Mito: a agricultura orgânica produz menos e, ainda produtos de baixa qualidade e aparência comparado ao sistema convencional (uso de agrotóxicos, fertilizantes químicos e outras práticas)
O interesse das empresas em tornar o produtor dependente de insumos, a maioria importados e caros, depois de divulgar o mito de que a agricultura orgânica é de alto risco cara e mais trabalhosa, matéria recentemente postada neste blog, foi ainda mais longe; criaram mais um mito: "A agricultura orgânica, além de reduzir a produtividade, proporciona produtos orgânicos de padrão comercial inferior e inadequado às exigências dos consumidores".A literatura existente, embora ainda escassa, tem mostrado que não é verdade. A Epagri, através de pesquisas realizadas na Estação Experimental de Urussanga, SC, comparando o desempenho de diversas hortaliças nos sistemas de produção orgânico e convencional, revelou que os alimentos produzidos no cultivo orgânico não deixam nada a desejar quanto a produtividade e aparência e, ainda com melhor qualidade. A seguir, serão apresentados os resultados de destaque obtidos nas principais hortaliças (Tabela 1).
Tabela 1. Produtividade das hortaliças: cultivo orgânico x convencional
Obs.: Média de 3 safras (2004/05, 2005/06 e 2006/07
Cultivo de batata
Embora neste cultivo não tenha sido comparado a produtividade nos dois sistemas de produção, os resultados obtidos em propriedades de produtores no litoral sul catarinense, a partir de 2000, mostraram a viabilidade do cultivo orgânico de batata, validando resultados de pesquisa obtidos na Estação Experimental de Urussanga. Na média das safras, alcançou-se produções totais de até 24,1 t/ha. Considerando-se que a média obtida no sistema de produção convencional é de cerca de 15 t/ha, verifica-se pelos resultados a viabilidade técnica e econômica do cultivo orgânico e, o que é melhor, com alto valor agregado e, o mais importante, sem comprometer a saúde das pessoas e o meio ambiente. É importante ressaltar, no entanto, que o sucesso no cultivo orgânico deve-se ao uso de cultivares de batata altamente resistentes às doenças da folhagem. Destacaram-se as cultivares Epagri 361 - Catucha, lançada em 1995 e, mais recentemente, a SCS 365 – Cota (Figura 1), primeira cultivar registrada para o cultivo orgânico, lançada pela Epagri em 2008.
Figura 1.
Cultivo orgânico de batata na Estação Experimental de Urussanga: " SCS 365 Cota (cultivar catarinense) x Ágata (cultivar holandesa mais plantada no Brasil), completamente dizimada pela requeima.
Quanto ao aspecto comercial, observou-se que as cultivares apresentaram tubérculos com aparência razoável a boa quanto à uniformidade e película, e poucos danos de pragas do solo.
Qualidade da batata processada: cultivo orgânico x convencional
Com relação ao teor de matéria seca dos tubérculos obtidos, um dos principais requisitos para industrialização, especialmente na forma de batata-palha (Figura 2), "chips" (Figura 2) e fritas, destacaram-se as cultivares Epagri 361- Catucha e SCS 365 - Cota, com 20,6% e 20,7%, em média, respectivamente.
Figura 2.
Tubérculos, batata-palha e "chips" da batata Cota, 1ª cultivar de batata catarinense registrada para o cultivo orgânico
Outro trabalho de pesquisa realizado na Estação Experimental de Urussanga com a cultivar Catucha, evidenciou que o uso de matéria orgânica à base de turfa aumentou significativamente a percentagem de matéria seca dos tubérculos, quando comparado ao uso de apenas adubos químicos. Ao se comparar a batata Catucha industrializada na forma de palitos pré-fritos congelados, produzida em dois sistemas de produção, verificou-se que a cultivada no sistema orgânico apresentou qualidade superior em relação à obtida no cultivo convencional.
Avaliando-se os parâmetros físico-sensoriais da batata Catucha, produzida em dois sistems de produção, após processamento na forma de palitos, verificou-se a superioridade do cultivo orgânico na qualidade do produto final (Tabela 2).
Tabela 2. Parâmetros físico-sensoriais da batata Catucha,
após processamento na forma de palitos.
Avaliação feita por oito degustadores.
Fontes: CCA/UFSC Depto. De Ciência e Tecnologia de Alimentos
Cultivo de tomate
O cultivo de tomate a céu aberto, devido à maior susceptibilidade a doenças e pragas, tem sido apontado como o maior desafio no sistema de produção orgânico. Quando se compararam os sistemas de produção constatou-se que eles foram semelhantes quanto ao rendimento de frutos, alcançando 49,0 e 52,2t/ha nos cultivos orgânico e convencional, respectivamente. Em relação a aparência dos frutos, verificou-se que os produzidos no sistema de produção orgânico, não deixam nada a desejar, quando comparados aos obtidos no sistema convencional (Figura 3).
Figura 3. Qualidade dos frutos de tomate, cultivar Santa Clara, produzidos no cultivo orgânico, na Estação Experimental de Urussanga, no plantio de agosto/2004
Efeito de produtos alternativos no manejo da requeima do tomateiro sob cultivo orgânico
Ao estudar novos produtos alternativos visando ao manejo da requeima no tomateiro, pesquisadores da Estação Experimental de Urussanga, no plantio de inverno/primavera, época mais favorável para a cultura no Litoral, em condições normais de clima, alcançaram produtividades de até 75t/ha de frutos comerciais (o rendimento médio no sistema convencional em SC é cerca de 51t/ha). Em relação à incidência da requeima, verificou-se que a calda bordalesa (0,5%) apresentou boa eficiência no manejo (Figura 4). Os demais tratamentos foram ineficientes no manejo da doença.
Figura 4.
Manejo da requeima do tomateiro com calda bordalesa (sem aplicação [esq.] e com aplicação
[à dir.])
Qualidade de frutos de tomate: cultivo orgânico x convencional
Ao se comparar a produção de frutos não comerciais, constatou-se que o cultivo orgânico proporcionou a metade de frutos brocados e cinco vezes menos frutos com podridão apical (Figura 5) em relação ao sistema convencional respectivamente (Tabela 3). O efeito repelente da calda bordalesa à broca pequena devido ao sulfato de cobre e a adubação orgânica com composto orgânico, rico em cálcio, explicam, em parte, os resultados obtidos. Convém salientar que no sistema convencional foi utilizado fertilizantes químicos como o nitrato de cálcio em adubações de coberturas, mas não foi aplicado nenhum produto à base de cobre.
Tabela 3. Número de frutos com podridão apical e brocados produzidos nos dois sistemas de produção.
Cultivo de cebola
Ao se comparar os sistemas de produção, verificou-se produtividade e qualidade semelhantes (Figura 6) nos cultivos orgânicos (20,9 t/ha) e convencional (21,0 t/ha), adotando-se a prática de rotação de culturas.
Figura 6. Bulbos de cebola, cultivar Empasc 352 – Bola Precoce, produzidos nos sistemas de produção orgânico e convencional
Cultivo de cenoura
Dentre as hortaliças, a cenoura é uma das que possuem menor limitação para produção tanto no sistema convencional como no orgânico. A existência de cultivares resistentes ao sapeco, normalmente, reduz os danos causado pela doença. Em relação às pragas, praticamente nenhuma causou danos econômicos. Quando foram comparados os sistemas de produção, constatou-se que os rendimentos obtidos de raízes comerciais de cenoura foram semelhantes nos sistemas de cultivo convencional (44,8t/ha) e orgânico (45,4t/ha).
Em relação a qualidade e aparência das raízes, o cultivo orgânico (Figura 7) não deixou nada a desejar, quando comparado com o cultivo convencional.
Figura 7. Raízes de cenoura, cultivar Brasília, produzidas no sistema de cultivo orgânico
Cultivo de alface
Quando se compararam os sistemas de produção, quanto ao rendimento de cabeças de alface, constatou-se que o cultivo orgânico com 17,6 t/ha (Figura 8) foi superior ao convencional (15,9t/ha) em 10 %. Quanto a qualidade, não houve diferenças nos dois sistemas.
Figura 8. Alface, cultivar Regina, no ponto de colheita, produzida no sistema de produção orgânico (canteiros acima) e convencional (canteiros abaixo)
Cultivo de couve-flor
Quando se compararam os sistemas de produção no cultivo de couve-flor, observou-se que o sistema convencional (15,8t/ha) foi ligeiramente superior ao orgânico (16,4t/ha) na média de três anos, no plantio de verão/outono. No entanto, em outra pesquisa conduzida somente no sistema de cultivo orgânico, alcançou-se até 27,0/ha e com ótima qualidade (Figura 9).
Figura 9. Híbrido Barcelona Ag-324, produzido no cultivo orgânico.
Cultivos de repolho e brócolis
Embora não tenha sido comparado o desempenho das hortaliças repolho e brócolis nos diferentes sistemas de produção, verifica-se pelos resultados obtidos no cultivo orgânico, a viabilidade técnica e econômica neste sistema de cultivo, alcançando ótima qualidade e produtividades de até 63,1 e 21,6 t/ha (Figuras 10 e 11), respectivamente.
Figura 10.
Repolho produzido no cultivo orgânico
Figura 11.
Brócolis produzido no cultivo orgânico
Conclusões gerais
É importante ressaltar que embora algumas culturas pesquisadas como couve-flor e cebola ainda tenham produzido um pouco menos no sistema orgânico, quando comparado ao convencional, a evolução do rendimento nos últimos anos indicou que a tendência é não haver diferenças significativas, em função da melhoria da fertilidade do solo. É importante ressaltar que mesmo ocorrendo alguma perda na produtividade no sistema orgânico, ela é compensada pela redução das despesas com o uso de agroquímicos utilizados no cultivo convencional e pelo maior valor do produto orgânico em função da grande demanda por alimentos sadios e, o mais importante, não compromete a saúde das pessoas e o meio ambiente.
Convém destacar que, embora a rotação de culturas não tenha sido eficiente no aumento da produtividade de algumas espécies como alface, couve-flor e cenoura, recomenda-se essa prática como se fosse um investimento no terreno. Mesmo que não traga retorno econômico imediato, a rotação de culturas garante uma fertilidade do solo mais duradoura, proporcionando sustentabilidade e menor dependência de insumos. A inclusão de outras espécies com diferentes sistemas radiculares e necessidades nutricionais em esquemas de rotação de culturas para hortaliças favorece a reciclagem de nutrientes e uma adubação equilibrada das plantas.
Buena iniciativa para orientar a la gente de como vivir de manera saludable y en armonía con la naturaleza.
ResponderExcluirBom de mais este Blogspot. Parabenes para el autor.
Venezuela.
Gostei da pesquisa!
ResponderExcluirSó é pena que legumes e hortaliças orgânicos sejam tão mais caros e pessoas de baixa renda na hora da compra sejam obrigadas a optar pelos convencionais.
Abraço.
Maria,
ResponderExcluirAinda são mais caros porque a procura é maior que a oferta. Não tem nada a ver com o custo de produção, pois é mais barato produzir orgânicos. Há também uma ganância dos mercados em ganhar mais do que deveriam e, o que é pior, não repassam este maior lucro aos produtores. A solução, por enquanto, é você produzir sua própria horta orgânica, se tiver uma pequena área disponível.
A questão da produtividade em cultivos orgânicos está bem mais estudada do que divulgada. Isto por motivos muitos óbvios. É provável que o professor Jules Pretty, da Universidade de Essex (Inglaterra) seja o principal pesquisador deste dados no mundo. Ele verificou que agricultores na Índia, Quênia, Brasil, Guatemala e Honduras dobraram ou triplicaram suas produções mudando para técnicas orgânicas ou semi-orgânicas. As pesquisas feitas pelo professor Jules Pretty e seus colegas naquela Universidade, financiada pelo Departamento de Desenvolvimento Internacional, Greenpeace e “Pão Para o Mundo”, coletou dados de mais de 200 projetos em 52 países cultivando alimentos em mais de 29,8 milhões de hectares.
ResponderExcluir"Fomos verificar se sitiantes conseguem melhorar a produção de alimentos com tecnologias de baixo custo e investimentos localmente disponíveis; se conseguem fazer isso sem causar danos ambientais adicionais", disse o prof. Pretty. "Descobrimos que, em 4,42 milhões de pequenas lavouras praticando agricultura sustentável, em 3,58 milhões de hectares, a produção média de alimentos por domicílio aumentou 73%.
Para os 146.000 proprietários em 542.000 hectares - cultivando colheitas como batata e mandioca - o aumento foi de 150% e, em sítios maiores, a produção total aumentou 46%."A agricultura sustentável cresceu na última década do domínio de alguns entusiastas para um vasto movimento, abrangendo governos e o setor privado", disse o prof. Pretty. "Ela é barata, usa tecnologia localmente disponível e freqüentemente melhora o meio ambiente. Acima de tudo, ajuda as pessoas que precisam dela - lavradores e suas famílias - que constituem a maioria das pessoas famintas do mundo."
Germano, muito interessante a pesquisa feita pelo professor Jules Pretty. Gostaria de saber se esta pesquisa já está publicada, pois temos todo o interesse em divulgar estes dados.
ResponderExcluirMUITO LEGAL TUDO ISSO
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