou drasticamente, relatório informa que quadruplicou os nascimentos de bebês com malformações. Outra pesquisa com embriões de anfíbios, mostrou que concentrações. 5.000 vezes menor do que o produto comercial, provocou deformações nestes.  Mas o que é ainda pior, é que o uso deste herbicida aumentou mais de 600%, passando de 39.515 toneladas em 2000, para 299.965 toneladas em 2009.

 Figura 6.  Por força de lei esta cena não pode ser mais vista nas cidades de Santa Catarina e, o que é pior, sem nenhum equipamento de proteção ao aplicador.


     São vários os fatores para proibir a capina química nas cidades, uma questão muito importante para resguardar a saúde pública. Dentre estes, destacam-se:

.  É praticamente inviável interditar praças e ruas da circulação de um grande número de pessoas durante e após a aplicação do agrotóxico;

.  Os solos agrícolas são permeáveis o que diminui o acúmulo e o escoamento superficial do produto aplicado, diferente das cidades que favorecem o acúmulo e a formação poças com elevadas concentrações de herbicida (ruas pavimentadas) e, por isso aumentando o risco de exposição de adultos, crianças e animais domésticos.. As crianças,  são mais sujeitas as intoxicações pois quanto menor o peso menor a dose de veneno necessária para intoxicar.

    Para orientar municípios de todo país sobre os perigos do uso de herbicidas nas cidades, a Anvisa publicou a seguinte nota técnica em 15/01/2010: "os herbicidas são produtos essencialmente perigosos e sua utilização, mesmo no meio rural, deve ser feita sob condições de intenso controle, não apenas por ocasião da aplicação, mas também com o isolamento da área na qual foi aplicado" . Na mesma nota, acrescenta: "fica evidenciado que não seria possível aplicar medidas que garantam condições ideais de segurança para o uso de agrotóxicos em ambiente urbano".


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