Autor: Mariane Carvalho Vidal - Embrapa
Hortaliças, Caixa Postal 218, CEP 70359-970, Brasília, DF.
mariane@cnph.embrapa.br
Fonte: Hortic. bras., v.29, n. 2
(Suplemento - CD ROM), julho 2011.
INTRODUÇÃO
No artigo publicado no ano passado sobre
as 100 questões mais importantes para o futuro da agricultura global (Pretty et
al., 2010), a sustentabilidade aparece como ponto fundamental para o desafio de
alimentar uma população do ordem de 9 bilhões de pessoas projetada para um
futuro próximo. Dessa forma, o panorama para os próximos anos indica a
necessidade de profundos câmbios em nosso sistema produtivo.
O cultivo orgânico aparece não somente
como uma forma alternativa ao sistema agroindustrial atual da agricultura mais,
como uma forte base para uma mudança de paradigma da relação da sociedade com a
agricultura. O resgate das questões sociais, ecológicas e ambientais no trato
com a agricultura é o grande diferencial desse sistema, pois permite a equidade
e o equilíbrio das relações e a sua sustentabilidade no tempo e no espaço.
As hortaliças são, em muitos
agroecosistemas, um componente chave para a diversificação, pois geralmente são
de ciclo curto, o intervalo para o plantio também é curto, de uma semana a 15
dias em algumas espécies, a área ocupada por ciclo de cultivo é variável
dependendo da espécie, o que facilita o redesenho das propriedades. Ainda, o
retorno econômico é rápido e alguns produtos exigem pouco processamento,
podendo ser vendidos in natura e são de fácil aceitação no mercado.
Contudo, ainda existem muitos desafios
para o desenvolvimento do sistema produtivo de hortaliças orgânicas. São muitos
os problemas enfrentados pelos agricultores especialmente no que diz respeito
ao manejo de solo e controle de pragas, doenças e plantas espontâneas. São
esses alguns exemplos que limitam muitas vezes, o crescimento de áreas
produtivas no sistema orgânico. Assim, vamos discutir nesse trabalho os
desafios e as propostas para incrementar o sistema de produção de olerícolas
orgânicas.
PROBLEMAS
Atualmente, o campo sofre as conseqüências da
simplificação da agricultura, que seguiu o modelo da monocultura preconizado
pela Revolução verde. São algumas dessas conseqüências: erosão, contaminação de
solos e mananciais hídricos, desequilíbrios biológicos e crescente resistência
das pragas aos agrotóxicos. A necessidade de mudança para uma estratégia mais
conservacionista e preservacionista da agricultura é urgente.
A conversão à horticultura orgânica bem
como seu manejo exigem profundos conhecimentos agronômicos e ecológicos, como
também das particularidades da propriedade rural, da qualidade e quantidade dos
recursos humanos (Souza e Resende, 2006) e ainda da paciência e persistência do
agricultor. Essas questões aliadas à falta de tecnologia para a produção, de
assistência técnica especializada e canais de comercialização dos produtos, são
os problemas mais importantes apontados pelos agricultores.
Não são somente as questões relacionadas
diretamente ao agricultor e seu sistema produtivo mais a preocupação da
sociedade pelo consumo de alimentos mais “limpos” exigem cada vez mais do
mercado a oferta de produtos oriundos de agricultura orgânica. Um exemplo muito
cotidiano é o caso da presença elevada de nitratos nas hortaliças. A elevação
do teor de nitrato nas plantas se dá pela oferta excessiva de adubos
nitrogenados especialmente nas hortaliças folhosas de consumo in natura. O
problema neste caso está relacionado ao efeito do nitrato na saúde humana que
uma vez ingerido, pode ser transformado em nitrito e combinarse com as aminas
para formar as nitrosaminas. Essas substâncias são cancerígenas, mutagênicas e
teratogênicas (Darolt, 2003).
Essas e outras questões fazem parte do
debate atual na sociedade e leva a um repensar das formas de produção e consumo
e das nossas relações com a indústria da alimentação.
LIMITAÇÕES
Apesar dos avanços das pesquisas em
horticultura orgânica ainda assim, existem pontos de limitação importantes a
serem considerados e que influenciam a opção por adotar esse sistema.
Segundo um levantamento das demandas da
pesquisa encaminhadas pelas Comissões de Produção Orgânica (CPOrg) de distintos
estados do país, sanidade vegetal, sistemas de produção vegetal e animal,
processamento de alimentos e questões de socioeconomia como os sistemas de
comercialização de produtos orgânicos são os temas mais importantes e que
necessitam atuação direta do componente pesquisa e extensão. Mesmo que alguns
desses fatores tenham sido explorados na literatura com a apresentação de
resultados, ainda existem pontos específicos que precisam ser mais bem
estudados e adaptados as condições inerentes à produção orgânica.
Uma questão bastante recorrente e que é
apontada como um limitante para a conversão ao sistema produtivo é o preço do
produto orgânico. As dimensões éticas, sociais e ambientais que apresenta a
agricultura orgânica não podem ser desconsideradas principalmente quando se
discute o preço dos produtos orgânicos. Por suas características, a agricultura
orgânica tem contribuído para a fixação no campo de um expressivo contingente
de produtores familiares anteriormente excluídos. Os consumidores dos produtos
orgânicos, ao priorizarem sua saúde e bem estar estão conscientes de que também
promovem a qualidade de vida e saúde para os trabalhadores rurais e na
conservação do meio ambiente (Valle et al., 2007). Outro fator relacionado ao
preço é que o mercado orgânico ainda é visto como uma estratégia ou nicho de
mercado principalmente pelos grandes centros de distribuição que reduzem sua
margem de lucro, elitizando os produtos.
As limitações da horticultura orgânica não
podem estar baseadas nos preços de produção e consumo, pois quando se compara
com o sistema convencional, observa-se que os custos variáveis de produção são
mais baixos para algumas culturas no sistema orgânico (Vilela et al., 2007). Em
um estudo comparativo entre os sistemas de cultivo de soja orgânica e
convencional do ano de 2002 (Darolt e Skora Neto, 2002) foi constatado que
tanto em adubos como em insumos para controle de doenças, os custos no sistema
orgânico foram menores comparativamente ao convencional.
Outras questões consideradas por muitas
como limitações tais como mão de obra e acesso a informação, devem ter uma
reflexão mais profunda da forma como são percebidas no sistema orgânico.
SOLUÇÕES TÉCNICAS
Com base nesse panorama, muito se avançou
nas soluções técnicas que auxiliam o sistema de produção de hortaliças
orgânicas.
A Embrapa enquanto empresa pública de
pesquisa e tecnologias atua também nas áreas de capacitação e transferência de
tecnologias, subsidiando a construção de políticas públicas e de mercado,
gerando conhecimentos não somente para o sistema de produção orgânico mais
também para os processos de transição e na sistematização de experiências dos
agricultores.
No processo de transição agroecológica, já
existem esforços para sistematização de experiências de agricultores em
distintas regiões do país. Essas experiências nos trazem informações sobre como
a diversidade e as relações com a produção são tratadas. Por exemplo, na região
Serrana do Rio de Janeiro onde a introdução de caprinos leiteiros e galinhas
poedeiras, de forma a ampliar a oferta de alimentos (ovos, leite e carne) e de
dejetos, foram destinadas a complementar a adubação orgânica das áreas
cultivadas com hortaliças. Desta forma, buscou-se reduzir a dependência das
unidades em relação a insumos externos e, principalmente, diversificar a renda
da unidade e garantir a segurança alimentar da família. As áreas de lavouras
foram manejadas dentro dos princípios da agricultura orgânica e são
certificadas pela ABIO, ao passo que, em relação ao manejo do componente animal
buscou-se incorporar práticas agroecológicas de forma a caracterizar processos
de transição de sistemas de manejo.
Uma vez implantado o sistema de produção,
o mais importante é reconhecer que existe a integração entre os diferentes
componentes desse sistema e que isso demanda o desenvolvimento de pesquisas
transdisciplinares, o que muitas vezes é dificultado. Quando se trata de
produção de hortaliças, considera-se principalmente a conservação do solo e da
água, fertilidade do solo, controle de pragas e doenças e manejo de plantas
espontâneas. Considerando esses fatores, o objetivo é desenvolver tecnologias e
estratégias de manejo que produzam sinergismo entre eles.
Sobre a fitosanidade, por exemplo, existem
resultados concretos que comprovam que o uso da diversidade pode controlar
pragas, como o consórcio do tomate com coentro e botão de ouro em sistema
orgânico responsável por reduzir a abundância de pragas (Medeiros et al.,
2009). Outro exemplo é o uso de plantas aromáticas como a hortelã e o
manjericão ou alfavaca, para controlar a hérnia das crucíferas quando
cultivadas previamente a couve chinesa (Vidal, 2010).
São muitas as experiências de sucesso que
mostram resultados importantes de pesquisa para o avance da agricultura
orgânica. Recentemente, foi realizado pela Embrapa o zoneamento agroecológico
de Mato Grosso do Sul, e que servirá de base para o planejamento territorial,
no sentido de diversificar os cultivos agrícolas. As atividades dominantes em
Mato Grosso do Sul, atualmente, são a pecuária e o plantio da soja e um dos
pontos da pesquisa foi o levantamento de aptidão para mais de 15 culturas,
incluindo, além da soja, abacaxi, banana, eucalipto, girassol, citros, goiaba,
seringueira, milho e hortaliças entre outras.
Como reflexão final é importante
considerar que enquanto a agricultura orgânica for tratada pela indústria da
alimentação como um nicho de mercado e não conseguir ser vista pela importância
na segurança alimentar que apresenta, as discussões seguirão relacionadas ao
preço final pago pelo produtor e consumidor. Os sistemas orgânicos são
inspiradores de um novo paradigma no modo de conceber a agricultura. As
adaptações necessárias em face das mudanças climáticas globais exigem que os
sistemas sejam resilientes, com habilidade para continuar funcionando mesmo sob
eventos inesperados. Os agricultores familiares, os mais vulneráveis a todas
essas transformações, necessitam de práticas naturais mais adaptadas às
adversidades locais com o passar do tempo. E é aí que a agricultura orgânica
desponta como alternativa potencial, pois se baseia nos processos ecológicos e
melhor uso dos recursos naturais para desenvolver a resiliência através do
desenvolvimento de técnicas de uso e manejo correto do solo, água,
biodiversidade e paisagem, combinando o conhecimento tradicional das
comunidades com o conhecimento científico, melhor adaptado às condições dos ecossistemas
locais e regionais.
REFERÊNCIAS
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MR. 2003. A qualidade dos alimentos orgânicos. Disponível em:
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http://www.aeadf.org.br/noticias/pdf/Sistema%20de%20Plantio%20Direto%20em%20Ag
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